Acórdão nº 110/07 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Fevereiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 110/2007

Processo n.º 788/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

AUTONUM 1.Por acórdão de 19 de Julho de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa da decisão deste Tribunal de 22 de Fevereiro de 2006, que, concedendo provimento ao recurso interposto por A., revogara o despacho recorrido proferido em 11 de Outubro de 2005, e, consequentemente, julgara extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra aquele pela prática, em 1992, de um crime de burla agravada, previsto e punido pelos artigos 313.º e 314.º, alínea c), da redacção originária do Código Penal de 1982. Pode ler-se nesse aresto do Supremo Tribunal de Justiça:

«Na análise da questão substancial suscitada nos presentes autos importa precisar o segmento da decisão proferida objecto de impugnação.

“Analisemos agora a argumentação do mencionado acórdão de fixação de jurisprudência.

Não merecem, em nosso entender, qualquer crítica os dois primeiros argumentos utilizados. De facto, o corpo do artigo 119.º da redacção originária do Código Penal de 1982 ressalva outros casos especialmente previstos na lei e essa ressalva tanto abrange as situações já então previstas como casos especiais de suspensão do procedimento criminal como outras que, posteriormente, tivessem vindo a ser estabelecidas. Para isso seria, no entanto, imprescindível que fossem ou viessem a ser posteriormente concebidas como causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal e não como meras causas de suspensão do processo. Não é pelo facto de a suspensão da prescrição, a existir, dever ter duração correspondente à da suspensão do processo que esta, «sem ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal» (n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil), se pode transformar naquela.

Uma coisa é prever-se uma causa de suspensão do processo.

Outra, completamente diferente, uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal. Se da primeira apenas decorrem efeitos de natureza processual, a prescrição tem uma natureza mista. Extingue o procedimento e também a responsabilidade criminal.

É certo que o legislador ao publicar o novo Código de Processo Penal deveria ter alterado o Código Penal, nomeadamente as disposições relativas à prescrição, para adaptar as causas de suspensão e de interrupção do procedimento criminal à nova tramitação prevista, como veio a fazer em 1995, e depois em 1998, sob pena de, de outro modo, acabar «por vir a proteger o arguido que, mais lesto, fugira à alçada da justiça». Porém, tais considerações de política legislativa não podem, por si só, sustentar a referida interpretação do artigo 336.º do Código de Processo Penal. Se, em geral, as considerações político-criminais não podem ser estranhas ao intérprete e devem por ele ser consideradas na sua actividade, o resultado da interpretação não pode ir além do sentido possível das palavras utilizadas no texto. Não se pode pretender que o intérprete, com base nas considerações de política legislativa e político-criminais, se substitua ao legislador e alcance, por via da aplicação do direito, o resultado que o legislador devia ter previsto mas que, consabidamente, não previu.

De outra forma violar-se-ia inexoravelmente o princípio da legalidade consagrado no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1.º do Código Penal.

E desta forma se entra no argumento decisivo para a não aplicação do referido acórdão de fixação de jurisprudência.

Se bem que ele não constitua hoje «assento», nem sequer jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais (n.º 3 do artigo 445.º do Código de Processo Penal), sempre poderíamos optar, não obstante a nossa discordância, por o aplicar, não fora a questão de constitucionalidade. Isto por considerações de segurança jurídica e de respeito pelos interesses dos sujeitos processuais envolvidos, atenta a data relativamente recente daquela fixação da jurisprudência.

Porém, a interpretação do segmento «a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido», inserto no n.º 1 do artigo 336.º da redacção originária do Código de Processo Penal, no sentido de que aí se consagra uma causa especial de suspensão da prescrição do procedimento criminal admitida pelo corpo do n.º 1 do artigo 119.º da redacção primitiva do Código Penal de 1982, viola o princípio da legalidade criminal referido, sendo portanto, por esse motivo, materialmente inconstitucional.”

