Acórdão nº 203/09 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2009
Magistrado Responsável | Cons. Pamplona Oliveira |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2009 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 203/2009
Processo n.º 529/07
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Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO
DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Relatório
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Por decisão de 30 de Dezembro de 2005, a Autoridade da Concorrência sancionou a A. aplicando-lhe uma coima no montante de € 195.000,00 por violação dolosa da proibição constante dos artigos 2.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 371/93 de 29 de Outubro e artigo 4.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 18/2003 de 11 de Junho ["são proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que revistam, que tenham por objecto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional, nomeadamente os que se traduzam em:
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Fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa"], ordenando ainda que a arguida adoptasse as providências de cessar de imediato a elaboração, aprovação e divulgação das tabelas indicativas de preços máximos de serviços prestados pelos agentes de navegação fora dos termos previstos no artigo 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 76/89, de 3 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 148/91 de 12 de Abril, ou seja, mediante prévia solicitação das autoridades portuárias, e publicitar, o mais tardar até 31 de Janeiro de 2006, junto das suas associadas e das autoridades portuárias, a adopção das medidas referidas na decisão.
Inconformada, a A. impugnou a decisão, recorrendo para o Tribunal de Comércio de Lisboa.
Na audiência de discussão e julgamento realizada no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, em 24 de Maio de 2006, a recorrente requereu que o tribunal admitisse o seu acesso aos elementos até ao momento qualificados como confidenciais, acesso esse que “para garantir o respectivo efeito útil” deveria ser admitido antes do início da produção de prova.
Sobre este requerimento foi proferido despacho com o seguinte teor:
“ […]
Regula o art. 18 n.º 1 alínea d) do Regime Jurídico da Concorrência, aprovado pela Lei 18/2003 de 11/6 com epígrafe “Prestação de informações”, o poder da Autoridade de solicitar às entidades nele identificadas, documentos e outras informações que se revelem necessários, no exercício dos poderes sancionatórios de supervisão que são atribuídos à Autoridade por Lei, devendo esse pedido ser instruído, entre outros, com a informação de que as empresas deverão identificar, de maneira fundamentada, as informações que considerem confidenciais.
Refere ainda com interesse o artº. 26 nº 5 do mesmo diploma legal que “na instrução dos processos a Autoridade acautela o interesse legítimo das empresas na não divulgação dos seus segredos de negócio.”
É nosso entender, que, deverá existir articulação na apreciação de ambos os normativos referidos, cabendo à Autoridade acautelar o referido interesse antes de mais, tendo em atenção o “segredo de negócio” que é permitido às entidades mencionadas no artº. 18 ao fornecerem as informações solicitadas.
Relativamente à questão em apreciação e após consulta dos documentos que foram enviados com a menção de confidencial, constatamos antes de mais, depois da sua análise, que, apenas é feita menção fundamentada do pedido de confidencialidade, relativamente aos documentos numerados sob os n.ºs 1181 a 1240-A e 1241-A. Relativamente a todos os outros ou não é feita qualquer menção de confidencialidade ou, como a título de exemplo se refere as fls. 307, 1426 e 1435, apenas, quem fornece a informação, diz que a mesma deve ter a natureza confidencial, não fundamentando o porquê dessa confidencialidade.
Voltando aos normativos referidos, verificamos que a obrigação da Autoridade determinada pelo artº. 26 nº 5 do supra mencionado, apenas se reporta à fase de instrução dos processos que terá sempre de ser atendida, no caso, como já tendo cessado face à decisão final proferida.
Importa assim, remetermo-nos apenas para o artº. 18 nº 2 alínea d) também supra referido.
Considerando o teor deste normativo, é nosso entendimento desde logo afastar o não acesso da Recorrente aos elementos relativamente aos quais não é feita qualquer menção de não confidencialidade e aos elementos relativamente aos quais a mesma não é fundamentada. Entendemos assim, ser de conferir à Recorrente o acesso integral aos mencionados elementos de prova. Quanto aos documentos que supra citamos, que foram fornecidos com a menção de confidencial devidamente fundamentada pelas próprias empresas que os forneceram, entendemos face ao disposto no art. 18 nº 1 alínea d) que se deverá manter o não acesso da Recorrente a esses elementos, sob pena de não se dar qualquer efeito prático ao mencionado normativo e não respeitar o princípio de confidencialidade que foi consagrado no mesmo, a apreciar pelas próprias entidades que fornecem as informações.
Assim em conclusão, defere-se o requerido acesso a todos os elementos inclusos nas pastas numeradas de 5 e 6 com a menção de “confidencial 1” e “confidencial 2”, com excepção dos elementos de fls. 1181 a 1240-A e 1241-A, concedendo-se à Recorrente um prazo razoável, que se entende ser de 15 dias, para consulta e análise dos mencionados documentos, fornecendo-se para o efeito cópia dos mesmos.”
