Acórdão nº 247/09 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Jo
Data da Resolução12 de Maio de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 247/2009

Processo n.º 16/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

No âmbito do processo n.º 1392/05.OTAVCD, pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, a arguida A. foi acusada pela prática de um crime de associação criminosa, p.p. pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal (C.P.), de um crime de lenocínio, na forma continuada, p.p. pelo artigo 169.º, n.º 1, do C.P., e de um crime de auxílio à emigração ilegal, p.p. pelo artigo 134.º- A, n.º 2, e 183.º, n.º 1, da Lei 23/2007, de 4 de Julho, por referência a acção de fiscalização realizada em 11-11-2005.

A referida arguida requereu a abertura da instrução em que, além do mais, arguiu a incompetência territorial do tribunal da comarca de Vila do Conde para conhecer dos crimes de que vem acusada e a nulidade das escutas telefónicas efectuadas, por violação dos requisitos formais e materiais exigidos por lei.

Realizada a instrução, foi proferida decisão instrutória em 9-10-2008, pronunciando a arguida pelos factos constantes da acusação e indeferindo, além do mais, a excepção de incompetência territorial do tribunal e as nulidades imputadas às escutas telefónicas.

Inconformada com a decisão instrutória, na parte em que indeferiu a excepção de incompetência territorial e as nulidades imputadas às escutas telefónicas, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, em 23-10-2008.

Este recurso não foi admitido por despacho proferido em 4-11-2008.

Deste despacho reclamou a arguida para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, tendo a Vice-Presidente deste Tribunal, por decisão proferida em 24-11-2008, indeferido a reclamação com os seguintes fundamentos:

“A questão a decidir na presente reclamação é a de saber se é ou não aplicável a lei nova. Na verdade, com a actual redacção do art. 310º, 1 do CPP, introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, é indiscutível que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais.

A reclamante sustenta, no essencial, que tal alteração representa uma clara diminuição das garantias de defesa do arguido (eliminação do direito ao recurso), tomando inaplicável a lei nova quanto a este ponto concreto (direito ao recurso da decisão instrutória, na parte em que aprecia nulidades e outras questões prévias ou incidentais).

Vejamos a questão.

A regra sobre a aplicação da lei no tempo, em processo penal, é a da aplicação imediata da lei nova e está consagrada no art. 5º, 1 do CPP: “A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos praticados na vigência da lei anterior”.

Subjacente a esta ideia está o entendimento de que a nova lei corresponde a uma melhor forma de efectivar os direitos em causa (ideia de progresso inerente a qualquer alteração da lei) que a todos deve beneficiar. No entanto, admitem-se excepções a esta regra, quando a nova lei, afinal (e em casos pontuais), vem agravar a posição do arguido. Dai que, no termos do art. 5º, n.º 2, al. a), a lei processual penal se não aplique aos processos iniciados anteriormente à sua vigência, quando da sua aplicação imediata possa resultar: “agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa”.

Na presente reclamação, a arguida põe a tónica precisamente na limitação do seu direito de defesa, resultante da aplicação da lei nova, pois deixa de poder recorrer, quando na vigência da lei antiga podia fazê-lo.

A meu ver, a arguida não tem razão.

O que decorre do art. 310º, n.º 1 do CPP é, em rigor, uma dilação ou um adiamento do direito ao recurso, o que não limita qualquer direito de defesa. As questões decididas nos autos (incompetência territorial e nulidade das escutas) não fazem caso julgado formal, precisamente porque da respectiva decisão não cabe recurso e, por isso, as mesmas podem vir a ser invocadas no recurso da decisão final, caso a arguida venha a ser condenada.

Assim, o que do aludido preceito (art. 310º, 1) decorre, para a posição processual do arguido, é apenas a possibilidade de o mesmo ser sujeito a julgamento, antes de reapreciada a decisão que julgou a arguida nulidade. Daí que não seja rigoroso dizer-se que há, no caso, uma limitação do direito ao recurso, mas sim a sujeição do arguido a julgamento, antes de ser reapreciada a decisão sobre a nulidade.

