Acórdão nº 128/07 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | Cons. Moura Ramos |
Data da Resolução | 27 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 128/2007
Processo n.º 306/06
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Secção
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
(Conselheira Maria Helena Brito)
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I
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Nos presentes autos vindos do Tribunal do Trabalho de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de despacho proferido naquele tribunal, em 15 de Dezembro de 2005, que indeferiu reclamação de conta de custas.
A recorrente requerer a apreciação da inconstitucionalidade dos artigos 31°, 33° e 33°-A do Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de Dezembro, quando interpretados em termos de no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual as custas são suportadas a meias incumbir ao autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, com fundamento em violação dos artigos 165º, alínea i), 103º, n.º 3, 13º, 20º, n.º 4, e 266º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
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No dia 23 de Novembro de 2004 foi proferida, nos autos em que se integra o presente recurso de constitucionalidade, sentença homologatória da transacção celebrada entre as então Autora e Ré (respectivamente, a ora recorrente e B. S. A.) quanto ao objecto do litígio. As partes tinham acordado que as custas em dívida a juízo seriam suportadas a meias (cláusula quarta do acordo de fls. 81 e seguinte), pelo que a sentença as condenou nos termos acordados (fls. 83).
Elaborada a conta do processo e notificadas as partes para pagamento das custas da sua responsabilidade, veio o ora recorrente apresentar a seguinte reclamação (fls. 106 e seguintes):
1. A Autora propôs nesse Tribunal acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, cujo valor era de 17.235,64 , ao qual corresponde uma taxa de justiça global de 8 U.C., isto é, de 712,00 .
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À Autora cabia o pagamento de 2 U.C., a título de taxa de justiça inicial, isto é, de 178,00 ,
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montante que foi pago previamente, conforme comprovativo de pagamento que foi junto à petição inicial.
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Conforme consta da conta de custas notificada à Autora, tendo este processo terminado por transacção antes da apresentação de oposição e da designação da audiência final, são-lhe aplicáveis as normas constantes do artigo 14°, n.°s 1 e 2, do Código das Custas Judiciais (CCJ), que estabelecem a redução a metade da taxa de justiça (no caso, para 4 U. C.), não sendo, portanto, devida taxa de justiça subsequente, nem pela Autora, nem pela Ré.
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Acresce que, na transacção celebrada pelas partes e homologada por V. Ex.a, as partes estabeleceram que as custas judiciais seriam suportadas a meias (cfr. Cláusula Quarta do acordo junto ao processo).
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A repartição de custas que foi acordada pelas partes sempre resultaria, na falta de disposição das partes, do disposto no artigo 451°, n.º 2, do Código de Processo Civil.
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Ora, se o total das custas judiciais, 4 U.C., se traduz na quantia de 356,00 , a Autora é responsável pelo pagamento de metade desse total, isto é, da quantia de 178,00 , acrescida do montante que for devido a título de procuradoria,
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sendo a Ré responsável pelo pagamento de montante igual, a título de taxa de justiça inicial, igualmente acrescido do que for devido a título de procuradoria.
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E a Autora já pagou ao processo a parte da taxa de justiça que era da sua responsabilidade, pelo que apenas tem a pagar ao Tribunal o valor devido a título de procuradoria,
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devendo a Ré pagar ao processo a quantia de 178,00 , acrescida de procuradoria, só assim se dando cumprimento ao acordado entre as partes na transacção que juntaram ao processo.
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Pelo que a Autora nada mais tem a pagar ao Tribunal, com excepção do que for devido a título de procuradoria.
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Nem se diga que tal não é assim, invocando o artigo 31°, n.º 1, do CCJ, que estatui que as taxas de justiça pagas por cada parte integram as custas de parte nos termos do artigo 33° do CCJ, e que as taxas de justiça inicial e subsequente deixaram de ser automática e incondicionalmente restituídas pelo Cofre Geral dos Tribunais, incumbindo à parte vencedora diligenciar junto do vencido no sentido de receber a quantia devida.
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É que a Autora não pretende qualquer reembolso do Tribunal, mas antes, e apenas, não ter de pagar algo que não é devido por si, mas sim pela Ré.
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Nem se diga que a taxa de justiça inicial já paga pela Autora integra o conceito de custas de parte e que, consequentemente, a Autora deveria pagar agora mais 89,00 de taxa de justiça ao Tribunal, para depois ir exigir à Ré a restituição destes mesmos 89,00 ,
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ou que a Ré pagaria agora 89,00 de taxa de justiça ao tribunal e 89,00 de taxa de justiça à Autora, em vez de, simplesmente, pagar 178,00 ao Tribunal.
