Acórdão nº 193/10 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelCons. Jo
Data da Resolução12 de Maio de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 193/2010

Processo n.º 105/2010

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

No âmbito do incidente de cessação de alimentos, apensado a processo especial de alimentos devidos a filho maior – que correu os seus termos, sob o n.º 158-B/1999, no 2.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra –, foi proferida sentença em primeira instância que determinou a cessação da obrigação de alimentos do requerente A. para com a requerida B., com efeitos a partir de Outubro de 2006.

Na sequência de interposição de recursos de apelação e de revista pela requerida, a referida sentença foi sucessivamente confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Supremo Tribunal de Justiça, mediante acórdãos proferidos, respectivamente, em 26 de Maio de 2009 e em 12 de Janeiro de 2010.

A requerida interpôs recurso desta última decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

[...] a) A recorrente, além do mais, nas suas alegações de Revista que apresentou neste Supremo Tribunal arguiu expressamente a inconstitucionalidade, além do mais da norma do artigo 1880º Código Civil, na interpretação que lhe fora feita assim como a outras normas.

b) Na verdade, a recorrente, no seu modesto entender julga não existir nenhuma norma que determina a cessação automática, do direito a alimentos estabelecidos para com os filhos pois, ao contrário do que se proclama no Acórdão, nos artigos 122º, 129º e 1877º, apenas regulam a maioridade e não tem como consequência a cessação automática dos alimentos.

c) Entende é que podem existir situações que podiam justificar a cessação de alimentos, mas o ónus da prova da desnecessidade “data maxima venia” pertence ao pai, quando os alimentos já se encontrem estabelecidos.

d) Aliás qualquer norma que determina o contrário, não pode deixar de violar o artigo 36º da Constituição da Republica, como se arguiu.

e) E de facto o colectivo que julgou esta questão decidiu em sentido contrário, não obstante esta norma da constituição, não contemplar nenhum limite.

f) De facto na página 8 e 9 do Acórdão julgou-se esta questão levantada pela recorrente, chegando mesmo a afirmar-se que o nº 5 do artigo 36º da lei Fundamental não se aplica, a este caso concreto, o que não deixa de ser estranho.

Face ao exposto junto que seja este aos autos, requer a V. Ex.a que se considere impetrado o competente recurso, para o Tribunal Constitucional, com todas as consequências.]

Respondendo a convite formulado pelo ora relator para “explicitar de forma, clara, concisa e precisa qual a interpretação do artigo 1880.º do Código Civil, sustentada pela decisão recorrida, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada”, a Recorrente veio oferecer os seguintes esclarecimentos:

[1) Não restam dúvidas que a recorrente se viu privada do direito aos alimentos, que lhe são devidos pelo seu progenitor;

2) E de facto a recorrente não tem condições de poder sobreviver pelas razões que alegou e não observadas e muito menos analisadas.

3) Na verdade qualquer filho tem direito a que o seu pai, que a colocou no mundo, (pois não foi ouvido para tal) lhe preste alimentos enquanto necessita dos mesmos, por força do nº 5 do artigo 36º da Constituição da República, que determina: “Os pais têm o direito e o dever de educação e de sustentação dos filhos”, não tendo este artigo qualquer restrições.

4) O Mm. Juiz a quo nas motivações da sentença da 1ª Instância refere, o que pedimos licença para transcrever:

“Nos termos do disposto no art. 1880º do Cód. Civil, a obrigação de alimentos a menores pode prolongar-se para além da maioridade desde que o visado não tenha ainda completado a sua formação profissional e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”

5) Mas de facto aquele artigo nada refere em relação a filhos menores e a constituição não leva em consideração a menoridade, ao contrário do que proclama o artigo 229º da Constituição Federativa do Brasil, que determina:

“Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade:”

6) Neste caso, pode-se defender, sem margem para dúvidas, que em princípio o direito aos alimentos caduca com a maioridade, mas no direito português não se vislumbra esta possibilidade, face ao que proclama aquele nº 5 do artigo 36º.

