Acórdão nº 127/12 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução07 de Março de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 127/2012

Processo n.º 842/10

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

    Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

    1. A., B. e C., intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ação administrativa especial contra o Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, pedindo que seja declarado ilegal o despacho do Secretário de Estado do Ordenamento do Território de 8 de janeiro de 2004 que indeferiu o pedido de reversão dos terrenos expropriados em 1949 para a construção do estádio das …, agora afetos a outros fins, devendo a final ser-lhes reconhecido o direito de reversão sobre os citados terrenos. Identificaram como contrainteressados o D., e as sociedades E. S.A., e EI, S.A.

      Por decisão de 26 de setembro de 2008, o referido tribunal julgou a ação improcedente; inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte – que, por acórdão de 1 de outubro de 2010, confirmou a sentença – e, depois, para o Supremo Tribunal Administrativo pedindo revista que não foi, aliás, admitida.

      No que aqui releva, diz o aresto proferido no Tribunal Central Administrativo Norte:

      “Acerca da constitucionalidade desta norma – art. 5.º, n.º 4, al. a) – já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, aliás, conforme foi decidido no acórdão recorrido, podendo ler-se no acórdão daquele nosso Alto Tribunal, de 2/6/2004, proc. n.º 046991, em dgsi.pt:

      “…o despacho contenciosamente impugnado, que indeferiu a pretensão dos recorrentes, baseou-se na cessação do direito de reversão por terem decorrido mais de 20 anos após a adjudicação do prédio expropriado, em conformidade com o disposto nas referidas normas, não sendo estas inconstitucionais.

      Estatui o art. 62.º da Constituição da República:

      “1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

    2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.

      Não obstante a Constituição garantir o direito à propriedade privada ela própria prevê a expropriação por utilidade pública com base na lei e mediante indemnização justa. A Constituição não considera, pois, o direito de propriedade um direito intocável ou absoluto. No seu art. 18.º, n.º 2, determina que as restrições aos direitos, liberdades e garantias se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos.

      As invocadas normas do Código das Expropriações de 1991 (art. 5.º, n.º 4, al. a) e n.º 6) e do Código das Expropriações de 1999 (art. 5, nº 4, al. a) e n.º 5) não contêm restrições desproporcionadas ao direito de propriedade, pois regulam antes o direito de reversão, consagrado a favor dos expropriados, pelo que os limites impostos a este não são limites diretamente impostos ao direito de propriedade. Tais limites são postulados pela segurança e certeza jurídica, e de forma alguma representam restrições exageradas ou desproporcionadas aos interesses dos expropriados. Ora, tendo a expropriação sido justificada por razões de interesse público, acompanhada de justa indemnização, o ato ablativo foi perfeitamente legal. A não afetação ao fim que determinou a expropriação permite ao expropriado – cfr. o citado art. 5.º do CE9J e do CE99 – reaver o bem desde que o exercício do respetivo direito tenha lugar no prazo e pelo modo previstos na lei, e não tenham decorrido 20 anos após a adjudicação do bem expropriado.

      O prazo de 20 anos para que a questão da caducidade da reversão deixe de operar é uma exigência da segurança e estabilidade das relações jurídicas, e de forma alguma viola o disposto no art. 62.º da Constituição, pois também o instituto da usucapião - art. 1287.º do Código Civil – não deixa de aparentemente ser injusto e violador do direito de propriedade e, no entanto, não se pode dizer que afronta aquele normativo constitucional. Tal como a prescrição.

      Ora, um dos princípios mais importantes do nosso ordenamento jurídico, por ser um dos que mais contribui para a paz jurídica e social, é o da estabilidade, como se salienta no acórdão deste Pleno de 1/10/2003, Proc. n.º 37 653, mas tal só é possível se se fixar um prazo a partir do qual a relação jurídica se torne certa e definida.

      Como se escreveu no sumário deste aresto, in www.dgsi.pt/jsta:

      “I - O Código das Expropriações de 1991 aplica -se aos pedidos de reversão feitos após a sua entrada em vigor, ainda que respeitantes a expropriações realizadas ao abrigo de anteriores diplomas legais.

      II - Nos termos da al. a) do n.º 4 do art. 5.º do CE/91 o direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação dos bens expropriados.

      III - A cessação de tal direito não configura um ataque ilegal e inconstitucional ao direito de propriedade desde que a expropriação tenha obedecido ao cânones legais e, designadamente, tenha sido paga a justa indemnização.”

