Acórdão nº 177/10 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução05 de Maio de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 177/2010

Processo n.º 742/09

Plenário

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que é recorrente o Município de Guimarães e recorrido A., S.A., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal, proferida a fls. 122 e s., na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica (artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), das normas do artigo 2.º do Regulamento de Taxas e Licenças e do artigo 31.º da Tabela de Taxas do Município de Guimarães, quando interpretadas no sentido de incidirem sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada, na medida em que concretizam a criação de verdadeiros impostos.

  2. O presente recurso emerge de impugnação judicial da liquidação de “taxa de publicidade” no montante de 177,13 euros, proposta por A., S.A. contra o Município de Guimarães.

    A “taxa” em causa foi cobrada pela renovação de uma licença de afixação de um reclamo luminoso com os dizeres “…”, afixado num prédio particular.

    A decisão sob recurso, louvando-se, além do mais, no Acórdão n.º 92/2002 do Tribunal Constitucional, considerou que a “taxa de publicidade”, consagrada nas normas em causa, reveste a natureza de verdadeiro imposto, quando interpretada no sentido de incidir sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada, e, como tal, essas normas, assim interpretadas, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.

  3. O recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:

    1ª) A taxa de licença para propaganda ou publicidade é, como o próprio nome indica, uma taxa por se tratar de uma prestação que se tem de pagar à Câmara Municipal como retribuição pela licença que esta lhe concede para afixar ou manter afixada uma mensagem publicitária visível da via pública.

    2ª) O imposto é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado ou por outra pessoa de direito público com vista à realização dos fins públicos.

    3ª) Em defesa da tranquilidade pública, do sossego público, dos bons costumes, da segurança e, inclusive, da estética urbana compete ao Município regular a utilização, nas vias e logradouros públicos e, de um modo geral, nos lugares franqueados ao público ou visíveis da via pública, dos meios de propaganda ou publicidade, quando consistirem na emissão de sons ou ruídos, na instalação de mostruários ou na afixação de letreiros, painéis ou cartazes.

    4ª) Em face do exposto tem de considerar-se que a taxa de publicidade não é um imposto, mas sim uma taxa.

    5ª) Não é necessária a utilização de bens de dominialidade pública, semi-pública ou colectiva, para que as receitas obtidas pela remoção de um obstáculo à actividade dos particulares se possa qualificar como “taxa”.

    6ª) A afixação ou inscrição de publicidade e propaganda comercial, quer seja instalada em suporte físico de pertença pública ou quer seja de pertença particular, carece de licenciamento pelo município da área dessa instalação, não distinguindo a lei, para este efeito, se tais mensagens se encontram afixadas ou inscritas em propriedade pública ou em propriedade particular, parecendo ter eleito um critério de fim ou funcional, tendo em vista a salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental na área desse município.

    7ª) Dúvidas não restam, assim, que tal actividade de afixação de publicidade por particulares, quer em meios móveis ou imóveis, é relativamente proibida, consistindo o sinalagma na actividade de verificação das condições indispensáveis à remoção do limite jurídico a essa actividade pelo Município, e parecendo não exigir a lei a necessidade cumulativa de utilização de um bem público ou semi-público.

    8ª) O Município exerce um poder de polícia sobre o uso de tais instrumentos de difusão, por cujo exercício poderá cobrar a respectiva taxa.

    9ª) Tratando-se, como se trata, de um tributo decorrente da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, que é relativamente proibida - licença - é de a qualificar como taxa, ainda que os bens sobre que são instalados esses meios sejam privados que não públicos ou semi-públicos, por a lei o não exigir.

    10ª) Tem se entendido que tem a natureza de taxa a (contrapartida) exigida pelo Município pela autorização de fixação de publicidade ou inscrição, em telhados e terraços dos edifícios privados, aplicada essencialmente para ser visível dos espaços públicos, porquanto representa a utilização individual concreta do espaço aéreo que é um bem público e do bem público “ambiente” que é modelado e salvaguardado essencialmente pelos municípios pela sua intervenção na área do urbanismo, do sossego, tranquilidade e saúde públicas, quer o direito de construir seja visto como uma autorização ou como faculdade co-natural do direito de propriedade.

    11ª) In casu sucede isto mesmo porquanto o reclamo luminoso com os dizeres “…”, com a área de 11 m², destina-se, como é evidente, essencialmente, a ser visível dos espaços públicos.

