Acórdão nº 228/08 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução21 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 228/2008

Processo n.º 384/2007

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

(Conselheira Maria Lúcia Amaral)

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. A Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22 de Fevereiro de 2007, que negou provimento ao recurso pela mesma interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 15 de Maio de 2006, que julgara procedente a acção administrativa especial contra a mesma deduzida pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e, consequentemente, a condenara nos seguintes termos:

    “A ré deverá apreciar o pedido de aposentação remetido em 12 de Janeiro de 200 de acordo com o disposto no DL n° 116/85 de 19 de Abril, aceitando e apreciando o pedido de aposentação antecipada do funcionário A., considerando que o requisito de inexistência de prejuízo para o serviço se encontra preenchido, procedendo à contagem do tempo de serviço do funcionário, aplicando-lhe ainda o disposto nos artigos 22° e 23° do DL n° 297/2000 de 15 de Abril, conjugado com o preceituado na Portaria n° 395/2000 de 15 de Abril, e no caso de este reunir os 36 anos de serviço efectivo à data de 31 de Dezembro de 2003, a ré deverá proferir, no prazo de 30 dias a contar da notificação da presente decisão, o despacho a que se refere o n° 7 do artigo 3° do DL 119/85 de 19 de Abril, com efeitos imediatos, e comunicando esse facto aos serviços de origem.”

    Para assim decidir o acórdão recorrido entendeu dever “concluir-se pela inconstitucionalidade material das normas vertidas no nº 6 do art. 01.º e do art. 02.º da Lei n.° 01/04 quando entendidas no sentido, como faz agora a CGA nos presentes autos, de que não é aplicável o regime do DL nº 116/85 aos processos que se iniciaram antes de 31/12/2003 pelo simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do dispostos nos arts. 02.º e 266.º da CRP (princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito). Nessa medida, será de atender ao regime decorrente do DL nº 116/85 tanto para mais que na devolução efectuada pela CGA no procedimento administrativo, já na vigência da Lei nº 01/04, aquela nem sequer invocou o novo regime legal do que se poderia inferir a sua consonância com o enquadramento legal a atender e aplicar”.

  2. Nas suas alegações de recurso, a recorrente concluiu do seguinte modo:

    1. Os artigos l.°, n.° 6, e 2.°, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro, por conterem normas de efeitos retroactivos, não são inconstitucionais, já que não atingem, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 116/85, de 14 de Abril.

    2. O artigo 3.°, n.° 3, da CRP, dispõe que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos definidos no artigo 29.°, n.° l a 4, da mesma lei.

    3. O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.° da CRP), assento na Constituição e, daí, que o preceito do artigo 12.° do Código Civil não se impõe ao legislador.

    4. Assim, as disposições do artigo 12.° do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.° 110, página 272).

    5. Por outro lado, o atraso na publicação da lei não invalida a produção dos seus efeitos, já que a sua vigência não depende do seu conhecimento efectivo, embora a sua eficácia dependa da sua publicação, tanto mais que a sua aprovação foi amplamente noticiada na comunicação social e vivamente contestada pelos sindicatos.

    6. Nesta conformidade, face aos fundamentos acima expostos, a CGA entende que deverá ser declarado que os artigos 1.°, n.° 6, e 2.°, da Lei n.° 1/2004, de 15 de Janeiro, não são, em qualquer circunstância, inconstitucionais, nem, tão pouco, violam quaisquer dos princípios que emanam dos artigos 2.° e 266.° da CRP.

  3. O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

    A)

  4. Investido da legitimidade decorrente de ter levantado a questão na petição inicial (art° 17°) e alegações por escrito (art° 10°) na acção administrativa especial, nas contra-alegações (conclusões d) a j)) e resposta nos termos do art° 146°, nº 2 do CPTA e por ter sido parte vencedora no mui douto Acórdão do TCAN, por força da inconstitucionalidade à qual também adere, o Recorrido imputa às mesmas normas outra inconstitucionalidade a acrescer à verificada no Acórdão recorrido.

  5. Refere o art° 2° da Lei n° 1/2004, de 15/1: «...A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004...», coisa diferente de estatuir “A presente lei produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2004”.

  6. Não há nenhuma disposição neste diploma concernente à produção de efeitos da norma reportando-os a momento anterior ou posterior a esta data.

