Acórdão nº 225/11 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução03 de Maio de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 225/2011

Processo n.º 662/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A. intentou em 2 de Abril de 2004 acção de investigação da paternidade contra B. e mulher, C., peticionando o estabelecimento do vínculo jurídico de paternidade jurídica entre a autora e D.. A acção foi julgada procedente na 1ª instância. Inconformados, os réus recorreram para a Relação de Coimbra, que julgou procedente o recurso e declarou extinto o direito de instaurar a acção de investigação da paternidade, por ter caducado nos termos do artigo 19º do DL n.º 47.344/66 de 25 de Novembro. Inconformada, a autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu da seguinte forma:

    «Relativamente à caducidade do direito da acção, a decisão da Relação foi no sentido de acolher a posição defendida pelos recorrentes, já que, quando a autora nasceu, em 1945, vigorava na ordem jurídica portuguesa o art. 37.º do Dec. N.º 2, de 25 de Dezembro de 1910, com a seguinte redacção:

    A acção de investigação de paternidade ou maternidade ilegítima só pode ser intentada em vida do pretenso pai ou mãe ou dentro do ano posterior à sua morte, salvo as seguintes excepções:…

    .

    Todavia, com a publicação do actual Código Civil e sua entrada em vigor, em 1967, este regime foi alterado e a acção de investigação da paternidade passou a só poder ser instaurada durante a menoridade do filho e nos «dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação» - arts. 1873º e 18170 do Código Civil.

    Porém, quando o novo Código Civil entrou em vigor, em 1 de Junho de 1967, o art. 19º do DL. nº 47344/66, de 25 de Novembro, norma transitória, veio dispor, quanto às acções de investigação de maternidade ou paternidade ilegítima, o seguinte:

    O facto de se ter esgotado o período a que se refere o nº 1 do artigo 1854º não impede que as acções de investigação de maternidade ou paternidade ilegítima sejam propostas até 31 de Maio de 1968, desde que não tenha caducado antes, em face da legislação anterior, o direito de as propor

    .

    O nº 1 do art. 1854º referido nesta norma transitória pertencia à primeira versão do Código Civil de 1967, cuja redacção era a seguinte:

    A acção de investigação de maternidade ou paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua emancipação ou maioridade

    .

    Este conteúdo normativo passou, mais tarde, a integrar o n.º 1 do art. 1817º deste Código, agora declarado inconstitucional com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, publicado no Diário da República, I Série, nº 28, de 08-02-2006, pág. 1026.

    Aplicando estes normativos, tendo a autora nascido em 2 de Novembro de 1945, teria atingido normalmente a maioridade aos 21 anos, isto é, em 2 de Novembro de 1966.

    Porém, como a autora casou em 20 de Outubro de 1962, com 16 anos feitos, adquiriu, devido ao casamento, o estatuto de maior antes de ter completado os 21 anos, por força do disposto no nº 1 do art. 304º, conjugado com o art. 305º, ambos do Código Civil de 1867, onde se estabelecia que o menor se podia emancipar pelo casamento e que a emancipação habilitava «o menor a reger a sua pessoa e bens, como se fosse maior».

    No entanto, o art. 306º do mesmo código determinava que a emancipação por casamento só produziria os seus efeitos legais «...tendo o varão dezoito anos completos, e a mulher dezasseis, e tendo sido o casamento completamente autorizado».

    Verifica-se, face a estas normas, que a autora atingiu, efectivamente, a maioridade, na data em que casou, isto é, em 20 de Outubro de 1962, pois já tinha, então, completado os 16 anos de idade.

    Face ao disposto no mencionado artigo 19º do DL. 11º 47344/66, de 25 de Novembro, a autora dispôs, à época, de prazo para instaurar a acção de investigação da paternidade até 31 de Maio de 1968.

    Assim, o direito da autora, quanto ao exercício do direito de acção, relativo à investigação da sua paternidade, a que aludia a norma do nº 1 do art. 1854º do Código Civil, na sua versão original, mais tarde transposta para o nº 1 do art. 1817º do mesmo código, extinguiu-se, por caducidade, em 31 de Maio de 1968, sendo certo que a declaração de inconstitucionalidade do citado art. 1817º, nº 1, do C.Civil, a que atrás se aludiu, nenhuns efeitos tem sobre o caso ajuizado, certo que, não obstante o disposto no nº 1 do art. 282º da CRP, a norma que limitou, temporalmente, a possibilidade de a autora investigar a paternidade não foi a do citado nº 1 do art. 1817º, aplicada por força do art. 1873º, também do C.Civil, mas a norma constante do art. 19º do DL. nº 47344/66, de 25 de Novembro. De resto, mesmo que aplicasse ao caso o art. 1817º, nº 1, do C.Civil, os efeitos da declaração da sua inconstitucionalidade não retroagiriam a situações temporalmente anteriores ao início da vigência das normas constitucionais que fundamentaram a declaração de inconstitucionalidade (a CRP entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976).

