Acórdão nº 29/07 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução17 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 29/2007

Processo n.º 677/05

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

(Conselheira Maria Fernanda Palma)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Por decisão do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso os arguidos A. e B. foram condenados, pela prática, em co-autoria, de um crime de introdução fraudulenta no consumo, previsto e punido pelo artigo 96.º, n.º 1, alínea a), do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 7 (sete) meses de prisão cada um, e de um crime contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios, previsto e punido pelo artigo 24.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) meses de prisão e em 110 (cento e dez) dias de multa à razão diária de € 3 (três euros), cada um. Em cúmulo jurídico cada um dos arguidos foi condenado na pena única de 8 (oito) meses de prisão e em 110 (cento e dez) dias de multa à razão diária de € 3 (três euros), perfazendo para cada um a multa de € 330 (trezentos e trinta euros), com 73 (setenta e três) dias de prisão subsidiária. No que concerne ao pedido de indemnização civil, os arguidos foram solidariamente condenados a pagarem ao Estado a quantia de € 30.007,23 (trinta mil e sete euros e vinte e três cêntimos), acrescida dos juros contados às sucessivas taxas legais desde 14 de Março de 2003, até integral pagamento. A pena única de 8 (oito) meses de prisão foi declarada suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de os arguidos procederem ao pagamento ao Estado naquele montante no prazo de 2 (dois) anos.

    Inconformados com esta decisão, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, tendo, a concluir as alegações que então apresentaram e para o que ora releva, alegado que:

    […]

    13.ª

    Por isso, o disposto nos art.ºs 96.º, n.º 1, a) e b), 14.º, n.º 1, e 9.º do RGIT, objectivamente, prosseguem interesses que não são os da generalidade do Povo Português, mas do Supercapital, quanto à lógica de afastar os pequenos produtores e comerciantes, sendo certo que nem prossegue interesses estaduais, porque é imoral que este se financie através do maior sacrifício daqueles que já sofrem a dureza de uma sociedade injusta, e por isso de alienam no vício.

    14.ª

    Por outro lado não é legítimo que o Estado tolere penalmente a conduta viciosa para a tributar, e não tolere penalmente a infracção fiscal que apenas é praticada pelos pobres (os ricos não bebem do “grosso”, os ricos bebem do “fino”).

    15.ª

    A tributação, e muito especialmente a tipificação penal, através das normas referidas, contendem claramente com o disposto nos art.ºs 1.º, 2.º, 9.º, 13.º, 25.º, 27.º, n.º 1, 81.º, a), c), d) e e), da C.R.P., bem como os princípios constitucionais da justiça, da proporcionalidade e da unidade da ordem jurídica.

    […]

    18.ª

    As penas também não podiam ser suspensas com a condição do pagamento do imposto alegadamente dito em dívida. A suspensão da pena funda-se, essencialmente, em critérios de ressocialização do infractor, quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão é suficiente para “forçar” o infractor a conformar-se com os comandos legais. A suspensão condicionada ao cumprimento de injunções, só é de aplicar quando aquelas censura e ameaça são insuficientes, ou quando, por razões de equidade, e de possibilidade do infractor, este deva indemnizar a vítima. Se isto é assim no direito penal de justiça, por maioria de razão deve ser no direito penal secundário. Assim sendo, o disposto no art.º 14.º, n.º 1, do RGIT, mais que norma jurídica, parece uma ordem, em clara violação das normas e princípios constitucionais invocados na conclusão 15.ª, e ainda o princípio de separação de poderes (art.º 111.º, n.º 1, da C.R.P.), e viola também o disposto nos art.ºs 50.º e 51.º do C.P., pelo que, nesta última perspectiva, é uma norma ilegal.»

    O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 2 de Junho de 2004, negou provimento aos recursos, afirmando, nomeadamente:

    […]

    3.4. Da violação dos artigos 1.º, 2.º, 9.º, 13.º, 25.º, 27.º, n.º 1, 81.º, alíneas a), c), d) e e), da CRP, bem como os princípios da justiça, proporcionalidade e da unidade da ordem jurídica, atenta a finalidade de política legislativa prosseguida pelo Estado no mencionado artigo 96.º, n.º 1, alíneas a) e b) para justificar a tributação da detenção, fabrico e introdução no mercado de bebidas alcoólicas.

