Acórdão nº 127/98 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Ribeiro Mendes
Data da Resolução05 de Fevereiro de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 127/98

Proc. nº 316/96

  1. Secção

Rel: Cons. Ribeiro Mendes

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. P., casado, advogado, residente na Av.V.V., nº...,... andar .., em Lisboa, propôs em 15 de Maio de 1992 acção de despejo, com processo sumário, contra A., oficial do Exército, e sua mulher identificada como M., residentes na R.C. de B., lote ..., ... andar esquerdo, em O., Lisboa. Alegou que era comproprietário da fracção autónoma locada aos réus há mais de cinco anos e que tinha um filho maior que vivera como emigrante no Brasil durante 16 anos, tendo regressado a Portugal em meados de 1992 e passando a viver em casa dos pais. Com invocação do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 69º do Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.), formulou o pedido de denúncia do contrato de arrendamento, a fim de o filho em causa poder passar a residir no locado, tanto mais que este pretendia casar.

    O réu marido não pôde ser citado na acção, distribuída ao 17º Juízo Cível de Lisboa, por ter falecido antes da propositura da mesma (em 4 de Fevereiro de 1978). A viúva, com o nome de Am., veio a contestar a acção de despejo, suscitando desde logo a questão de inconstitucionalidade do art. 69º, nº 1, alínea a), do R.A.U., em virtude de a lei de autorização legislativa que habilitou o Governo a elaborar o Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro (diploma que aprovou o R.A.U.) não ter previsto tal inovação, antes constando do art. 2º da Lei nº 42/90, de 10 de Agosto, que o diploma autorizado devia obedecer, entre outras, à directriz de "preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário" (alínea c)). Sofreria, assim, o artigo em causa do R.A.U. de inconstitucionalidade orgânica por violação da alínea h) do nº 1 e do nº 2 do art. 168º da Constituição. Na mesma contestação, a ré suscitou as questões de ilegitimidade do A. por preterição de litisconsósio necessário e da sua própria ilegitimidade, em virtude de a acção não ter sido dirigida contra o seu segundo marido, J.. Defendeu-se ainda por impugnação.

    Houve resposta à contestação, vindo depois a ser requerida a intervenção principal nos autos do segundo marido da Ré, após o A. ter desistido da instância quanto ao falecido A.

    Veio a ser proferido despacho saneador e foram organizadas especificação e questionário (a fls. 61 a 63 dos autos). Após a decisão de reclamações, a ré e o marido interpuseram recurso do despacho saneador, o qual foi admitido por despacho de fls. 89. Nas respectivas alegações desenvolveram a questão de constitucionalidade por eles suscitada na contestação (a fls. 111 a 126 dos autos).

    Realizado o julgamento, veio a acção a ser julgada procedente e provada, tendo na sentença final o Juiz da causa considerado que não procedia a questão de constitucionalidade suscitada (a fls. 192 a 199 vº).

    Inconformados, interpuseram recurso de apelação os réus, tendo continuado a sustentar nas suas alegações a procedência da questão de constitucionalidade deduzida antes, além de outras questões atinentes à defesa apresentada.

    Através de acórdão proferido em 3 de Outubro de 1995, a Relação de Lisboa negou provimento aos recursos de agravo e de apelação interpostos pelos réus. Sobre a questão de constitucionalidade suscitada, pode ler-se nesse acórdão:

    " Com efeito, diz-se ali [na intervenção do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, na discussão parlamentar da proposta de lei de autorização legislativa] que não é chegada a altura de mexer, de forma profunda, nos contratos e na legislação referente aos contratos de arrendamento passados, o que significa, sem sombra de dúvida, que o Governo podia alterar, de forma não profunda, os contratos de arrendamento passados. Por sua vez, a interpretação, mesmo literal, da alínea b) do citado art. 2º [da Lei nº 42/90] levou-nos também a essa conclusão. Na verdade a simplificação dos regimes relativos à formação, às vicissitudes e à cessação do respectivo contrato, de modo a facilitar o funcionamento desse instituto, demonstra que o Governo pode legislar sobre o regime de arrendamento urbano e rural desde que não liberalize as denúncias desses contratos. Foi isso mesmo que se quis evitar com a expressão «preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário[»].

    Assim continuou o senhorio impossibilitado de rescindir o contrato de arrendamento a seu bel-prazer, ficando, pois, garantido o inquilino que o seu contrato de arrendamento se manteria em vigor e só poderia ser extinto por qualquer das causas previstas na Lei-R.A.U..

    Diga-se ainda que quer a Lei que autorizou o Governo a legislar, quer a que este publicou no exercício dessa autorização, não estabelece qualquer distinção entre arrendamentos pretéritos e arrendamentos actuais, como pretendem os agravantes, nem se compreendia que o fizesse.

    Com efeito, a inquilinos com direitos adquiridos, tinham que lhes ser respeitados, dado o disposto no artigo 12º do Cód. Civil.

    Foi isto que aconteceu com o disposto na alínea b) do art. 107º do R.A.U., em que se proíbe ao senhorio de denunciar o contrato se o arrendatário se mantiver no local arrendado há mais de 30 anos, nessa qualidade.

    O prazo anterior era de 20 anos e se o inquilino, à data da entrada em vigor do RAU, se mantinha no local arrendado há mais de 20 anos, já havia adquirido o direito a manter-se no arrendado e consequentemente o referido na alínea b) do art. 107º já não lhe era aplicável.

    Essa a razão pela qual dissemos que o Decreto-Lei RAU não faz qualquer referência a contratos passados ou actuais, mas apenas a contratos.

    Verifica-se, assim, que a directriz que impunha a preservação de regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário é compatível com a alteração do regime jurídico de cessação do contrato de arrendamento e consequentemente temos de concluir que não há a invocada inconstitucionalidade." (a fls. 266 vº a 267 vº)

    Inconformados com este acórdão, vieram os RR. recorrentes dele interpor recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, indicando como objecto do recurso a questão de (in)constitucionalidade do art. 69º, nº 1, alínea a), 2ª parte, da R.A.U., por o diploma autorizado ter excedido "a directriz contida na alínea c) do art. 2º da Lei nº 42/90", não se contendo "no «sentido e extensão» da autorização legislativa" (a fls. 272 dos autos).

    O recurso foi admitido por despacho de fls. 275, com efeito devolutivo.

  2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.

    Nas suas alegações, os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões:

    "a) A presente acção tem como fundamento a necessidade do prédio para habitação de um descendente em 1º grau do A., com referência ao artº 69º, nº 1, alínea a) do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro;

    1. O contrato de arrendamento para habitação cuja denúncia é pedida nesta acção é de 27 de Outubro de 1975, sendo portanto muito anterior à publicação do RAU em 1990;

    2. O Decreto-Lei nº 321-B/90, e o RAU por ele aprovado, foram publicados ao abrigo da autorização legislativa constante da Lei nº 42/90, de 10 de Agosto, cujo art. 2º, alínea c) determinava como limite «a preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário»;

    3. O art. 69º, nº 1, alínea a) do RAU veio facultar ao senhorio o direito de denunciar o contrato de arrendamento para habitação por necessidade da casa para...

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