Acórdão nº 554/03 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução12 de Novembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 554/2003

Proc. n.º 96/01

  1. Secção

Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A ? O relatório

  1. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, dizendo-se inconformados com o acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 25 de Janeiro de 2001, que julgou procedente o recurso jurisdicional interposto pelo ora recorrido A., identificado nos autos, e revogou a sentença de 1ª instância, dele recorrem para este Tribunal Constitucional, pretendendo que este aprecie a constitucionalidade das normas do Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho.

  2. O recorrido interpôs recurso contencioso de anulação do despacho da Direcção de Serviços da Caixa Geral de Aposentações, de 6 de Janeiro de 1998, que, sob o fundamento de o mesmo haver dado entrada na Caixa fora do prazo estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 210/90, de 27 de Junho, lhe indeferiu o pedido da concessão de pensão de aposentação formulado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, alterado sucessivamente pelos Decretos-Leis n.os 23/80, de 29 de Fevereiro, 118/81, de 18 de Maio e 363/86, de 30 de Outubro.

    Como causa de pedir o recorrente alegou, em síntese, que o acto administrativo enfermava de violação de lei, dado que o referido Decreto-Lei n.º 210/90, ao estabelecer um limite temporal para o exercício do direito à atribuição da pensão de aposentação, fez discriminação em razão do território de origem e da nacionalidade do pretendente da pensão de aposentação, padecendo de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa (doravante designada apenas por CRP).

  3. Por sentença de 20 de Setembro de 1999, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa negou provimento ao recurso contencioso. Em fundamentação desta decisão escreveu-se aí:

    1. Objecto do presente recurso é a resolução da entidade recorrida de 6/1/98 que indeferiu o pedido do recorrente de concessão da pensão de aposentação, com o fundamento que ele havia sido formulado fora do prazo estabelecido pelo D.L. n.º 210/90.

    Entende o recorrente que tal resolução enferma de vício de violação de lei por falta de base legal, dado que o D.L. n.º 210/90 ao estabelecer um limite temporal para o exercício do direito à atribuição de pensão de aposentação fez discriminação em razão da nacionalidade, padecendo da inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP.

    [...]

    Como é jurisprudência uniforme, quer do STA, quer do T.C., o princípio da igualdade apenas impõe que se dê tratamento igual a situações substancialmente iguais, não proibindo a diferenciação de tratamento baseada na diversidade das situações reguladas; proíbe, sim, o arbítrio ? ou seja, as diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável segundo critérios objectivos ? e a discriminação ? isto é, as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas exemplificativamente no n.º 2 do art. 13º da CRP (cfr., v.g., Ac do STA de 29/4/93 in AD. 383º - 53, Ac do STA de 3/7/97 in AD 433º - 27, Ac do T.C. n.º 260/90, de 3/10, in BMJ 400º - 141 e Ac do T.C. n.º 450/91, de 3/12, in BMJ 412º -71).

    Com o D.L. nº 362/78 o legislador visou atribuir a qualidade de pensionista a ex-funcionários das províncias ultramarinas que haviam perdido a qualidade de nacionais (se assim não fosse poderiam ingressar no quadro geral de adidos e não se justificava este regime ? cfr. art. 17º, n.º 1, al. a), do D.L. n.º 294/76, de 24/4) em consequência da independência dos respectivos territórios coloniais. Entendeu-se, pois, que seria justo que os servidores da Administração Pública dos ex-territórios ultramarinos que haviam perdido a nacionalidade portuguesa e que, consequentemente, estavam impedidos de ingressarem no quadro geral de adidos ou de beneficiar do regime geral da aposentação pudessem excepcionalmente requerer a sua aposentação pelo seu passado tempo de serviço.

    São essencialmente desiguais as situações em que se encontram os funcionários e agentes das ex-províncias ultramarinas que conservaram ou que perderam a nacionalidade portuguesa. Na verdade, enquanto que aos que mantiveram a nacionalidade portuguesa a lei assegurou a sua integração no quadro geral de adidos (cfr. D.L. n.º 33/75, de 22/1 e 294/76, de 24/4), aos que a perderam (por força do D.L. n.º 308-A/75,de 24/6, perdiam-na, em princípio, os indivíduos nascidos ou domiciliados em território ultramarino tornado independente) foi dada a possibilidade de obterem uma pensão de aposentação com regime especial e excepcional, de modo a reparar as situações de desprotecção social derivadas da descolonização, bastando para este efeito que contassem 5 anos de serviço e tivessem efectuado os respectivos descontos.

