Acórdão nº 195/10 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução12 de Maio de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 195/2010

Processo n.º 279/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, foram interpostos dois recursos de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

    No primeiro, é recorrente o Ministério Público e recorrido A., e, no segundo, é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, ambos para apreciação da mesma questão, assim enunciada:

    apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982 (na versão original) correspondente à norma do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), após a revisão de 1995 (operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março), interpretada em termos de a pendência de recurso para o Tribunal Constitucional constituir causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, prevista no segmento normativo «sentença a proferir por tribunal não penal».

  2. Dos autos emergem os seguintes elementos, relevantes para a presente decisão:

    - A. foi, por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, condenado pela prática de um crime de participação económica em negócio, na pena de 12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e em 65 dias de multa, no montante total de €1.040.

    - No decurso do processo, o arguido interpôs dois recursos para o Tribunal Constitucional (excluindo o presente recurso), em 3.5.2002 e 31.3.2005, tendo, em consequência, os autos estado pendentes de decisão neste Tribunal.

    - Ainda inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença condenatória para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando, designadamente a prescrição do procedimento criminal.

    - Por acórdão de 23.4.2008, o Tribunal da Relação de Coimbra, declarou extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido A., pelo decurso do prazo de prescrição previsto no artigo 117.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal vigente à data da prática dos factos. A fundamentação deste acórdão assentou, além do mais, na consideração de que o Tribunal Constitucional não pode ser considerado um “tribunal não penal” para efeitos do artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1992 (120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na versão de 1995). E que a ser assim «e porque entre o período que transcorreu entre 12 de Janeiro de 1998 e 12 de Janeiro de 2008 – período de dez (10) anos exigidos pela lei para que opere a prescrição do tipo de crime pelo qual o arguido se encontra acusado – não ocorreu qualquer período de suspensão, haver-se-á de ter por prescrito o crime pelo qual ao arguido foi condenado».

    - Deste acórdão foi interposto, pelo magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, invocando-se, além do mais, que a decisão da Relação era contrária ao acórdão do STJ de 21.03.2001 (acórdão fundamento), no que respeita à questão de saber se o Tribunal Constitucional deve ser considerado “tribunal não penal” para efeitos da suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, prevista no citado preceito do Código Penal.

    - O recurso para uniformização de jurisprudência foi decidido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2009, que, com 6 votos de vencido, fixou jurisprudência no seguinte sentido:

    A pendência de recurso para o Tribunal Constitucional constitui causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista no segmento normativo “dependência de sentença a proferir por tribunal não penal”, da alínea a) do n.º 1 do artigo 119.º do Código Penal de 1982, versão original, ou da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal de 1982, revisão de 1995

    .

    - É deste acórdão que vêem interpostos os presentes recursos.

  3. Após convite ao aperfeiçoamento do requerimento de recurso do recorrente particular, foram as partes convidadas a alegar em ambos os recursos.

  4. No recurso interposto pelo Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Constitucional apresentou alegações onde conclui o seguinte:

    1) o Acórdão, em apreciação, do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Março de 2009, que veio fixar jurisprudência relativamente ao art. 120 nº 1 alínea a) do Código Penal (revisão de 1995), assenta numa visão orgânica sobre a natureza do Tribunal Constitucional, parcelar e redutora;

    2) o Acórdão recorrido qualificou indevidamente a natureza do Tribunal Constitucional e, consequentemente, interpretou, igualmente de forma indevida, a qualidade funcional e processual em que o mesmo Tribunal intervém nos processos de recurso que lhe são submetidas pelas diversas jurisdições nacionais;

    3) não importa, tanto, com efeito, a análise organizacional sobre a posição do TC, relativamente aos tribunais da organização judiciária, mas sim a posição funcional e processual, do mesmo TC, na decisão das questões que lhe são submetidas para apreciação (cfr., a este propósito, infra, conclusões nºs 9 e segs.);

    4) o procedimento criminal traduz a afirmação instrumental do jus puniendi do Estado, definindo as condições de início e de desencadeamento da acção penal, enquanto modo de realização, afirmação e concretização do direito penal;