    Por outro lado, não subsistem outras vias susceptíveis de desencadear a investigação de paternidade não abrangidas por aquela caducidade, designadamente a estabelecida pelo nº 4 do art. 1854º do C.Civil, então em vigor, e que se manteve até ao presente, a única que cabia apreciar, tendo em conta a factualidade alegada na petição, pois que, após a alteração da decisão sobre a matéria de facto, concluiu a Relação que a autora não foi tratada pelo D. como filha, ou seja, não se provando actos do pretenso pai capazes de preencher o conceito de «tratamento» previsto no nº 4 do art. 1817 e, antes, no art. 1854º, ambos do C.Civil, e não se verificando também qualquer outra das hipóteses contempladas nos 2 e 3 do art. 1817º, o prazo para a propositura da acção esgotou-se em 31 de Maio de 1968.

    (…)

    Cremos que a tese defendida pela recorrente só poderia ter sucesso se não houvesse qualquer limite, nomeadamente temporal, ao exercício do direito de instaurar a acção de investigação de paternidade.

    É verdade que já defendemos essa posição no Acórdão proferido no recurso nº 1124/05.3TBLGS.S1, tendo, porém, o Tribunal Constitucional, em Acórdão de 19 de Outubro de 2009, que incidiu sobre o mesmo, decidido não julgar inconstitucional a norma do art. 1842º, nº 1, al. a), do C.Civil, na medida em que limita a possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, sendo certo que outras decisões do mesmo Tribunal apontam no mesmo sentido.

    Refere-se, nomeadamente, nesse aresto:

    Como tem sido entendido, o direito à identidade pessoal, tal como está consagrado no artigo 26º, nº 1, da Constituição, abrange, não apenas o direito ao nome, mas também o direito à historicidade pessoal, enquanto conhecimento da identidade dos progenitores, e poderá fundamentar, por si um direito à investigação da paternidade e da maternidade (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, vol. 1, Coimbra, pág. 462). Num outro registo, a identidade pessoal, sendo o que caracteriza cada pessoa enquanto unidade individualizada que se diferencia de todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal, inclui também o direito à identidade genética própria e, por isso, ao conhecimento dos vínculos de filiação, no ponto em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo factor genético (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, págs. 204-205).

    Como se afirmou no acórdão nº 456/03, já mencionado, «Tal direito inclui no seu conteúdo essencial a possibilidade de qualquer pessoa tomar conhecimento da sua ascendência, nomeadamente, da sua filiação natural. Nessa medida, a lei consagra os mecanismos judiciais que visam efectivar o exercício de tal direito, permitindo a investigação da filiação (maternidade, paternidade), de modo a que todos os indivíduos tenham a possibilidade de identificar os seus progenitores para, entre outros fins, ser estabelecido o vínculo de filiação jurídica com base no vínculo biológico».

    A revisão constitucional de 1997 passou também a consagrar constitucionalmente, no mesmo preceito, o direito ao desenvolvimento da personalidade. Este assegura uma tutela mais abrangente da personalidade, que inclui duas diferentes dimensões: (a) um direito à formação livre da personalidade, que envolve a liberdade de acção de acordo com o projecto de vida e capacidades pessoais próprias; (b) a protecção da integridade da pessoa em vista à garantia da esfera jurídico-pessoal no processo de desenvolvimento. Neste plano, o desenvolvimento da personalidade comporta uma liberdade de autoconformação da identidade, da integridade e da conduta do indivíduo, e nele se pode incluir, além de muitos outros elementos, um direito ao conhecimento da paternidade e da maternidade biológica (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 463-464).

    Como vimos, a lei prevê a prescritibilidade da acção de investigação de paternidade tal como da acção de impugnação de paternidade. As razões que terão estado na definição desse regime jurídico prendem-se, como se anotou, com o inconveniente da manutenção de uma situação prolongada de insegurança e o perigo de enfraquecimento das provas com a passagem do tempo, a que acresce, no que toca especialmente à impugnação da paternidade do marido, um outro motivo relacionado com a necessidade de proteger a unidade familiar.

    Como se concluiu no aresto há pouco citado, como decorrência do direito fundamental à identidade pessoal, a consagração de limites ao exercício do direito a ver reconhecida a filiação natural não poderá inutilizar esse direito. Isto é, independentemente de ser ou não constitucionalmente criticável a possibilidade de consagração de limites, nomeadamente temporais, ao exercício do direito de instaurar a acção de investigação de paternidade, não é já, seguramente, admissível a...

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