Acórdão nº 199/09 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução28 de Abril de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 199/2009

Processo n.º 910/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos, A. e União Desportiva B., foi interposto recurso obrigatório de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 22.09.2008, que recusou a aplicação, da norma do artigo 27.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, quando interpretada no sentido de que «a rescisão do contrato a termo operada pelo praticante desportivo, com fundamento em justa causa, apenas lhe confere uma indemnização que nunca pode ser superior às prestações a que ele tinha direito, se acaso o contrato de trabalho apenas terminasse no seu termo», por entender que viola o artigo 13.º da Constituição.

  2. As partes foram notificadas para alegar, com a advertência para a eventualidade de não conhecimento do objecto do recurso, por inutilidade.

  3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional concluiu as respectivas alegações da forma seguinte:

    A norma constante do artigo 27º, nº 1, da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, ao estabelecer que, nos casos de rescisão do contrato de trabalho desportivo por iniciativa do praticante, a indemnização não pode exceder o valor das retribuições que àquele seriam devidas se o contrato de trabalho tivesse cessado no seu termo estabelece uma discriminação negativa para o trabalhador/praticante desportivo, já que – após a vigência do Código do Trabalho – o valor das retribuições vincendas passou a constituir limite mínimo – e não limite máximo — ao valor da indemnização a arbitrar ao trabalhador.

    Não se vislumbrando fundamento material bastante para esta radical diversidade de soluções jurídicas, a norma desaplicada no presente processo viola o princípio da igualdade, devendo confirmar-se, nesta parte, o acórdão recorrido.

  4. A recorrida União Desportiva B. contra-alegou, concluindo o seguinte:

    1 - O princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça distinções, proibindo apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material, isto é, tal princípio apenas determina a proibição do arbítrio.

    2 - O princípio da igualdade impõe que se trate de forma diferente situações que são diferentes.

    3 - O praticante desportivo profissional representa uma realidade distinta do trabalhador comum, impondo-se, por isso, um tratamento diferente por parte do legislador, não representado tal opção legislativa violação da proibição do arbítrio, sendo antes uma concretização do princípio da igualdade.

    4 - O art. 27.°, n.° 1 da Lei 28/98, ao tratar de forma diferente realidades diferentes não viola o art. 13.° da Constituição da República Portuguesa.

    5 - Sendo certo que a definição do concreto regime de indemnização não pode inferir-se do art. 59.° da Constituição da República Portuguesa, sempre se dirá que o art. 27.° da Lei 28/98, ao consagrar a indemnização aí prevista, garante as “condições mínimas” de protecção do trabalhador desportivo.

    Termos em que, a norma constante do art. 27.°, n.°1, da Lei 28/98, de 26 de Junho, não viola os arts. 13.° e 59.° da Constituição da República Portuguesa, devendo, nesta parte, revogar-se o acórdão recorrido.

  5. O recorrido A. não apresentou contra-alegações.

  6. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, tem o seguinte teor, na parte que agora releva:

    2. A Lei 28/98 e o Código do Trabalho.

    Sob a epígrafe “Indemnização devida ao trabalhador”, prescreve o art. 443.º n.º 3 do Código do Trabalho que “no caso de contrato a termo, a indemnização prevista nos números anteriores não pode ser inferior à quantia correspondente às retribuições vincendas”.

    Como decorre do acabado de transcrever, o legislador do Código do Trabalho deixou de estabelecer um limite máximo da indemnização e passou a estabelecer um limite mínimo.

    E se assim é, então a Lei 28/98 está em conflito com o Código do Trabalho. Ou melhor dizendo: a Lei 28/98 que estaria em harmonia com a LCCT (entretanto revogada) passou a “brigar” com o Código do Trabalho em termos do montante da indemnização a atribuir ao trabalhador em caso de rescisão com justa causa do contrato de trabalho a termo.

    E perante dois regimes jurídicos diferentes – um especial e outro geral – que regulam a mesma situação jurídica, que dizer-

    Seríamos tentados a responder que a lei especial prevalece sobre a lei geral e como tal ter-se-ia de aplicar ao caso o regime estabelecido pela Lei 28/98.

    Mas assim não é como vamos explicar de seguida.

    3. Da inconstitucionalidade do art. 27.º n.º 1 da Lei 28/98.

    Só para facilitar o nosso raciocínio imaginemos o seguinte caso: um trabalhador contratado a termo certo resolve o contrato de trabalho ao abrigo do art. 441.º n.ºs. 1 e 2 do Código do Trabalho e formula o pedido de indemnização a que alude o art. 443.º do mesmo diploma legal.

