Acórdão nº 309/10 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Maria L
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 309/2010

Processo n.º 182/2010

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso com fundamento no facto de a interpretação dada aos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos), “[…] no sentido de sujeitar à Lada a actividade privada de empresas públicas sob forma privada”, não integrar a “ratio decidendi” da decisão recorrida, na medida em que se considerou estar aí em causa justamente uma actividade administrativa e não uma actividade privada.

    Entendeu, além disso, a decisão sumária reclamada não se poder considerar ter sido suscitada, de modo processualmente adequado, qualquer outra questão de constitucionalidade normativa relacionada com os artigos 3.º e 4.º daquele diploma.

  2. Notificada dessa decisão, A., S.A. veio reclamar para a conferência, com os seguintes fundamentos:

  3. Decidiu o Tribunal Constitucional, na decisão reclamada, que não se encontram reunidos os pressupostos processuais para o conhecimento do recurso interposto pela ora reclamante. Subjacente a essa decisão está, por um lado, o entendimento de que a “única questão de constitucionalidade que se pode considerar ter sido suscitada de modo processualmente adequado” não pode ser conhecida no presente recurso “por a aplicação da mesma não integrar a ratio decidendi nem da decisão do TCAS nem da decisão do STA que confirma esta última” e, por outro lado, a consideração de que as restantes questões de constitucionalidade não foram suscitadas “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de, como dispõe o n.° 2 do artigo 72.° da LTC, este estar obrigado a dela conhecer”.

  4. A reclamante não pode conformar-se com o sentido da decisão sumária proferida, a qual assenta numa visão excessivamente formalista do processo, que a reclamante reputa inaceitável.

  5. Em causa está uma intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões apresentada por um jornalista do jornal “B.”, Recorrido nos presentes autos, na qual o jornalista requereu o acesso ao contrato que a reclamante celebrou com a C. relativo à transmissão de jogos de futebol da Liga …das épocas de 2008/2009 e 2009/2010, pedido esse que foi deferido pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e, posteriormente, veio a ter acolhimento jurisdicional.

  6. Nos sucessivos recursos interpostos, a ora reclamante considerou que a interpretação feita pelo tribunais a quo dos artigos 3.° e 4.° da Lei de Acesso aos Tribunais Administrativos (LADA) é constitucionalmente inaceitável em face do (i) princípio do arquivo aberto, (ii) do princípio da igualdade, (iii) do direito de livre iniciativa económica e (iv) do princípio da concorrência.

  7. Esta posição da reclamante assenta no entendimento de que o princípio do arquivo aberto, conjugado com o princípio da igualdade e com o direito fundamental de livre iniciativa económica, bem como com o princípio da concorrência, não autoriza a interpretação que tem sido sustentada na jurisprudência anterior, segundo a qual os artigos 3.° e 4.° da LADA permitem, sempre e em qualquer circunstância, perante actividade de natureza concorrencial ou não concorrencial, o acesso ilimitado aos documentos detidos por empresas públicas e concessionárias de serviço público.

  8. Dito de outro modo, as instâncias anteriores aplicaram a norma segundo a qual as empresas públicas e concessionárias de serviço público estão obrigadas a permitir o acesso a qualquer documentação de que disponham, mesmo que essa documentação diga respeito a actividade que esteja a ser prosseguida em âmbito concorrencial com outras entidades privadas, que não se encontram sujeitas aos mesmos deveres de disponibilização de informação. E este entendimento, que se extrai das decisões recorridas, ofende o princípio do arquivo aberto, conjugado com os princípios da igualdade e da concorrência e o direito fundamental de livre iniciativa económica, na sua configuração constitucional.

  9. A A. sempre sublinhou que tal leitura, inequivocamente normativa, é constitucionalmente insustentável.

  10. Não estando em causa, nesta sede, a demonstração da razão que assiste à reclamante no recurso interposto, serve apenas esta introdução para contextualizar o âmbito da presente reclamação.

  11. A discordância que a ora reclamante assume relativamente à decisão sumária proferida centra-se apenas na decisão proferida relativamente a uma das duas questões de constitucionalidade. Como se referiu, a decisão sumária recusa conhecer o objecto do recurso interposto por considerar que uma das questões de constitucionalidade não é a ratio decidendi da decisão recorrida e, quanto à outra questão, por entender que a mesma não foi suscitada de modo processualmente adequado. Pese embora a relevância concedida pelas instâncias ao âmbito objectivo da LADA não passar, como a reclamante reiteradamente afirmou nas anteriores alegações de recurso, de uma mera aparência, que uma leitura materialmente sustentada da decisão recorrida não permitiria afirmar, a reclamante apenas dirige a presente reclamação à parte da decisão reclamada que considera que “a alegada ofensa ao princípio da igualdade (artigo 13.°), do direito à livre iniciativa económica (artigo 61.°), do princípio da concorrência (artigo 81.° e 99.°) e do princípio do arquivo aberto (artigos 268.°, n.° 2) (...) não foi suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de, como dispõe o n.° 2 do artigo 72.° da LTC, este estar obrigado a dela conhecer”. Pelas razões que se evidenciam, a reclamante não se conforma com esta decisão.

  12. Para a análise do pressuposto processual em causa – o da suscitação prévia, de modo processualmente adequado, da questão de constitucionalidade –, a decisão sumária recorre, por um lado, a jurisprudência anterior desse Tribunal e, por outro lado, às conclusões das alegações apresentadas pela aqui reclamante ao Supremo Tribunal Administrativo, concluindo que “(...) em lugar algum se indica, através da formulação de uma regra abstractamente enunciada e com vocação para uma aplicação potencialmente genérica, autonomizável da pura actividade subsuntiva determinada por circunstâncias específicas do caso concreto, e portanto, passível de controlo jurídico-constitucional, qual a norma do caso”.

  13. Se, por um lado, se compreende o princípio subjacente à posição que vem sendo assumida pela jurisprudência desse Tribunal no que toca à exigência de suscitação processualmente adequada da inconstitucionalidade normativa em sede de fiscalização concreta, já não se aceita, em contrapartida, que tal posição seja extremada ao ponto de traduzir a aplicação exclusiva e formal das regras do processo.

  14. E, com o devido respeito, é precisamente a uma tal aplicação formalista que procede a decisão ora reclamada no momento em que considera que a questão da constitucionalidade relevante no presente recurso jurisdicional – que assenta na consideração de que a interpretação dos artigos 3.° e 4.° da LADA no sentido de permitir o acesso a documentos comerciais de empresas públicas e concessionárias de serviço público, produzidos em ambiente de concorrência, configura uma violação do princípio da igualdade, do direito à livre iniciativa económica, do princípio da concorrência e do princípio do arquivo aberto – não foi suscitada de modo processualmente adequado.

  15. Retenha-se, desde já, que não está aqui em causa qualquer das questões abundantemente tratadas...

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