Deste despacho a A. interpôs recurso para a Relação de Lisboa “na parte em que indefere o respectivo acesso às fls. 1181 a 1240-A e 1241-A”, alegando designadamente que “qualquer interpretação do artigo 18.º, n.º 1, alínea d), e do artigo 26.º, n.º 5, ambos da Lei da Concorrência, no sentido de que o Arguido possa ser julgado e condenado em processo de contra-ordenação, sem conhecer a totalidade dos elementos probatórios que foram reunidos durante a fase de instrução do processo, e que constam desse mesmo processo, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 10, da CRP”.
Finalmente, por sentença de 28 de Julho de 2006, o Tribunal de Comércio de Lisboa julgou o recurso de impugnação parcialmente procedente condenando a arguida pela prática da contra-ordenação prevista nos artigos 2.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro e artigo 4.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, punida nos termos do artigo 43.º n.º 1 alínea a) da Lei n.º 18/2003, na coima de € 130.000,00, devendo ainda: (a) cessar de imediato a elaboração, aprovação e divulgação de tabelas indicativas de preços máximos de serviços prestados pelos agentes de navegação fora dos termos previstos no artigo 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 76/89 de 3 de Março, com redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 148/91 de 12 de Abril, ou seja, apenas a elaboração de propostas de tabelas de preços máximos, mediante prévia solicitação das autoridades portuárias; (b) publicitar, junto das suas associadas e das autoridades portuárias, no prazo de um mês após o trânsito da presente decisão, a adopção da medida referida em (a) e pagar as custas do processo.
Pode ler-se na sentença, na parte que para agora releva, o seguinte:
“ […]
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direito ao silêncio da recorrente.
Alega a recorrente, que a Autoridade da Concorrência citando normas incorrectas, solicitou-lhe, após comunicação de abertura de inquérito, vários documentos e informações que identifica, sob pena de, não cumprindo, ser-lhe aplicada uma coima, resultando que a interpretação conjugada dos artºs 17º n.º 1. al. a). 18º e 43º n.º 3 da Lei 18/2003, no sentido de obrigar a arguida a revelar, com verdade, de forma completa, sob pena de coima, determinadas informações e documentos é inconstitucional, por violação dos artºs 1º, 20 n.º 4, 32º n.º 2, 8 e 10 da Constituição da República Portuguesa, gozando o arguido, em processo de contra-ordenação do direito ao silêncio, bem assim do direito à não auto-incriminação, à qual não pode ser compelido por nenhuma forma.
Acrescenta que, face à inconstitucionalidade invocada ter-se-á de concluir que, todas as provas obtidas, no presente processo, com base nos artºs 17º n.º 1 al. al. a). 18.º e 43.º n.º 3 da Lei 18/2003 são nulas e na medida em tais provas são nulas também não podem ser aproveitadas para nenhum fim, nomeadamente não podem ser aproveitadas para efeitos de uma decisão condenatória, devendo a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que absolva a requerida, uma vez que, para além das referidas provas, não existem quaisquer outras que permitam sustentar a (inexistente) responsabilidade da A..
Respondeu a autoridade da concorrência, dizendo, em síntese, que o referido direito não é aplicável no caso e que não se verifica qualquer inconstitucionalidade.
Cumpre decidir:
[…]
A Autoridade da Concorrência dispõe, de acordo com mencionado nos seus estatutos, aprovados pelo Dec.-Lei 10/03 de 18.01, para o desempenho das suas atribuições, de poderes sancionatórios, de supervisão e de regulamentação.
No exercício dos seus poderes sancionatórios, cabe à Autoridade investigar as práticas susceptíveis de infringir a legislação de concorrência nacional e comunitária, proceder à instrução e decidir os respectivos processos, aplicar as sanções previstas na lei, adoptando medidas cautelares, quando necessário (art.º 7º n.º 2 al.s a) e b) dos referidos estatutos).
As infracções às normas previstas na Lei 18/03 de 11.06 e às normas comunitárias constituem contra-ordenação, nos termos do art.º 42º do mencionado diploma, puníveis com coima e sanção acessória de publicitação da infracção (art.º 45º).
Determina o art. 19º do mesmo diploma que os procedimentos sancionatórios, sem prejuízo do disposto na mencionada lei, seguem o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social, ou seja, a determinação da aplicação do referido regime é feita, tendo em atenção, antes de mais, as especificidades da lei da concorrência (Lei 18/03).
Tendo em conta o referido, analisemos as regras de aplicação do...
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