Acórdão nº 4/03 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Janeiro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução07 de Janeiro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 4/2003

Processo nº 437/02

Plenário

Relator: Cons. Benjamim Rodrigues

A – O relatório

1. REQUERENTES E OBJECTO DO PROCESSO.

1.1. Um Grupo de 25 deputados do Partido Socialista requereu a declaração abstracta sucessiva de constitucionalidade das normas constantes dos artigos 4º, 7º e 9º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio (primeira alteração à Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro que aprova o Orçamento do Estado para 2002).

1.2 Estes preceitos são do seguinte teor:

Artigo 4º

Cláusula de estabilidade orçamental

1 – Sem prejuízo do disposto no art.º 2º da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, ficam cativos 387 431 054 euros das dotações inscritas no capítulo 50 do Orçamento do Estado em financiamento nacional, a repartir por ministério, mediante despacho do Ministro das Finanças.

2- A desactivação de verbas incluídas no montante referido no número anterior só poderá fazer-se por razões excepcionais, designadamente para fazer face ao pagamento de despesas dos anos anteriores, estando sempre sujeita à autorização do Governo, través do Ministro das Finanças, que decidirá os montantes a descativar em função da evolução da execução orçamental.

Artigo 7º

Endividamento municipal em 2002

1 – Por forma a garantir o cumprimento dos objectivos do Governo em matéria do défice público para o conjunto do sector público administrativo, no qual se integram as autarquias locais, deverão os municípios, excepcionalmente, observar as seguintes regras:

  1. Não poderão ser contraídos quaisquer empréstimos que impliquem o aumento do seu endividamento líquido no decurso do ano orçamental, a partir da entrada em vigor da presente lei;

  2. O disposto na alínea anterior aplica-se igualmente às empresas municipais;

  3. Ficam excepcionadas das alíneas anteriores os empréstimos destinados a programas de habitação social promovidos pelos municípios, à construção e reabilitação das infra-estruturas no âmbito do EURO 2004 e ao financiamento de projectos com comparticipação de fundos comunitários, devendo, no entanto, ser utilizados prioritariamente os recursos financeiros próprios para esse efeito.

    2 – Caso não seja cumprido o disposto no número anterior, poderá o Governo determinar a redução, em proporção do incumprimento verificado, das transferências a efectuar, nos termos da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, após audição do respectivo município.

    Artigo 9º

    Colocação de funcionários e agentes pertencentes a serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão ou reestrururação

    1- Fica o Governo autorizado a rever o Decreto-Lei n.º 353/99, de 13 de Dezembro, respeitante ao regime de colocação de funcionários e agentes pertencentes a serviços e organismos que sejam objecto de extinção, fusão ou reestruturação, no sentido de flexibilizar a reafectação de pessoal cuja colocação não seja directamente determinada pelos diplomas legais que procedam à extinção, fusão ou reestruturação desses serviços e organismos.

    2- Com esse objecto e sentido a legislação a adoptar pode estabelecer:

  4. A plena produção de efeitos das alterações orgânicas independentemente do desenvolvimento do processo de reafectação do pessoal;

  5. A possibilidade de os diplomas legais que extingam, fundam ou reestruturem serviços ou organismos definirem critérios de colocação de pessoal a transferir para os serviços que absorvam total ou parcialmente as atribuições e competências dos serviços abrangidos, com respeito pelos princípios da transparência, equidade e prevalência do interesse público;

  6. A criação, junto da secretaria geral de cada ministério de um quadro de supranumerários que integre o pessoal que não haja sido directamente colocado nos novos serviços;

  7. A definição de mecanismos e procedimentos tendentes à reafectação célere a outros serviços ou organismos do pessoal integrado nos quadros supranumerários;

  8. A definição de mecanismos de flexibilização dos regimes de reclassificação e reconversão profissional aplicáveis ao pessoal integrado nos serviços em processo de extinção, fusão ou reestruturação, tendo em vista assegurar o melhor aproveitamento do pessoal e alargar o espectro de saídas profissionais;

  9. O estabelecimento de mecanismos que permitam à Direcção-Geral da Administração Pública constituir-se como interlocutor na política activa de emprego, com base na mobilidade de pessoal;

  10. O regime de penalização aplicável aos serviços que recusem, injustificadamente, a colocação de pessoal nos quadros de supranumerários;

  11. A definição dos direitos e deveres do pessoal integrado nos quadros de supranumerários, designadamente a possibilidade de redução progressiva do vencimento de exercício, a graduar em função do período de inactividade, ou de passagem á situação de licença sem vencimento de longa duração, no caso de recusa injustificada da colocação oferecida;

  12. A possibilidade de opção por mecanismos excepcionais de descongestionamento voluntário a definir, aplicáveis ao pessoal integrado nos quadros supranumerários;

  13. A possibilidade de transferir dos orçamentos e serviços a extinguir, fundir ou reestruturar para as secretarias-gerais, e destas para os serviços onde os funcionários sejam colocados, as verbas afectas aos encargos com o pessoal a reafectar.