    E a entender que os funcionários e agentes que haviam conservado a nacionalidade portuguesa também podiam obter a pensão de aposentação prevista no D.L. n.º 362/78, não requerendo o ingresso no quadro geral de adidos, parece-nos evidente que o D.L. nº 210/90 não deu um tratamento desigual a situações essencialmente iguais, dado que a possibilidade de apresentação de novos requerimentos cessou em relação a eles nos mesmos termos em que cessou em relação aos que haviam perdido tal nacionalidade.

    Assim, não se pode afirmar que do D.L. n.º 210/90 tenha resultado a invocada discriminação em razão da nacionalidade, visto que ele é aplicável a todos os funcionários e agentes da administração pública das ex-províncias ultramarinas que podiam requerer a pensão de aposentação ao abrigo do D.L. n.º 362/78, independentemente de terem conservado ou perdido a nacionalidade portuguesa.

    Quanto ao facto de os funcionários e agentes portugueses que não prestaram serviço nas ex-províncias ultramarinas não estarem sujeitos a um limite temporal para requererem as respectivas pensões de aposentação ao contrário do que passou a suceder com os que se encontravam na situação do recorrente, cremos que o estabelecimento desse limite temporal também nunca poderia violar o princípio da igualdade, por não se estar perante situações substancialmente iguais que exigissem um tratamento igual.

    Efectivamente, aqueles funcionários portugueses não foram abrangidos pelo regime excepcional estabelecido pelo D.L. n.º 362/78, estando sujeitos a condições mais exigentes quanto aos requisitos da idade e do tempo de serviço (cfr. art. 37º, do Estatuto da Aposentação) para que lhes seja concedida a pensão de aposentação.

    Portanto, porque do D.L. n.º 210/90 não resultou um regime discriminatório resultante de um tratamento desigual de situações substancialmente iguais, não se verifica a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.

    E, sendo assim, improcede o invocado vício de violação de lei

    .

  4. Inconformado com o decidido em 1.ª instância, A. recorreu para o Tribunal Central Administrativo, tendo, aí, obtido ganho de causa, com o fundamento de que o disposto no Decreto-Lei n.º 210/90 violava os princípios contidos nos art.os 13º e 63º, n.º 1 da CRP e, consequentemente, o acto contenciosamente recorrido padecia de violação de lei.

    Sobre o thema litis discreteou assim o acórdão recorrido:

    [...]

    O legislador elaborou o D.L. n.º 363/86, de 30/10, movido por razões de justiça e da igualdade, consagrando que a pensão de aposentação prevista no D.L. n.º 362/78 poderia ser requerida a todo o tempo não sendo possível concluir que se trata de uma ?medida de carácter temporário? (cfr. o preâmbulo do D.L. n.º 210/90).

    Com efeito, o direito à aposentação consagrado pelo D.L. n.º 362/78, e legislação complementar, para os ex-funcionários da Administração Ultramarina, que nessa altura eram cidadãos nacionais, constitui um regime jurídico de natureza excepcional, que visou atribuir uma protecção social ?a todos os que reunissem os requisitos legais para o efeito.?

    O art. 63º/4, da CRP, impõe que todo o tempo de trabalho releva para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, sendo igualmente certo que o princípio da igualdade referido no art. 13º da mesma constituição proíbe as ?desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional? (cfr. ac. do TC, no douto parecer do Digno M.º P.º).

    Da aplicação do disposto no DL n.º 210/90, de 27/6, resulta que os funcionários ali referidos ficam sujeitos na apreciação dos seus pedidos de aposentação a um limite temporal. Se houverem solicitado a pensão de aposentação após 1/11/90, como foi o caso do ora recorrente, o seu pedido será indeferido por extemporaneidade.

    Esta situação não é compaginável com os supra citados preceitos constitucionais, na medida em que a motivação constante do preâmbulo desse D.L. não só não é juridicamente correcta na análise das razões da existência do regime excepcional de aposentação para aqueles ex-funcionários, como não contém qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional que justifique a introdução desse limite temporal no nosso ordenamento jurídico.

    Com efeito, passa a fazer tábua rasa do tempo de serviço prestado no Estado, que não relevará para efeitos de protecção social na velhice ? se o pedido de aposentação não tiver sido formulado ?atempadamente? e discriminar os mesmos ex-funcionários, todos eles com direito à aaposentação, consoante o momento temporal em que foi formulado o pedido de aposentação à CGA.

    Violando, neste último aspecto, o princípio da igualdade ?enquanto estabelece uma discriminação inaceitável e sem fundamentação fáctica suficientemente demonstrada, entre os funcionários com direito à aposentação (...) que a requereram antes de 1/11/90 e os funcionários com esse direito mas que a requereram depois dessa data? (cfr. parecer do Digno MºPº).

    Em suma, o disposto no D.L. n.º 210/90 é violador dos princípios contidos nos art.os 13º e 63º/1 e 4 da CRP, pelo que inquinaria o acto recorrido...

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