Acórdão nº 79/13 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução31 de Janeiro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 79/2013

Processo n.º 790/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

Relatório

  1. O Ministério Público interpôs, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (adiante referida como “LTC”), recurso de constitucionalidade do despacho proferido pela Juiz do Tribunal do Trabalho de Setúbal que, deferindo o requerimento apresentado pelo Ministério Público, em representação do trabalhador sinistrado, de remição parcial de pensão anual vitalícia, determinou a atualização da mesma pensão e a sua remição parcial, recusando para o efeito, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação do disposto no artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, e no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na parte em que impedem a atualização de pensões por incapacidades inferiores a 30%, mas não remíveis por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, e, bem assim, a aplicação do disposto no artigo 75.º, n.º 2, proémio, da citada Lei n.º 98/2009, na parte em que impede a remição parcial de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, não remível por ser superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira. Nas suas alegações, o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões:

    1. A norma do artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), ponto i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na parte em que impede a atualização de pensões por incapacidades inferiores a 30%, mas não remíveis nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da mesma Lei, por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, é inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.

    2. Não decorre da Constituição nem da Jurisprudência do Tribunal Constitucional que as pensões anuais vitalícias de pequeno montante, devidas por acidente de trabalho, e que correspondam a grau de incapacidade pouco grave, não possam ser obrigatoriamente remidas.

    3. A norma do n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, condiciona a obrigatoriedade de remição à verificação cumulativa de dois requisitos: a incapacidade parcial permanente ser inferior a 30%; o valor da pensão anual não ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal.

    4. Gozando o legislador ordinário de ampla liberdade na concretização daqueles dois requisitos e não nos parecendo que os mesmos consagrem soluções desrazoáveis, aquela norma, vista isoladamente, não nos merece censura constitucional.

    5. Na situação dos autos, a incapacidade foi fixada em 16,70%, portanto muito abaixo dos 30%, apenas não sendo possível a remição por o valor da pensão ultrapassar o limite estabelecido no n.º 1 do artigo 75.º e não ser possível a remição parcial porque a incapacidade é inferior a 30% (artigo 75º, nº 2)

    6. Se a pensão não for atualizável – seja em resultado da interpretação da lei ordinária, seja com consequência da não inconstitucionalidade da norma que o impossibilita -, porque inferior a 30% (artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009), impedir a remição, ainda que parcial, neste caso, significa a sua degradação progressiva, com a consequente violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição).

    7. Assim, não sendo o valor da pensão atualizável, a norma do artigo 75.º, n.º 2, da Lei nº 98/2009, na parte em que impede a remição parcial da pensão anual vitalícia, correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas não remível por ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira, é inconstitucional por violação dos artigos 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.

    O despacho recorrido foi precedido da homologação da conciliação em que foi atribuída ao sinistrado de acidente de trabalho A. uma pensão anual vitalícia no valor de € 3 473,10 para uma incapacidade permanente parcial de 16,70%, e, bem assim de requerimento de remição parcial da pensão, à qual a seguradora não se opôs. Sobre as dúvidas referentes às duas questões de inconstitucionalidade foram chamados a pronunciar-se o sinistrado e a Companhia de Seguros B., S.A., e também, uma vez que a eventual imposição de atualização da pensão envolve uma obrigação de reembolso, o Fundo de Acidentes de Trabalho.

    Em resposta, a seguradora reiterou a sua posição de não oposição à remição, “não obstante os limites e condicionalismos impostos pelo n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro”. Já o Fundo de Acidentes de Trabalho veio dizer o seguinte:

    Nos termos da subalínea i), alínea c), do Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) compete o reembolso às empresas de seguros dos montantes relativos às atualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, bem como às atualizações da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, derivadas de acidentes de trabalho ou de acidentes em serviço.

    Assim, e atendendo a que a pensão em apreço resulta de uma IPP [incapacidade permanente parcial] inferior a 30% - se bem que de valor superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta e como tal não obrigatoriamente remível (artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro) -, o FAT não tem competência legal para reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos às atualizações desta pensão.