    1. FUNDAMENTOS DO PEDIDO

    Como fundamentos do seu pedido pretextaram o seguinte:

    1. O art.º 4º da Lei n.º 16º-A/2002, de 31 de Maio procede a uma cativação de 387 431 054 euros do Capítulo 50 do Orçamento do Estado, a repartir por Ministérios, mediante despacho do Ministro das Finanças. A fórmula usada afigura-se desconforme à Constituição, desde logo porque não é compatível com o disposto no n.º 1, alínea a) e no n.º 3 do art.º 105º da Lei Fundamental, os quais exigem discriminação e especificação das despesas e contraria o preceituado no art.º 105, n.º 4 da Constituição.

    2. O artigo 7º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio é merecedor de um juízo similar de inconstitucionalidade. O preceito do n.º 2 do art.º 7º da Lei que altera o Orçamento de Estado para 2002 determina que "caso não seja cumprido o disposto no número anterior, poderá o Governo determinar a redução, em proporção do incumprimento observado, das transferências a efectuar, nos termos da Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto (...).

    Apesar da deficiente técnica legislativa, a norma aprovada pela maioria parlamentar visa conceder ao Governo a possibilidade de usufruir, de imediato, em derrogação da Lei das finanças locais, do poder de sancionar autarquias locais que não cumpram o disposto no orçamento suplementar, aplicando critérios puramente político-administrativos na imposição concreta das sanções, fixados mediante acto administrativo, porventura sem caracter geral e abstracto. São, por esta forma, contrariados três princípios e normas constitucionais:

    a. o princípio da autonomia do poder local (art.º 6º, n.º 1 da CRP);

    b. as normas que estabelecem que o regime das finanças locais é matéria de reserva de lei [art.º 238º, n.º 2 e 165, n.º 1 alínea q)];

    c. e a norma do art.º 112º, n.º 6, que proíbe que qualquer lei possa conferir a actos de outra natureza, nomeadamente actos não legislativos, o poder de modificar, suspender ou revogar qualquer preceito legislativo.

    Saliente-se, ainda, que o estabelecimento de uma forma de tutela sancionatória, como a tentada neste artigo, contraria uma das decorrências do princípio da autonomia do poder local que resulta do art.º 242º da Constituição que afasta este tipo de tutela [cfr. neste sentido, por exemplo, Freitas do Amaral;Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2ª ed., 1994, pág. 706]

    3. O art.º 9º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio viola o art.º 53º da Constituição, o qual consagra o direito à segurança no emprego, enquanto um direito fundamental, da máxima dignidade. No contexto da Função Pública, esse direito tem uma configuração clara: os seus trabalhadores desfrutam de um vínculo vitalício, que não pode ser desfeito no quadro actual: Esta segurança máxima foi substituída na Lei n.º 16-A/ 2002, de 31 de Maio pela insegurança total para alguns trabalhadores. De facto, e de acordo com as alíneas do n.º 2 do art.º 9º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, esses trabalhadores não só podem ver-se abrangidos por esquemas de reafectação e de flexibilização dos mecanismos de reclassificação e de reconversão, como podem ver o seu vencimento reduzido. Além disso o art.º 9º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio prevê, inclusive, a possibilidade de alguns trabalhadores serem obrigados a passar à situação de licença sem vencimento de longa duração. Isso tem um significado claro: o trabalhador vê o seu vínculo com a administração supenso, por um período indeterminado e prolongado no tempo, não recebendo qualquer remuneração e não podendo progredir na carreira. O período de licença não conta, ainda, para efeitos de aposentação. Sem ser um despedimento formal, equivale em muitos dos efeitos a um despedimento tendo, aliás, a característica singular de não proporcionar ao trabalhador o acesso ao subsídio de desemprego, apesar de ser retirado ao trabalhador o direito á remuneração.

    O art.º 9º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, é ainda inconstitucional uma vez que, contendo uma autorização legislativa, não respeita o art.º 165º, n.º 2 da Constituição, por não definir com suficiente densidade o objecto, o sentido e a extensão dessa autorização. Viola-se, ainda, o direito de negociação e a participação dos trabalhadores, consagrado na Constituição [art.ºs 56º, n.º 2, al. a] e na Lei (n.º 23/98, de 26 de Maio)

    .

    1. AUDIÇÃO DO ÓRGÃO AUTOR DAS NORMAS

    Ouvido o Presidente da Assembleia da República sobre o pedido veio ao processo oferecer o merecimento dos autos e juntar ainda os Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em apreciação.

    2. MEMORANDO E DEBATE

    Elaborado o memorando a que alude o art.º 63º da Lei Orgânica de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional pelo presidente do Tribunal e entregue o mesmo a todos os juizes...

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