    Elencam os recorrentes diversos preceitos do texto constitucional, cujas epígrafes respectivas consistem em República Portuguesa; Estado de direito democrático; Tarefas fundamentais do Estado; Princípio da igualdade; Direito à integridade pessoal; Direito à liberdade e à segurança; Incumbências prioritárias do Estado para questionar o ajustamento da tributação especial das bebidas alcoólicas com esses mesmos normativos.

    O próprio texto constitucional contém norma expressa sobre o sistema fiscal, sendo que visa ele, além do mais, urna repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º, n.º 1), cabendo ao legislador determinar a respectiva incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes (seu n.º 2). Este texto tem reprodução no artigo 8.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.

    Desta conjugação normativa resulta a vinculação do legislador ordinário aos invocados princípios constitucionais que, concretamente, se não mostram questionados pela instituição de um particular regime de tributação. Aliás, a própria prossecução do princípio da igualdade impõe, por vezes, o princípio do tratamento discriminatório de situações desiguais: o caso dos autos, em que o legislador, ponderada a particular natureza dos bens em causa, os submeteu a diferente regime fiscal sem que, só por tal facto, se mostrem violados os reclamados princípios.

    Donde que não colha toda a argumentação fundada em simples considerações genéricas sobre os fins alegadamente prosseguidos pelo legislador ao introduzir tal tributação.

    […]

    3.7. Da indevida determinação de suspensão da execução das penas condicionadamente ao pagamento do imposto alegadamente em dívida – O artigo 14.º, n.º 1, do RGIT viola os princípios constitucionais referidos, além do da separação de poderes plasmado no artigo 111.º, n.º 1, da CRP, bem como os artigos 50.º e 51.º, ambos do Código Penal (CP).

    Dispõe o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT que “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa”.

    Prescreve este artigo algumas especialidades em relação ao regime geral que resulta do Código Penal.

    Assim, estabelece o artigo 50.º, n.º 1, do CP que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

    Tem tal regime na sua base um juízo de prognose social favorável em relação ao arguido, que, em caso afirmativo, levará o tribunal a ter que – decidir se a simples censura do facto e a ameaça de prisão serão suficientes para satisfazer as necessidades de prevenção geral do crime. Já o artigo 14.º em causa impõe sempre como condição para a suspensão da execução da pena de prisão o pagamento da prestação tributária e acréscimos legais, podendo ainda o juiz impor o pagamento de quantia até ao limite máximo da pena de multa.

    Institui esta lei especial um primado que cabe acatar e uma suspensão ope legis não discriminativa e que, só por si se não mostra mais gravosa que o regime geral em que o julgador também podia subordinar a suspensão ao cumprimento de injunções, um delas podendo consistir exactamente no pagamento de uma indemnização ou numa reparação ao lesado, no caso o Estado.

    A conclusão, então, de que não infringe a suspensão condicionada qualquer normativo constitucional, e se devem elas manter no caso dos autos.

    […]

    3.9. Se a condenação civil dos recorrentes padece de justo fundamento.

    A síntese argumentativa essencial dos recorrentes neste aspecto é a seguinte: aquela sua condenação civil pressupunha a transacção efectiva, mas sem pagamento de imposto. O Estado ao apropriar-se dos líquidos deve introduzi-los no mercado. Esta circunstância determinará o retorno do imposto devido, salvo se o produto não tiver as virtualidades de que se reclama, mas, também, nesta hipótese, não é devido imposto. Valendo o sentido imposto no Acórdão recorrido, o Estado apropria-se do valor do produto, do imposto da sua colocação no mercado, e do valor do imposto da condenação. Não pode ser este o sentido do artigo 9.º do RGJT que, assim interpretado, se mostra violado. Mas, se for, mostra-se, então, inconstitucional perante os princípios já invocados, a cuja luz deve ser interpretado.

    A questão assim colocada traduz-se em apurar se a tributação de uma actividade de introdução fraudulenta no consumo de bebidas alcoólicas, é legal e constitucionalmente, pois que se estará a tributar urna actividade que está a laborar de forma ilícita ou ilegítima, não tendo sido declarada nem os seus proveitos.

    Estabelece o artigo 9.º do RGIT que “o cumprimento da sanção aplicada não exonera do pagamento da prestação tributária devida e acréscimos legais”.

    Respigamos, de novo, as pertinentes considerações adiantadas pelo Ministério Público na 1.ª instância:

    “Este artigo tem como antecedentes os art.ºs 17.º do RJIFNA e 9.º do RJIFA e trata-se de urna disposição que consagra explicitamente uma solução evidente, pois sendo a responsabilidade por tributos distinta da responsabilidade criminal ou contra-ordenacional, a extinção...

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