  7. Podendo-se, assim, inferir que o início da produção de efeitos dos normativos do diploma será concomitante à entrada em vigor, incluindo-se naqueles, naturalmente, os do nº 6 do art° 1°.

  8. A Lei n° 74/98 dispõe sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas e no seu art° lº, nº 1, estabelece que: «...A eficácia jurídica dos actos a que se refere a presente lei depende da publicação...», estatuindo no art° 2°, n° 1, que: «...Os actos legislativos e outros actos de conteúdo genérico entram em vigor no dia neles fixado não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação...».

  9. É uma lei que tem como destinatários os actos legislativos e que por estes deve ser respeitada.

  10. O nº 3, do art° 112°, da Constituição da República Portuguesa, estatui que têm valor reforçado além das leis orgânicas, as leis que careçam de aprovação por maioria de 2/3, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas.

  11. Por força do disposto no art° 2° e 3°, nº 2, da Constituição da República Portuguesa a Lei nº 1/2004 estava obrigada a respeitar e cumprir os ditames da Lei n° 74/98.

  12. Pela simples razão de que o povo não espera dos órgãos de soberania que se vinculem a regras que posteriormente não cumpram.

  13. Consequentemente, o art° 2° e 1º, n° 6 da Lei n° 1/2004 são também inconstitucionais por violação do nº 3 do art° 112° da Constituição da República Portuguesa.

    B)

  14. O Recorrido faz suas as asserções do mui douto Acórdão do TCAN aqui em causa, designadamente o douto entendimento segundo o qual o próprio art° 43°, n° 1, do Estatuto da Aposentação pode violar o princípio da confiança no sentido em que, na pendência do processo, podem ocorrer alterações radicais e onerosas de regime que destruam sólidas e legítimas expectativas existentes à data do pedido de aposentação.

  15. A partir da altura em que os subscritores abrangidos pelo âmbito de aplicação do DL n° 116/85, atingiram os 36 anos criaram uma forte expectativa na sua aposentação segundo o diploma, expectativa essa reforçada a partir do momento em que tinham conhecimento de não ser imprescindíveis ao serviço. No caso, o certo é que o pedido e o despacho liberando o subscritor são anteriores à publicação da lei.

  16. E não é o facto de a lei ter estado inserida no debate político-social recente, sobre as dificuldades orçamentais da Segurança Social ou de ter sido precedida do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 360/2003, de 8/7, que proferiu decisão formal, que eximia o legislador de observar as regras e os princípios da certeza e segurança jurídicas.

  17. Parenteticamente, quanto a este Acórdão do Tribunal Constitucional, sem querer entrar em discussão sobre a importância das questões formais pelo mesmo sopesadas, as quais salvaguardam importantes direitos, designadamente, de participação, diga-se que teve o efeito de encorajar muitos subscritores com 36 anos a avançarem com pedidos de aposentação uma vez que viram subtraída à ordem jurídica uma lei que lhes impunha um regime bem mais oneroso de aposentação antecipada.

  18. O que está, sim, em causa é o processo legislativo sujeito a regras ditadas pela certeza e segurança jurídicas cuja violação acarreta a dos princípios como os de boa-fé e da protecção da confiança, de forma a evitar que uma lei que ainda não veio juridicamente à luz do dia, se repercuta na esfera de direitos e interesses dos seus destinatários.

  19. Pouco relevando a maior ou menor informação política e social destes quanto ao que poderá ser ou não ser consagrado em lei. O que releva é que a Ordem Constitucional impõe a certeza e segurança jurídica.

  20. Os art°s 1º nº 6 e 2° da Lei n° 1/2004, de 15/1 violam também o art° 2° e 266° da CRP.

    C)

  21. Em suma, aos art°s 1º, nº 6 e 2° da Lei n° 2/2004, de 15/1 são imputáveis as inconstitucionalidades decorrentes da violação dos art°s 2°, 112°, n° 3 e 266° da CRP.

    II - Fundamentos

  22. São submetidas à apreciação do Tribunal Constitucional, através do presente recurso de constitucionalidade, as normas constantes do n.º 6 do artigo 1.º e do artigo 2.º da Lei nº 1/2204. É o seguinte, o teor dos referidos preceitos:

    “Artigo 1º

    Caixa Geral de Aposentações

    (….)

    6 – O disposto nos números anteriores não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão de aposentação, incluindo aqueles...

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