Acórdão nº 221/11 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução03 de Maio de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 221/2011

Processo n.º 228/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I Relatório

  1. Por sentença proferida em 26 de Outubro de 2009 no Tribunal do Trabalho de Setúbal, foi decidido julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 3 do artigo 12.º da Lei n.º7/2009 de 12 de Fevereiro (que aprovou a revisão do Código do Trabalho), na redacção conferida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18 de Março de 2009 e, em consequência, não aplicar as normas do artigo 273º n.º 1 alíneas a), b), j) e n) em conjugação com o artigo 671.º do Código do Trabalho, na redacção da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto. Diz a decisão:

    A questão que cumpre elucidar e decidir previamente, neste recurso prende-se com a inconstitucionalidade do procedimento contraordenacional, atenta também a inconstitucionalidade da norma vertida na al. e) do nº 3 do artigo 12°, na versão constante da Declaração de Rectificação nº 21/2009 de 18 de Março de 2009.

    Nos presentes autos estava em causa a prática pelas recorridas em comparticipação, de uma contra-ordenação pela violação do disposto nos artigos 273.°, n.º 1, e 671.°, nº 1, ambos do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.

    No referido artigo 273.°, n.º 1, dispunha-se que “o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho”. E o artigo 671.º, n.º 1, estatuía que “constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no artigo 273.°, na alínea b) do nº 1 do artigo 274.° e nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 275.°”.

    O primeiro dos citados preceitos consagrava um dever do empregador nas relações laborais, enquanto o segundo tipificava como contra-ordenação muito grave a violação desse dever.

    O artigo 12.°, n.º 1, a), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, revogou a referida Lei n.º 99/2003, tendo, contudo, o n.º 3, do mesmo artigo, excepcionado que “a revogação dos preceitos a seguir referidos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, produz efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que regular a mesma matéria: a) Artigos 272.° a 312.°, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, acidentes de trabalho e doenças profissionais, na parte não referida na actual redacção do Código”.

    No dia 18 de Março de 2009 foi publicada a Declaração de Rectificação nº 21/2009, na qual se declarou que a Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho, publicada no Diário da República, 1ª Série, n.º 30, de 12 de Fevereiro de 2009, havia saído com inexactidões que importava rectificar. Assim, e em conformidade com esta declaração de rectificação, e ao que aqui nos interessa, “na alínea a) do n.º 3 do artigo 12.°, “Norma revogatória”, onde se lê: “a) Artigos 272.° a 312.°, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, acidentes de trabalho e doenças profissionais, na parte não referida na actual redacção do Código;”deve ler-se: “a) Artigos 272.° a 280.° e 671.°, sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, na parte não referida na actual redacção do Código...”.

    Nos termos da Lei nº 74/98, de 11 de Novembro (sobre a publicação, a identificação e formulário de diplomas), dispõe o artigo 5.°, o seguinte:

    “1 - As rectificações são admissíveis exclusivamente para correcção de lapsos gramaticais, ortográficos, de cálculo ou de natureza análoga ou para correcção de erros materiais provenientes de divergências entre o texto original e o texto de qualquer diploma publicado na 1.ª série do Diário da República e são feitas mediante declaração do órgão que aprovou o texto original, publicada na mesma série.

    2 - As declarações de rectificação devem ser publicadas até 60 dias após a publicação do texto rectificando.

    3 - A não observância do prazo previsto no número anterior determina a nulidade do acto de rectificação.

    4 - As declarações de rectificação reportam os efeitos à data da entrada em vigor do texto rectificado.”

    Se a redacção original da Lei n.º 7/2009 revogava imediatamente a tipificação, como contra-ordenação, da inobservância pelo empregador do dever de assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, constante do Código do Trabalho de 2003, a redacção resultante da rectificação operada com a Declaração n.º 21/2009 diferia essa revogação para momento posterior (quando entrasse em vigor o novo diploma que iria reger essa matéria), mantendo entretanto vigente a punição, como contra-ordenação, da violação daquele dever do empregador.

    Conforme resulta do debate parlamentar que antecedeu a aprovação da referida Declaração (vide a acta n.º 84/X148, da Comissão Parlamentar de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, acessível em www.parlamento.pt), a mesma visou colmatar um esquecimento do legislador da lei rectificada e não corrigir qualquer lapso material de redacção ou erro na publicação, pelo se traduziu no preenchimento duma lacuna legislativa involuntária, visando manter a tipificação duma determinada conduta como contra-ordenação após essa tipificação ter sido eliminada por lapso legislativo.

    Na verdade, considerando os efeitos retroactivos das Declarações de Rectificação (artigo 5.°, n.º 4, da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro), verificamos que, no presente caso, a rectificação da redacção da alínea a), do n.º 3, do artigo 12.°, da Lei n.º 7/2009, resulta na manutenção em vigor, sem qualquer hiato, da tipificação como contra-ordenação constante do artigo 671.°, n.º 1, do Código de Trabalho de 2003, das condutas previstas no seu artigo 273.°, n.º 1, apesar da revogação genérica deste diploma efectuada pelo artigo 12.°, n.º 1, a), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

    Exposta a questão de fundo nestes termos, impõe-se decidir tendo como pano de fundo a decisão do Tribunal Constitucional vertida no Acórdão n.º 490/2009

    (…)

    Da análise do acórdão supra mencionado retira-se que vigora em matéria contra-ordenacional, tal como em matéria penal, no domínio da sucessão de leis, a regra da imposição da aplicação da lei mais favorável (artigo 3.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82), em obediência a uma ideia de desnecessidade de intervenção destes instrumentos sancionatórios, o acto legislativo de descontra-ordenação compromete o Estado perante os cidadãos, no sentido de que já não serão sancionados os respectivos comportamentos, mesmo que praticados em data em que tal punição se encontrava prevista na lei.

    E este compromisso não pode ser quebrado, apesar do Estado verificar que se equivocou ao abandonar o sancionamento como contraordenação daquelas condutas, em defesa da fiabilidade da actividade de um Estado de direito democrático.

    Ora, da redacção rectificada da alínea a), do n.º 3, do artigo 12.°, da Lei n.º 7/2009, resulta a manutenção em vigor, sem qualquer hiato, da tipificação como contra-ordenação constante do artigo 671.°, n.º 1, do Código de Trabalho de 2003, das condutas previstas no seu artigo 273.°, n.º 1, retirando, assim, qualquer efeito à descontra-ordenação operada pela redacção primitiva do referido artigo 12.°, n.º 1 a) e n.º 3, a), o que viola o principio da segurança jurídica, inerente ao modelo de Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.°, da C.R.P.

    O Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da segurança jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.°, da C.R.P., da norma constante da alínea a), do n.º 3, do artigo 12.°, do Código do Trabalho, na redacção conferida pela Declaração de Rectificação n.º 2112009, de 18 de Março de 2009, posição que sufragamos por inteiro.

    Decisão:

    Em face do que acima ficou escrito, o Tribunal entende ser inconstitucional, por violação do princípio da segurança jurídica (está, portanto, em causa, uma inconstitucionalidade em sentido material) a norma da alínea e) do n.º3 do art. 12.º, na versão introduzida pela Declaração de Rectificação n.º 21/2009 de 18.03 e, em consequência, decide não aplicar ao caso concreto as normas do art. 273.º, n.º 1 als. a), b), j) e n) em conjugação com o art. 671.º do C.T. na redacção da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto

    .

  2. É desta decisão que o Ministério Público interpõe recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC). Recebido o recurso, o Ministério Público alegou e concluiu:

    1. A Lei nº 74/98, com as alterações...

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