  2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:

    A pensão fixada ao sinistrado A. resulta de uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, mas porque é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta, está sujeita aos seguintes condicionalismos:

    1 .º não é remível – art. 75.º n.º 1, in fine, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho, ou LAT/2009):

    2.º não é sequer parcialmente remível, por não resultar de IPP igual ou superior a 30% – art. 75.º n.º 2, proémio, da LAT/2009:

    3 .º e também não é atualizável anualmente, conforme a média do crescimento real do PIB e a variação média anual do índice de preços no consumidor – pois o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) apenas se responsabiliza pela atualização do valor das pensões devidas por IPP igual ou superior a 30% ou por morte, nos termos do art. 82.º n.º 2 da LAT/2009 e do art. 1 .º n.º 1 al. c), ponto i), do DL 142/99, de 30 de Abril, que criou aquele Fundo.

    Ora, sucede que foi publicada a Portaria 122/2012, de 3 de Maio, procedendo à atualização anual das pensões de acidentes de trabalho, por aplicação da percentagem de aumento de 3,6%, com efeitos a partir de 01.01.2012. Logo, não fora a proibição de atualização supra referida, a pensão fixada ao sinistrado, de € 3.473,10, com início a partir de 31.05.2011, teria sido atualizada para € 3.598,13, com efeitos a partir de 01.01.2012.

    Ocorre ainda que o sinistrado pediu a remição parcial da sua pensão, no passado dia 11.04.2012.

    No entanto, pensamos que as regras supra expostas ofendem os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação às vítimas de acidente de trabalho, consignados nos arts. 13.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 59.º n.º 1 al. f) da Constituição.

    Vejamos os fundamentos do nosso raciocínio.

    * * *

    NO QUE CONCERNE À PROIBIÇÃO DE ATUALIZAÇÃO:

    O primeiro diploma que previu a atualização de pensões por acidente de trabalho, de acordo com a inflação, foi o DL 668/75, de 24 de Novembro, mas desde logo estipulando que não estavam sujeitas a atualização as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30% (respetivo art. 2.º).

    No entanto, era preciso ter em conta que, nos termos do art. 64.º n.ºs 1 e 2 do Decreto 360/71, de 21 de Agosto, eram remíveis todas as pensões devidas por incapacidades não superiores a 10%, bem como as superiores a 10% e inferiores a 20%, desde que estivessem reunidos determinados pressupostos.

    Neste quadro legal, colocava-se o problema da desvalorização efetiva das pensões por incapacidades situadas entre 20% e 30%, que não só não eram remíveis, como nem sequer eram atualizáveis de acordo com a inflação ou a evolução do índice de preços ao consumidor.

    Ciente deste grave problema, Vítor Ribeiro, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1994, a págs. 143, fazia o seguinte comentário: «Sendo certo, como já se viu, que só são atualizáveis as pensões por incapacidade igual ou superior a 30%, e que, por outro lado, as pensões correspondentes a incapacidades superiores a 20% não são passíveis de remição, um número considerável de pensões por acidentes de trabalho encontra-se irremediavelmente congelado no seu valor nominal, com a progressiva degradação do seu valor real em consequência da inflação. Esta é, seguramente, uma das maiores iniquidades do sistema vigente» - sublinhado da nossa responsabilidade.

    Com a publicação da Lei 100/97, de 13 de Setembro, e do respetivo regulamento (contido no DL 143/99, de 3o de Abril), o problema deixou de se colocar, pois passaram a ser obrigatoriamente remíveis todas as pensões devidas a sinistrados em acidentes de trabalho, por incapacidade inferior a 30%, independentemente do valor da pensão anual – art. 56.º n.º 1 al. b) do DL 143/99.

    Logo, se é certo que a Lei 100/97 previa apenas a atualização de pensões por incapacidade igual ou superior a 30% (respetivo art. 39.º n.º 2), o problema da...

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