Assim, conclui a decisão em causa que, com fundamento em inconstitucionalidade, se decide não aplicar (artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa) a norma criada pelo citado acórdão, razão pela qual, tendo decorrido a prazo de prescrição previsto no artigo 117.º, n.º 1, alínea b), da redacção originária do Código Penal e não tendo sido praticado, até ao seu termo, qualquer acto com efeito suspensivo ou interruptivo, se julga procedente o recurso e, consequentemente, se declara extinto, por prescrição, o procedimento criminal instaurado contra o arguido A., pela prática em 1992 de um crime de burla agravada, p. e p. pelos artigos 313.º e 314.º, alínea c), da redacção originária do Código Penal de 1982.

*

Na decisão do presente recurso importa estabelecer as premissas que constituem o antecedente lógico da decisão a enunciar:

  1. O Assento n.º 10/2000 decidiu que “No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal”.

    b) Pronunciando-se sobre a questão da constitucionalidade do entendimento consagrado no mesmo Assento refere o Acórdão n.º 449/2002 do Tribunal Constitucional que o princípio da legalidade – e, em concreto, a exigência de tipicidade – não requer que todas as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal estejam previstas na mesma norma legal. Apenas pode postular que a norma que preveja cada uma (ou várias) daquelas causas seja suficientemente precisa e seja emitida pela Assembleia da República ou pelo Governo, no uso da indispensável autorização legislativa [artigo 198.º, n.º 1, alínea b), da Constituição].

    Mas nada obsta a que uma norma – no caso, o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 – remeta para outras normas a consagração, em concreto, de causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal.

    Esta conclusão não é invalidada pela circunstância de a norma que consagra a causa de suspensão do prazo prescricional – o artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987 – ser posterior. Na verdade, a cláusula “geral” ou de “remissão” dirige-se a todas as normas que vigoravam à data da sua entrada em vigor ou hajam entrado em vigor posteriormente (mas, claro está, na sua vigência).

    Esta técnica legislativa em nada contraria o princípio da legalidade, bastando ter em conta, para o evidenciar, que uma enumeração taxativa (do artigo 119.º, n.º 2, do Código Penal de 1982) poderia ser livremente revogada por uma norma de idêntico valor hierárquico (artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987), que consagrasse uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal.

    c) Este Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se plúrimas vezes sobre a validade dos fundamentos e conclusão do referido Assento (Acórdãos de 2/10/2002; 13/1/2003; 27/2/2003 e 26/1/2003).

    De acordo com o disposto no artigo 445.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a decisão que resolver o conflito, no caso de recurso para a fixação de jurisprudência, não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.

    Sobre o sentido interpretativo daquela norma permitimo-nos chamar à colação a decisão deste Supremo Tribunal de 26.01.2006 (proc. n.° 06P181) onde se referiu que:

    1 – A partir da reforma de 1998 do processo penal, os tribunais judiciais podem-se afastar da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, conquanto que fundamentem as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (n.º 3 do art.º 445.º do CPP).

    2 – Mas, com essa norma não se quis seguramente referir o dever geral de fundamentação das decisões judiciais (art.ºs 97.º, n.º 4, e 374.º do CPP), antes postular um dever especial de fundamentação destinado a explicitar e explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada.

    3 – Quis então o legislador que o eventual afastamento, por parte dos tribunais judiciais, da jurisprudência fixada, pudesse gerar uma “fiscalização difusa” da jurisprudência uniformizada (art.º 446.º, n.º 3, do CPP).

    4 – Ora, as duas normas, que se ocupam da possibilidade de revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça da jurisprudência por si fixada, usam a mesma terminologia: haver “razões para crer que uma jurisprudência fixada está ultrapassada” (art.ºs 446.º, n.º 3, e 447.º, n.º 2, 1.ª parte, do CPP), as únicas razões, pois, que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada.

    5 – Isso sucederá, v.g., quando:

    - o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada;

    - se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente,

    - a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juízes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada.

    7 – Mas...

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