Acórdão nº 420/00 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Outubro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução11 de Outubro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 420/00

Processo n.º 204/2000

Conselheiro Messias Bento

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. M... e J... interpõem o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Lisboa, de 28 de Outubro de 1999.

      Este aresto negou provimento ao recurso de apelação que os ora recorrentes tinham interposto da sentença que havia julgado improcedente a acção de despejo por eles proposta contra AG..., com fundamento na necessidade da casa, que lhe arrendaram, para nela estabelecerem a sua habitação, pois, sendo emigrantes, pretendem regressar a Portugal e não têm aqui casa própria ou arrendada.

      A acção foi julgada improcedente e a apelação não provida, em virtude de o arrendatário (dito AG...) ter mais de 65 anos de idade.

      Pretendem os recorrentes que este Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano, "na interpretação de que a limitação ao direito de denúncia para habitação do senhorio aí contemplada pode ser oposta mesmo ao senhorio de idade igual ou superior à do inquilino".

      Os RECORRENTES concluíram como segue a alegação que apresentaram neste Tribunal:

    2. Em caso de conflito de direitos à habitação, a lei faz prevalecer a necessidade habitacional do senhorio face à do inquilino, atribuindo-lhe o direito de denunciar o contrato de arrendamento para prover essas necessidades.

    3. Nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 107 do RAU, esse direito do senhorio tem como limite a circunstância de o inquilino ter mais de 65 anos de idade: visou a lei proteger, nesse caso, a parte normalmente mais fraca no contrato, em atenção à respectiva senioridade.

    4. Quando porém o senhorio denunciante tenha ele mesmo idade igual ou superior a 65 anos – e sobretudo se tiver idade superior à do inquilino – desaparece a razão de ser daquela limitação.

    5. O cerne do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição é o de assegurar tratamento igual a situações materialmente iguais e tratamento diferente a situações materialmente diferentes, em função e na medida dessa diferença.

    6. A interpretação sustentada nas instâncias – de que a limitação ao direito de denúncia para habitação do senhorio contemplada na norma da al. a) do nº 1 do art. 107º do Regime de Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro pode ser oposta mesmo a senhorio de idade igual ou superior à do inquilino – provoca um tratamento desigual em situações onde está ausente a diferença material que justificou a solução da lei.

    7. Com essa interpretação, a norma em causa é materialmente inconstitucional.

      Termos em que deve ser a mesma norma, na apontada interpretação, ser julgada inconstitucional [...].

      O RECORRIDO não alegou.

    8. Cumpre, então, decidir se a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro), na interpretação apontada, é ou não inconstitucional.

  2. Fundamentos:

    1. A norma sub iudicio.

      O contrato de arrendamento para habitação – único que aqui importa considerar – está sujeito ao princípio da renovação obrigatória e automática: "renova-se por períodos sucessivos, se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei" – dispunha o artigo 1054º, n.º 1, do Código Civil, revogado, entretanto, pelo artigo 3º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro; e, presentemente, o artigo 68º, n.º 2, do Regime do Arrendamento Urbano, dispõe: "a denúncia do contrato pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e pela forma nela estabelecida". Ou seja: o senhorio não pode denunciar o contrato de arrendamento ad nutum.

      Com a regra da renovação obrigatória e automática do contrato de arrendamento habitacional - que foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n.º 5.411, de 17 de Abril de 1919, mas que deixou de ser obrigatória para todos os contratos desse tipo, pois, nos termos dos artigos 98º a 100º do citado Regime, as partes podem convencionar que o contrato tenha duração limitada - o que se pretende é conferir estabilidade à posição do locatário: este, findo o prazo convencionado ou supletivamente fixado na lei, pode impor ao senhorio a renovação do contrato, unilateral e discricionariamente.

      O senhorio pode, no entanto, também pôr termo ao contrato por denúncia – para além de o poder fazer cessar por resolução ou caducidade (cf. o artigo 50º do Regime do Arrendamento Urbano).

      Um dos casos em que o contrato de arrendamento pode ser denunciado pelo senhorio é o de este ter necessidade da casa para sua habitação [cf. a alínea a) do n.º 1 do artigo 69º do referido Regime]

      O exercício do direito de denúncia do contrato para habitação do senhorio depende, porém, da verificação dos requisitos enumerados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 71º do referido Regime do Arrendamento Urbano [cf. sobre esses requisitos, os acórdãos nºs 151/92 e 174/92 (publicados no Diário da República...

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