Acórdão nº 305/10 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelCons. V
Data da Resolução14 de Julho de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 305/2010

Processo n.º 962/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Por decisão do Tribunal de Instrução Criminal, a requerimento do Ministério Público, foram efectuadas buscas nas instalações de “A., R.L.”, no âmbito do inquérito n.º 56/06.2TELSB, a correr termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), visando a “apreensão de documentação, objectos e demais elementos, incluindo suporte informático, relacionados com as actividades delituosas, susceptíveis de integrarem os crimes de corrupção, previsto e punido pelos artigos 372.º e 374.º, e de participação em negócio, previsto e punido pelo artigo 377.º, com referência ao estatuído no artigo 386.º-A, todos do Código Penal”. O mandado determinava que, nas buscas às instalações das Sociedade, ficariam abrangidos “todos os escritórios e gabinetes nela existentes, que foram ocupados e/ou utilizados por advogados que tenham ou tivessem tido a seu cargo o acompanhamento do processo relativo ao contrato de aquisição de dois submarinos, celebrado entre o Estado Português e o GSC, e respectivos contratos de financiamento e de contrapartidas, designadamente os Srs. Advogados [ali] referidos”.

    No início da diligência, o legal representante da Sociedade apresentou reclamação, ao abrigo do artigo 72.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), “para garantia da preservação do segredo profissional”, a qual foi admitida pela juíza que presidia ao acto, que, em consequência, sobrestou na diligência e determinou que “todas as pastas e restante documentação respeitante ao contrato identificado no despacho de autorização de buscas, independentemente do suporte material em que se encontrem, sejam identificadas, acondicionadas ou copiadas (caso se trate de informação em suporte digital) e seguidamente sejam selados, de imediato, sem serem previamente lidos ou examinados, excepto na parte respeitante à sua rotulagem, e sejam apresentados no Tribunal Central de Instrução Criminal, com vista à posterior apresentação ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, decorrido o prazo para apresentação da fundamentação” (cfr. auto de busca certificado a fls.142-153).

    Em 8 de Outubro de 2009, “ A., R.L.”, B., C.., D. e E., apresentaram a fundamentação da reclamação, que consta de fls. 2 a 26 dos presentes autos, “pedindo que o Presidente da Relação proceda à desselagem, dos elementos apreendidos, na presença dos requerentes, com reserva de segredo, não remetendo ao Juiz de Instrução toda aquela [correspondência] que não possa manter-se apreendida nos termos do artigo 71.º do EOA, e que os elementos apreendidos no dia 29 de Setembro de 2009 que não forem remetidos ao Presidente da Relação se mantenham à ordem deste para reapreciação, sempre que o decurso do inquérito o revele necessário”.

    O Juiz do processo, na sequência da posição assumida sobre a reclamação por parte do Ministério Público, emitiu parecer, nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º 3, do EOA, considerando que as buscas terão sido realizadas com respeito pela legalidade.

  2. Por decisão do Vice-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Outubro de 2009, foi indeferida a reclamação, com os seguintes fundamentos [segue transcrição parcial da decisão]:

    2.

    Na apreciação deste incidente de reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação, previsto no EOA, importará analisar a sua natureza e função específica.

    Para tal efeito, iremos socorrer-nos do que foi já consagrado em anterior reclamação da mesma natureza, mais precisamente na Reclamação n.º 5548/08, desta Secção, assinada pela então Senhora Vice-presidente deste Tribunal da Relação de Lisboa, Juíza Desembargadora, Dr.ª Filomena Lima, dado encontrarmo-nos em total concordância com o aí exposto.

    “O art. 268º do CPP, sob a epígrafe ‘Actos a praticar pelo juiz de instrução’, define na sua al. c), como competência do JIC, proceder a buscas e apreensões em escritórios de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário, nos termos dos arts. 177º, n.º 3, 180.º, n.º 1 e 181.º do CPP;

    Este preceito enumera um conjunto de actos que, no decurso do inquérito, são da exclusiva competência do juiz de instrução, sujeitos por isso à sua intervenção pessoal e insusceptíveis de delegação.

    Tais actos têm a ver, conforme já dissemos, com a salvaguarda e garantia dos direitos do cidadão, e decorrem dos princípios constitucionais consagrados nos arts. 202º e 203º da CRP.

    A referida al. c), por seu turno, aglutina três situações que beneficiam de um especial reforço de garantias, traduzido na presença pessoal obrigatória do juiz.

    O escritório de advogado, o consultório médico e o estabelecimento bancário, terão em comum a susceptibilidade de guarda de segredos ‘profissionais’ ou decorrentes do exercício de determinadas funções.

    A entrada em qualquer um destes locais poderá dar acesso a informação protegida pelos referidos sigilos. A especial protecção dada pelo EOA visa a salvaguarda do respectivo segredo profissional.