    12ª) Aliás, este sentido mais amplo de taxa, sem a necessidade da exigência cumulativa de utilização de um bem público ou semi-público tem consagração legal na Lei Geral Tributária (LGT), no seu art.° 4.º n.° 2, que refere que “As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”.

    13ª) Ou seja, sem distinguir se tal remoção pode incidir em bens que não sejam do domínio público ou semi-público, parecendo que também aos privados abrangerá, por os não limitar àqueles, o que só poderá significar que tal utilização de um bem do domínio público ou semi-público, não é caracterizador da figura da «taxa», antes sobre os bens privados também poderá incidir, perspectivada conceitualmente numa vertente funcional, que como acima se viu, parece ter sido o critério eleito pelo legislador ordinário no âmbito do seu poder de conformação.

    l4ª) Assim, é de concluir que as quantias cobradas pelo Município de Guimarães, como contrapartida pela renovação da licença de afixação de painéis publicitários em edifícios privados, constitui uma verdadeira taxa e que, por isso, o Regulamento referido em f) dos factos provados não viola qualquer normativo constitucional.

    15ª) A decisão recorrida violou, entre outras, a norma do artigo 4.º n° 2 da Lei Geral Tributária.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação da sentença recorrida e a respectiva substituição por outra que julgue as normas do artigo 2° do Regulamento de Taxas e Licenças e do artigo 31° da Tabela de Taxas do Município de Guimarães conformes aos princípios constitucionais e, assim, julgue improcedente a impugnação, mantendo a liquidação da taxa de publicidade impugnada,

    Isto para que uma vez mais se faça

    JUSTIÇA!

  4. A recorrida não contra-alegou.

  5. Por decisão do Presidente do Tribunal Constitucional, tomada com a prévia concordância deste Tribunal, foi determinado que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário, nos termos do artigo 79.º-A da LTC.

    II - Fundamentação

  6. O artigo 2.º do “Regulamento de Taxas e Licenças Municipais”, da Câmara Municipal de Guimarães para o ano de 2007 (aprovado por deliberação da Câmara de 9.11.2006 e sancionado pela Assembleia Municipal, em sessão de 24.11.2006), tem o seguinte teor:

    Artigo 2.º

    Objecto

    1.O presente Regulamento e Tabela anexa aplicam-se a todas as actividades dependentes de licenciamento ou autorização, pela prestação de serviços e por compensações devidas pelos particulares pelo exercício de actividades do seu interesse, e quando se não encontrem abrangidas por regulamento específico.

    2. A Tabela anexa não inclui as taxas a cobrar pelo licenciamento de obras particulares e loteamentos e a taxa municipal de urbanização, que são objecto de Regulamento próprio.

    O artigo 31.º da “Tabela de Taxas” anexa ao citado Regulamento estabelece o seguinte:

    Artigo 31.º

    1. Anúncios luminosos – por metro quadrado ou fracção e por ano €15,83 e)

    2. Frisos luminosos, quando sejam complementares dos anúncios e não entrem na medição, por metro linear ou fracção e por ano €6,38 e)

    e) Não sujeito a IVA

    No presente recurso está em causa a apreciação da constitucionalidade destas normas – concretamente do n.º 1 do artigo 2.º do “Regulamento de Taxas e Licenças Municipais” e do artigo 31.º da “Tabela de Taxas” a ele anexa – quando interpretadas no sentido de a taxa aí prevista incidir sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada.

    É determinante para o sentido da decisão a qualificação da prestação coactivamente imposta por regulamento municipal aos particulares interessados na colocação de painéis publicitários: sendo manifesta a inobservância de exigências constitucionais em matéria de impostos, a inconstitucionalidade orgânica que daí alegadamente resulta só não se verifica se ao tributo em causa não couber tal designação.

    As notas básicas do conceito de “taxa”, por contraposição às de “imposto”, encontram-se bem consolidadas, na doutrina e na jurisprudência. Aponta-se ao primeiro o carácter de bilateralidade, ao passo que a configuração do segundo se traduz pela unilateralidade. Com tais menções, pretende-se assinalar a diferenciada estrutura da relação obrigacional estabelecida com o ente público credor: a taxa tem como causa uma contraprestação específica a favor do sujeito a quem ela é exigida, enquanto que o imposto não está conexionado com uma actividade determinada, a cargo da entidade que o fixa, de que seja concretamente destinatário o...

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