7) Aquele Magistrado concluiu na sentença, pela forma que nos permitimos transcrever:

“Não obstante judicialmente homologado por sentença transitada em julgado, o acordo em que foi fixado o montante da pensão de alimentos não tem a virtualidade de alterar os pressupostos legalmente fixados para determinar a cessação da obrigação alimentar, tal como se encontram previstos no referido artigo 1880º do CCivil.”

Mas neste artigo não se encontra prevista, expressamente, qualquer direito à cessação da obrigação de alimentos.

8) Por sua vez o Superior Tribunal da Relação, depois da recorrente ter alegado que os arts. 1879º, 1880º, 2003º a 2006, 2012º e 2013º ofendem o artigo nº 5 do art. 36º quando permitem julgar caduco sem mais o direito a alimentos a que tem direito qualquer filho.

9) O colectivo deste Superior Tribunal invocando a passagem da menoridade para a maioridade, a qual não se vislumbra ou se refere nos artigos 1877º, 1878º, 1880º e 2013º que permitissem julgar sem direitos a alimentos, independentemente da sua situação económica e social de qualquer filho.

10) Concluindo, além do mais, pelo que se transcreve:

“Foi também este o entendimento do já mencionado acórdão do STJ, onde se considerou que o caso em apreço diz respeito à situação a que se refere o artigo 1880º, cuja razão de ser é o da atribuição aos filhos maiores ou emancipados algumas das obrigações que tipicamente se englobam nos deveres dos pais previstos nos artigos 1877º e 1878º e cuja cessação dependente da forma como decorre a formação profissional dos filhos e não da necessidade que estes tenham de que lhes seja atribuída uma pensão de alimentos.”

Também nestas normas se vislumbra tais limites.

11) Para depois, o Supremo Tribunal (no Acórdão sub judice) ao arrepio de toda a ordem jurídica que regula esta situação, vir proclamar:

“Este é o regime geral da prestação de alimentos, mas como regimes especiais, existem os devidos no âmbito do poder paternal, com os critérios particulares e a extensão com que a lei os define, e o regime excepcional do art. 1880º do Código Civil.

Não é em qualquer caso, em relação a filhos maiores, vitalícia a obrigação dos pais alimentarem os filhos, ao invés do que recorrente sustenta.”

Mas não se diz onde está expressa esta interpretação e se o nº 5 do art. 36º da CRP, permite inferir esta solução.

12) Para depois concluírem que neste caso, o julgador deve “meter mão” às presunções, quando se proclamou aquilo que nos permitimos transcrever:

“Há que presumir que o filho maior disporá, em regra, de aptidão para o seu sustento mesmo em caso de emergência familiar, como será o caso dos pais não disporem de condições económicas para o auxiliarem a completar a formação profissional.

Ademais, mesmo na previsão do art. 1880º do Código Civil, a obrigação dos pais deixa de ter razão de existir, se não for razoável ao filho exigir a prestação, pense-se em caso de tal exigência poder redundar em sacrifício incomportável, ou em situações de desigualdade em relação a outros filhos.

Conclui-se, pois, que obrigação dos pais, prevista no art. 1880º do Código Civil de modo algum se pode entender como dependendo apenas a situação do filho e que a norma constitucional do art. 36º, nº 5, não é invocável para que a recorrente, completada a sua formação profissional, persista na exigência alimentar excepcional.” (Os grifos são nossos)

“Com isto quer-se-á dizer que o filho deve ir para debaixo da ponte ou até roubar”

Não restam dúvidas que os tribunais ao efectuarem as referidas decisões e interpretando aqueles artigos, 1778º, 1879º, 1880º 2003º a 2006, 2012º e 2013º do Código Civil, como permitindo julgar caduco automaticamente o direito a alimentos de qualquer filho, sem qualquer razão que possa demonstrar que o mesmo pode fazer face à sua educação e alimentação, não pode de facto e de direito deixar de violar o nº 5 do artigo 36º da Constituição da República.

Pelo que, é tudo o que nos oferece esclarecer e precisar

.

Foi proferida decisão sumária em 24-3-2010 de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:

“A Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional leve a cabo a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 1877.º, 1879.º, 1880.º, 2003.º a 2006.º, 2012.º e 2013.º do Código Civil, na interpretação segundo a qual o direito a alimentos de qualquer filho pode caducar...

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