    Os arts. 70.º e seguintes, nomeadamente o art.º 72.º, da Lei 15/2005 (EOA) reforçam e completam as formalidades da busca, da apreensão de documentos e da possibilidade da sua salvaguarda, de modo rápido e cautelar, visando uma intervenção oportuna, visando a salvaguarda do segredo profissional, em obediência aos mencionados princípios.

    Essa salvaguarda pressuporá que possa intervir-se de forma rápida e eficaz na protecção do segredo profissional perante um flagrante risco de colocação do mesmo em perigo através da diligência que decorra, como é o caso, em escritório de advogado.

    Porém, essa intervenção não deverá corresponder, ‘tout court’, a uma substituição da função do juiz de instrução, na recolha e escolha dos documentos susceptíveis de servirem a prova dos crimes sob investigação, selecção que há-de obedecer a critérios dominados pelo interesse da investigação.

    Tal triagem competirá sempre, em primeira linha, ao juiz de instrução já que, quanto a ele não há “segredo” visando esta reclamação obstar apenas a que sejam desnecessária, clamorosa e flagrantemente colocado em perigo o segredo profissional relativamente a documentos que, analisados também de forma perfunctória, nada tenham a ver com a investigação mas pressupõe, assim o entendemos, que esse perigo se manifeste de forma flagrante e inequívoca.

    Como decorre do texto do Acórdão relatado pela Juíza Desembargadora Ana Brito, no recurso 54/2006 da 9ª Secção:

    “O art. 135º do CPP concede um direito ao silêncio de todas as pessoas a quem a lei impuser ou permitir que guardem segredo sobre certas informações. A quebra do sigilo só pode ocorrer quando ‘se mostre justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante’ (nº 3). O que significa que, ainda segundo Costa Andrade, “a realização da justiça penal, só por si e sem mais (despido do peso específico dos crimes a perseguir) não figura como interesse legítimo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo”.

    Acrescentaríamos ainda que a tutela legal do segredo, que rodeia a prova pessoal (por depoimento ou por declaração), deve cobrir igualmente a produção da prova real (coisas em sentido lato: documentos, suportes informáticos, correspondência...), sob pena de se conseguir por uma via, aquilo que a lei proíbe pela outra.”

    Mas não pode o reclamante suscitar questões que não se reportem a essa necessidade de acautelar o perigo de violação do segredo na vertente e com a citada natureza cautelar, sob pena de se desvirtuar o papel do juiz de instrução ou de se pretender resolver, nesta sede, questões ainda não suscitadas no processo e que o poderão ainda ser, no momento da revelação dos conteúdos, em função daqueles documentos que irão servir a prova, definição que não nos compete fazer mas sim ao detentor da investigação e em última análise ao juiz de instrução se chamado a fazê-lo em sede própria, ou ao Tribunal da Relação se suscitados os incidentes próprios, sempre de forma a preservar o segredo a que todos estão obrigados.

    Também não poderá o arguido, nesta sede, invocar que o objecto da apreensão ultrapassou o mandado respectivo, no âmbito deste incidente, posto que não é este o mecanismo próprio para fazer tal avaliação, sendo objecto de arguição de nulidade pela via processual adequada e para o órgão próprio mas já fará sentido apreciar tal questão se se tratar de algo flagrante e grosseiro, já que a reclamação visa acautelar a lesão do direito de forma a evitar que a apreensão possa, só por si, colocar em perigo a difusão do perigo de violação do segredo que sempre é potenciado nestes casos e que justificam por isso a especial protecção em buscas e apreensões feitas em escritórios de advogados

    .

  3. Aqui chegados, face à necessidade de averiguar se existirá o perigo de uma lesão flagrante e desproporcionada do segredo profissional determina-se que se proceda à imediata desselagem nos termos do n.º 4 do art.º 72º EOA, tendo em vista o exame dos documentos e material apreendidos.

    Consigna-se não ter suporte legal, nem se vislumbrar interesse numa melhor aplicação da justiça, o deferimento da pretensão dos reclamantes no sentido de que o visionamento da documentação e objectos apreendidos seja realizado na sua presença, razão pela qual é a mesma indeferida.

    Realizada que foi a desselagem e exame dos documentos, passar-se-á à resolução das questões concretamente colocadas que serão enquadradas nos termos já expressos no ponto 2. desta Reclamação, isto é, celeridade e brevidade por um lado e apreciação meramente cautelar por outro.

  4. Examinados os documentos e perante a óbvia falta de um conhecimento detalhado do objecto da investigação não se vê, por ora, que dos elementos apreendidos e selados, no âmbito da busca realizada existam documentos que manifestamente possam não ter relação, pelo menos indirecta, com os crimes a...

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