    Atento o disposto no n.º 3 do art. 443.º do Código do Trabalho, ele tem direito, no mínimo, ao valor das retribuições que deveria auferir até ao termo do seu contrato de trabalho. No entanto, se o mesmo trabalhador for um praticante desportivo, o montante da indemnização nunca poderá ultrapassar aquele valor.

    Há nitidamente uma diferença no tratamento de situações jurídicas idênticas. Tratamento desigual que “choca” o senso comum! Porque será que o trabalhador comum recebe sempre um montante indemnizatório mínimo, e o praticante desportivo só pode receber esse mesmo montante como limite máximo-

    Salvo melhor opinião, não encontrámos razões objectivas para a diferença de tratamento de situações iguais: a rescisão com justa causa do contrato de trabalho a termo e o direito à correspectiva indemnização.

    E pelas razões acabadas de indicar temos que concluir que o disposto no art. 27.º n.º 1 da Lei 28/98 é inconstitucional por violar o princípio da igualdade previsto no art.13.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de que a rescisão do contrato a termo operada pelo praticante desportivo, com fundamento em justa causa, apenas lhe confere uma indemnização que nunca pode ser superior ás prestações a que ele tinha direito se acaso o contrato de trabalho apenas terminasse no seu termo.

    Acresce que o art. 27.º n.º 1 da Lei 28/98 ofende igualmente o disposto no art. 59.º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, este preceito constitucional determina que o Estado - Legislador estabeleça as “condições mínimas” de protecção aos trabalhadores. E necessariamente não podemos esquecer que essa protecção tem também a ver com os “mínimos indemnizatórios” e que se mostram consagrados nos arts.436.º, 437.º, 439.º, 440.º e 443.º, todos do Código do Trabalho. Ora, a norma do art. 27.º n.º 1 da Lei 28/98 não cumpre tal desiderato ao limitar a indemnização devida ao praticante desportivo (no sentido da inconstitucionalidade da referida disposição legal ver “Em Limitações à Liberdade Contratual do Praticante Desportivo, do Dr. Lúcio Correia, pg. 279).

    A conclusão a que se chegou – a inconstitucionalidade do n.º 1 do art.27.º da Lei 28/98 – determina que este Tribunal recuse a sua aplicação ao caso dos autos.

    Tal significa que a indemnização devida ao Autor é aquela que foi fixada pelo Tribunal a quo, atento o disposto no art.443.º n.º 3 do Código do Trabalho.

    No entanto, e atenta a natureza imperativa do disposto no art. 383.º n.º 3 do Código do Trabalho, ao valor da indemnização não é de deduzir o que o Autor auferiu após a resolução do contrato. Ou seja, o Autor tem direito a receber a indemnização mínima a que alude a citada disposição legal, sempre sem prejuízo da invocação dos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais para justificar indemnização superior àquela.

    Assim, e neste particular, e ainda que por fundamentos diversos, a sentença terá de ser parcialmente revogada, precisamente na parte em que ordenou a dedução das retribuições que o Autor auferiu ao serviço de outra entidade e após a data da resolução do contrato.

    Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

    II - Fundamentação

    1. Questão prévia

  7. Importa começar por decidir a questão prévia quanto à utilidade do conhecimento do objecto do recurso.

    Na parte que releva à presente decisão, verifica-se que a acção de que emerge o presente recurso foi julgada parcialmente procedente em 1.ª instância, tendo a ré União Desportiva B. sido condenada, além do mais, a pagar ao autor, A., as retribuições acordadas para a época de 2006/2007, no montante de €44.100, deduzidas as retribuições que o autor auferiu do Clube Queluz Sintra Património Mundial, na mesma época de 2006/2007.

    O acórdão recorrido - apesar do juízo de inconstitucionalidade emitido - manteve o montante da indemnização (€44.100) que a ré tinha sido condenada a pagar ao autor, mas revogou a decisão da 1.ª instância na parte em que tinha ordenado a dedução das retribuições que o autor auferiu ao serviço de outra entidade, após a data da resolução do contrato.

    A propósito da “utilidade” do recurso de constitucionalidade o Ministério Público sustentou o seguinte:

    Tal situação [a manutenção, pelo acórdão recorrido, do montante a pagar pela ré], numa análise, limiar, é susceptível de criar dúvidas quanto à utilidade do recurso de fiscalização concreta interposto, já que se poderia tomar a citada desaplicação normativa como mero...

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