      No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Pleno de 5 de junho de 2000, in Proc. nº30 226, ao decidir que o direito de reversão se extingue se não for exercido nos 20 anos subsequentes à adjudicação do prédio à entidade expropriante.”

      José Osvaldo Gomes define o direito de reversão, retrocesso eventual OU retroversão, “...como o poder legalmente conferido ao expropriado de readquirir o bem objeto de expropriação, em regra mediante a restituição ao beneficiário da expropriação ou à entidade expropriante da indemnização que lhe foi atribuída ou ouro valor, quando o bem não tenha sido aplicado aos fins indicados no ato de declaração de utilidade pública ou essa aplicação tenha cessado (é o caso dos autos).”, cfr. Expropriações por Utilidade Pública, pág. 397.

      Ou seja, logo que ocorra uma expropriação (nos termos legalmente estabelecidos, obviamente) nasce na esfera jurídica do expropriado o direito à reversão dos bens, caso estes não sejam aplicados ao fim a que se destinou a expropriação, art. 5.º, n.º 1, al. a) ou caso tenham cessado as finalidades da expropriação, art. 5.º, n.º 1, b).

      Trata-se, assim, de um direito que apesar de já pertencer à esfera jurídica do expropriado se encontra latente, à espera que ocorra alguma daquelas circunstâncias para poder ser exercido.

      Não ocorrendo qualquer uma daquelas circunstâncias, dentro do referido prazo de 20 anos, tal direito latente caduca, não podendo mais ser exercido.

      Ao contrário do defendido pelos recorrentes, tal direito de reversão não nasce só e apenas quando se verifique qualquer uma das circunstâncias de facto a que alude o art. 5.º, n.º 1, ele nasce com a própria expropriação, e tanto assim é que o mesmo pode ser exercido desde a data da expropriação até ao decurso do prazo de 20 anos, caso dentro desse prazo se verifique alguma das circunstâncias referidas neste artigo (não importa agora aqui tratar do prazo mais curto de 3 anos para o exercício de tal direito).

      E nesta medida, é que se pode compatibilizar tal entendimento com a garantia dos direitos que a Constituição reconhece ao expropriado, nomeadamente o direito à propriedade privada.

      Efetivamente durante aquele prazo alargado de 20 anos, quis o legislador, que, o expropriado, caso se verificassem as circunstâncias que definiu, pudesse reaver o bem, precisamente em defesa da garantia constitucional da propriedade privada, transformando esse direito de reversão na principal garantia do processo expropriativo, enquanto procedimento justo, enformado pelos princípios da justiça e da proporcionalidade, com vista ao respeito pelos direitos e interesses do expropriado que suporta um custo em benefício da comunidade.

      E, afigura-se-nos, que as mesmas razões devem justificar que, após o decurso daquele prazo, tal direito não possa mais ser exercido.

      Na verdade, apesar de os recorrentes com isso não concordarem, não há razão para que o beneficiário da expropriação não possa, findo aquele prazo, ter o bem como efetivamente seu, de pleno, sem ter a preocupação de não o afetar a fim diferente, público ou privado, o que pode mesmo ser determinado por razões inerentes à própria evolução das cidades e da vida moderna, como foi o caso.

      Assim, as razões de segurança e estabilidade, a que se refere o acórdão citado, devem, decorridos que sejam estes 20 anos, prevalecer sobre os direitos que eram reconhecidos ao expropriado, sem que com isso, se possa concluir existir qualquer violação dos normativos Constitucionais citados.

      Por tudo o exposto, acordam os juízes que compõem este TCA Norte, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida”.

    3. É deste acórdão que vem interposto pelos autores A., B. e C. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (LTC), para apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 5º n.º 4 alínea a) do Código das Expropriações com o sentido de que o decurso do prazo de 20 anos sobre a data da adjudicação do bem expropriado faz extinguir/caducar o direito de reversão, mesmo nas situações em que o bem expropriado tenha estado adstrito ao fim de utilidade pública que fundamentou a sua expropriação para além desses 20 anos (o que impediu a formação/exercício desse direito nesse prazo) e tenha depois sido afeto a um projeto imobiliário privado vendido no mercado (edifícios destinados a habitação e serviços), norma que violaria o «direito fundamental de propriedade privada», bem como «os princípios do Estado de Direito, da proporcionalidade, da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, da justiça e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, tutelados, entre outros, nos artigos 2º, 13º, 62º e 266º da Constituição.»

    4. O recurso foi admitido e os recorrentes alegaram, concluindo:

      “1.ª A norma jurídica cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada e que foi efetivamente aplicada na Decisão recorrida é a que...

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