Pode dizer-se que está em causa, apenas, uma certa regulação do processo penal sobre a oportunidade ou sobre o momento em que deve ser admitido o recurso da decisão instrutória que aprecia nulidades e outras questões prévias ou incidentais: antes ou depois do julgamento.

A opção por uma ou outra fase do processo não se repercute sobre as garantias de defesa do arguido, pelo que não está em causa um regime que traduza um agravamento sensível da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

Deste modo, creio que deve aplicar-se a lei nova, por ser essa a regra geral e não se verificar, no caso, qualquer situação que caiba na excepção a que alude o art. 5º, n.º 2 al. a) do CPP.

Esta visão não afronta os arts. 20º, 29 e 32º, 2 da CRP, uma vez que a interpretação acolhida pressupõe que o direito ao recurso da decisão sobre a incompetência territorial e sobre as invocadas nulidades subsista na esfera jurídica do arguido e, portanto, não haja a menor limitação no seu conteúdo.

Sobre um caso similar pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 460/08, de 25 de Setembro de 2008, confirmando decisão por mim proferida, no sentido de não haver, na interpretação acima referida, qualquer constitucionalidade.

“Da interpretação adoptada deriva, tão-somente (concluiu a decisão sumária do relator no TC) a aplicação do novo regime em termos de adiar para um momento posterior – em sede de recurso da decisão final – a apreciação das questões que o Recorrente pretendia imediata. E isto contende apenas com a conformação do regime legal dos meios impugnatórios de decisões judiciais que, não implicando qualquer ofensa do núcleo fundamental das garantias de defesa do arguido, cai inteiramente no espaço conformativo do legislador, consubstanciando opção de política legislativa cuja sindicância não tem lugar em sede de fiscalização da constitucionalidade.

Em recurso da decisão sumária do Relator, o Tribunal Constitucional manteve a decisão do relator e concluiu:

“Não resultando, por conseguinte, da norma que determina a irrecorribilidade da decisão instrutória, que, ao determinar a pronúncia pelos factos constantes da acusação, decide questões prévias ou incidentais, a violação das garantias de defesa, nomeadamente da presunção de inocência e do direito ao recurso, a aplicabilidade imediata da lei nova que estabelece tal regime processual, correspondendo a uma legítima opção político-legislativa, não merece censura do ponto de vista constitucional.”.

A arguida recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

“Constitui objecto do recurso a interpretação dos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, e 310.º n.º 1, do Código de Processo Penal dada pela Vice-Presidente da Relação do Porto na referida reclamação – segundo a qual o regime de recursos da decisão instrutória previsto pela Lei nova é imediatamente aplicável, na medida em que esta norma não preclude o direito de defesa, limitando-se a introduzir uma “dilação” do direito ao recurso para o momento posterior à sentença, não ocorrendo, assim, um agravamento sensível e evitável da situação processual do arguido, nomeadamente na limitação do seu direito de defesa.

Este foi, com efeito, o critério decisório que norteou o despacho da Exma. Vice-Presidente da Relação do Porto que, em sede de reclamação, confirmou a não admissão do recurso tentado interpor do despacho instrutório que pronunciou a arguida pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.

Importa, assim, que o Tribunal Constitucional analise e se debruce sobre a interpretação efectuada das normas citadas de modo a aferir da sua incompatibilidade ou não com a Lei fundamental.

E, na sua modesta opinião, (da recorrente) o entendimento seguido na reclamação comporta um agravamento sensível da situação processual da arguida, nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, em termos de ferir a garantia constitucional do direito de defesa, no seguimento que a aplicação da Lei nova (art.º 310.º, n.º 1 do CPP) traduz uma limitação do seu direito de defesa, violando frontalmente os artigos 20.º, 29.º e 32.º, n.º 2 da CRP.”

Posteriormente, a recorrente...

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