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Não parece que tenha sido intuito do legislador, ao alterar o CCJ, com o Decreto-Lei 324/2003, o de dotar o sistema desta complexidade, onerando excessivamente uma parte em claro benefício da outra quando, em termos processuais, as partes assumiram porque a lei lhes dá essa liberdade responsabilidade em partes iguais pelo pagamento das custas.
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Não se compreende, pois, que se exija à Autora o pagamento de ¾ da taxa de justiça global do processo e, à Ré, apenas ¼ dessa taxa de justiça, provocando um desequilíbrio para que a Autora seja depois obrigada a socorrer-se do mecanismo estabelecido no artigo 33°-A, n.º 1, do CCJ.
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O mecanismo das custas de parte aplica-se às custas já pagas e não às que estão por pagar e é destas últimas que trata esta reclamação de conta.
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O que a Autora pretende é que não lhe seja exigido o pagamento de uma taxa de justiça superior àquela que é seu dever pagar 2 UC e que já pagou.
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Assim, se as partes acordaram em repartir a responsabilidade pelas custas em partes iguais, se uma das «metades» da taxa de justiça global do processo já foi paga pela Autora e se nada foi ainda pago pela Ré, a conclusão é que a «metade» que agora falta pagar é da responsabilidade da Ré.
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Pelo que não se compreende qual o fundamento da exigência, feita à Autora, do pagamento de ¾ da taxa de justiça do processo.
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Tal decisão, a manter-se, consubstanciará, não só violação de lei, como ainda violação da própria Constituição da República Portuguesa (CRP).
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A Autora desde já invoca a inconstitucionalidade dos artigos 31°, 33° e 33°-A, introduzidos no CCJ pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na medida em que admitam uma interpretação que permita sustentar a elaboração de uma conta de custas como aquela da qual ora se reclama, por desrespeitar manifestamente o princípio da igualdade, onerando excessivamente uma parte em detrimento da outra e, assim, tratando de modo diferente aquilo que deve ser tratado de modo igual.
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Com efeito, o artigo 20º, n.º 4, da CRP garante a todos os cidadãos a realização de um processo equitativo, traduzindo-se este princípio da equidade na necessidade de observar um conjunto de regras fundamentais ao longo de todo o processo, sendo a igualdade das partes uma dessas regras fundamentais.
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Refere o Professor Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 1996, p. 105), a propósito do princípio da igualdade de armas como manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes, que aquele «impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável [...]. Próximo do princípio constitucional da igualdade e não discriminação (art. 13º CRP), o princípio da igualdade de armas impõe um «estatuto de igualdade substancial das partes (artigo 3°-A do CPC) [...]» (sublinhado nosso).
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Ora, o regime das custas de parte entendido de modo a permitir impor à Autora um encargo (o pagamento de ¾ da taxa de justiça e, ainda, o ónus de cobrança à parte contrária) manifestamente superior ao imposto à Ré, quando as partes puseram termo ao processo por transacção, encontrando-se em posições equiparáveis no processo, viola o disposto nos artigos 20º, n.º 4, e 13° da CRP.
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Violando ainda o disposto no artigo 266°, n.º 2, da CRP, uma vez que estamos perante uma cobrança indevida praticada pela Administração Pública, com violação dos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade.
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É por tudo isto que a única decisão legal e constitucional porque a única compatível com um entendimento dos artigos 31º, 33º e 33º-A do CCJ conforme à Constituição será a que considerar suficiente o pagamento de 178,00 já efectuado pela Autora e não lhe exigir qualquer pagamento adicional (com excepção do que disser respeito à procuradoria).
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A quantia de 178,00 que está em falta para perfazer o total de 4 U.C. (356,00 ) correspondente à taxa de justiça global do processo deverá ser cobrada, no seu total, unicamente à Ré
[...].
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Foi prestada pelo contador a seguinte informação nos termos do disposto no art.º 61º, n.º 1, do C.C.J. (fls. 113), que se transcreve integralmente:
Vem o funcionário contador, nos termos do disposto no art.° 61º, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, pronunciar-se sobre a reclamação apresentada 106 e seguintes pela Autora e relativa à conta 1542/2005 elaborada a fls. 92/93, reclamação esta, que versa essencialmente...
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