    5) o processo, esse, constitui instrumentalmente a forma e o espaço de tornar efectivo o procedimento; o processo penal é, formalmente, o espaço de garantia para a efectivação do procedimento criminal, segundo regras predeterminadas, formuladas no respeito por princípios estruturantes – como as garantias de defesa -, incluindo, por isso, no seu âmbito, a matéria do recurso;

    6) num sistema como o português, a fiscalização concreta e difusa da constitucionalidade é desconcentrada e pertence, desde logo, a todos os tribunais (nessa medida, todos os juízes são, potencialmente, juízes constitucionais);

    7) não pode, nessa medida, o juiz nacional eximir-se a não decidir em matéria de inconstitucionalidade, designadamente deferindo a apreciação da questão a outro tribunal – tem de decidir e, quando o faz, age com competência própria, autónoma, primária e inalienável;

    8) fá-lo, no entanto, no próprio processo em que a questão de constitucionalidade é suscitada, ou seja, um tribunal penal, por exemplo, aprecia essa questão no processo penal em curso;

    9) muito embora não seja um tribunal judicial penal, em termos de organização da hierarquia dos tribunais judiciais, o Tribunal Constitucional integra-se no conjunto dos tribunais nacionais, exercendo, em conjunto com eles, a função jurisdicional;

    10) o TC intervém como instância de recurso das decisões de outros tribunais, sendo sempre necessária, por isso, a intermediação de um outro tribunal; para o efeito, o TC intervém no quadro de um concreto recurso de constitucionalidade e age no âmbito do próprio processo em que o recurso é suscitado;

    11) com efeito, nos casos de fiscalização concreta, a questão de constitucionalidade apresenta-se como uma questão incidental da questão principal (por exemplo de natureza criminal), não se autonomizando desta; permanece, nessa medida, delimitada pelo caso concreto em que surgiu, pelo que os efeitos das decisões do TC são limitados, compreensivelmente, ao caso concreto, apenas neste fazendo caso julgado;

    12) o recurso para o Tribunal Constitucional, ao ter lugar no quadro da instância processual penal, carece de ser apreciado sob o ângulo das garantias de defesa em processo penal, previstas no art. 32º nº 1 da Constituição;

    13) ao decidir um recurso de constitucionalidade num processo criminal, em que não há autonomia entre a questão criminal subjacente e a questão de constitucionalidade suscitada, o TC age, para todos os efeitos, como um tribunal criminal;

    14) o recurso de decisões judiciais, para o Tribunal Constitucional, não deve constituir, pois, causa de suspensão de prescrição do procedimento criminal, ao abrigo do segundo segmento normativo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CP, uma vez que a decisão do TC não deve ser considerada, para este efeito, como uma sentença proferida “por tribunal não penal”;

    15) por esse motivo, o Acórdão recorrido do STJ, de 12 de Março de 2009, ao interpretar, da forma como o fez, o disposto na alínea a) do nº 1 do art. 120 do Código Penal de 1982 (revisão de 1995) - disposição essa relativa às causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal -, ampliou inovatoriamente a tipologia das causas de suspensão nela previstas;

    16) afigura-se materialmente inconstitucional, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e das garantias de defesa, a interpretação normativa que – sem qualquer limite temporal – amplie os prazos de prescrição do procedimento criminal, como consequência de os mesmos se suspenderem enquanto estiverem pendentes, perante o Tribunal Constitucional, recursos de constitucionalidade;

    17) abre-se, com efeito, por esta via, a possibilidade de suspensão da prescrição do procedimento criminal por tempo ilimitado, com a consequente ampliação eventual do prazo máximo de prescrição do procedimento criminal, previsto no art. 121 nº 3 do Código Penal (revisão de 1995)

    18) afigura-se, igualmente, como materialmente inconstitucional, por violação do art. 280 da Constituição, a interpretação da norma constante do art. 120 nº 1 alínea a) do Código Penal (revisão de 1995) no sentido de integrar, na sua previsão, o recurso para o Tribunal Constitucional;

    19) com efeito, o segundo segmento normativo do referida disposição (“sentença a proferir por tribunal não penal”) - bem como o terceiro (“devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal”), aliás -, parece inculcar a ideia de que se está perante uma questão prejudicial, o que é, conceptualmente, incompatível com a ideia de recurso, prevista no referido art. 280 da Constituição;

    20) muito embora o Tribunal Constitucional nunca...

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