Acórdão nº 215/07 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução23 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 215/2007 Processo n.º 342/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

(Conselheiro Paulo Mota Pinto)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

O representante do Ministério Público no Tribunal Judicial da Comarca de Águeda deduziu, em 29 de Junho de 2001, acusação contra A. e a sociedade B., Limitada, imputando ao primeiro a autoria material de 31 crimes de abuso de confiança fiscal (5 por não entregas de IVA e 16 por não entregas de IRS), sendo 29 previstos e punidos pelo artigo 24.º, n.º 1, e os 2 restantes previstos e punidos pelo artigo 24.º, n.ºs 1 e 4, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, sendo a arguida sociedade punível por via do disposto no artigo 7.º do mesmo diploma (fls. 57 a 60).

O arguido A. requereu a abertura da instrução (fls. 71 a 79), expressamente solicitando que “a realização de todas as diligências de produção de prova seja notificada ao requerente e aos seus mandatários, para que a elas possam assistir e nelas possam participar”, acrescentando:

“A este propósito (de a toda a produção de prova em instrução dever ser permitida a assistência do requerente e do seu advogado) invoca o requerente a ilegalidade, por violação da norma do artigo 61.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (que não podem deixar de ser tidas como leis com valor reforçado), e a inconstitucionalidade, por violação da exigência de uma instrução jurisdicionalizada, consagrada no artigo 32.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 289.º do Código de Processo Penal, na interpretação (…) segundo a qual em instrução o arguido e o seu defensor apenas têm direito de assistir e intervir no debate instrutório e nos casos expressamente determinados pelo juiz de instrução.”

Esta última pretensão foi desatendida no despacho de abertura da instrução (fls. 242), que, após marcação de data para inquirição das testemunhas oferecidas pelo arguido, consignou:

“Esta inquirição de testemunhas, porque não sujeita a contraditório nesta fase, é levada a cabo sem a assistência do arguido/requerente e do seu ilustre mandatário, como requerido, e do Dig.mo Magistrado do Ministério Público (artigo 289.º do CPP). Com efeito, apesar do referido pelo arguido A., entende-se ser este o sentido daquela norma, cuja constitucionalidade já foi, aliás, apreciada e reconhecida – cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 59/2001 e 272/2000, no Diário da República, II Série, de 12 de Abril de 2001 e de 13 de Novembro de 2000, respectivamente – e Germano Marques da Silva, Forum Iustitiae, ano I, n.º 0, Maio 1999, p. 21).”

Desta decisão, que não admitiu a presença e participação do arguido e seu mandatário nas diligências instrutórias, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, acompanhado da respectiva motivação (fls. 261 a 277), recurso que foi admitido por despacho de 14 de Janeiro de 2002, “com subida diferida, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo” (fls. 281). O Ministério Público apresentou resposta à motivação desse recurso (fls. 295-297).

Finda a instrução e realizado o debate instrutório, foram os arguidos pronunciados pelos crimes por que haviam sido acusados (despacho de 15 de Maio de 2002, fls. 656 verso a 660).

Realizada audiência de julgamento, foi, por acórdão do Tribunal Colectivo de 10 de Março de 2003 (fls. 944 a 950), o arguido condenado, pela prática dos 31 crimes de abuso de confiança fiscal por que fora acusado e pronunciado, na pena única de 650 dias de multa à taxa diária de € 15, num total de € 9750, com 433 dias de prisão subsidiária, e 3 anos de prisão, suspensa por 5 anos, sob condição de pagar ao Estado, no prazo de 5 anos, o valor do pedido, incluindo juros.

Em 11 de Março de 2003, o arguido apresentou requerimento (fls. 954 e 955), em que, para efeitos de preparação do recurso que intentava interpor do acórdão condenatório, solicitava: (i) a confiança do processo; (ii) a entrega de cópias das cassetes com o registo da prova produzida em audiência e, bem assim, (iii) da respectiva transcrição dactilografada; e (iv) que fosse certificada a data, dia e hora, de início e fim da deliberação a que se referem os artigos 365.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP).

Por despacho de 14 de Março de 2003 (fls. 958 a 960) foi: (i) deferida a confiança do processo; (ii) deferido o pedido de entrega de cópia das fitas gravatas; (iii) indeferido o pedido de entrega das transcrições das gravações; e (iv) uma vez que “dos autos não consta despacho em que tenha sido declarada a absoluta impossibilidade da deliberação se seguir ao encerramento nem qualquer outra referência a esse facto”, determinada a passagem de certidão relativa tão-só a este facto.

Em 31 de Março de 2003, o arguido interpôs e motivou recurso quer do acórdão condenatório quer do despacho que indeferiu o pedido de entrega das transcrições das cassetes de registo da prova produzida em audiência (fls. 962 a 1000).

Por acórdão de 4 de Fevereiro de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu: (i) não conhecer do recurso interposto a fls. 242 contra o despacho que não admitiu a presença e participação do arguido e seu mandatário nas diligências instrutórias, por o arguido, nas conclusões do recurso interposto da decisão final, nada ter dito quanto a esse recurso, resultando do artigo 412.º, n.º 5, do CPP (“Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse”) que a omissão dessa referência “implica a desistência do recurso retido que não é especificado”; (ii) rejeitar, por extemporaneidade, o recurso do acórdão condenatório; e (iii) rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso do despacho que indeferiu o pedido de entrega das transcrições da prova gravada em audiência.

Notificado deste acórdão, o arguido, em 25 de Fevereiro de 2004, dele interpôs recursos:

1) para o Tribunal Constitucional (fls. 1207 a 1209), pretendendo ver apreciadas as inconstitucionalidades: (i) “da norma do n.º 5 do artigo 412.° do Código de Processo Penal, por violar o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e o direito ao recurso, consagrados nos artigos 20.° e 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na interpretação, acolhida no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, segundo a qual faz equivaler a omissão da indicação do interesse em manter o recurso retido nas conclusões do acórdão final à desistência do mesmo”; e (ii) “da norma do n.º 4 do artigo 690.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, por violar o direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e o direito ao recurso, consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 20.° e no n.º 1 do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa, na interpretação, dela acolhida no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de excluir-se a sua aplicação perante o n.º 5 do artigo 412.° do Código de Processo Penal, por entender também que este opera automaticamente a desistência do recurso retido, mesmo sem prévia notificação ao recorrente para que este possa suprir essa eventual deficiência ou prestar esclarecimentos quanto às suas conclusões”; e

2) para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1216 a 1246), sustentando a admissibilidade dos três recursos rejeitados pela Relação.

Por acórdão de 22 de Setembro de 2004 (fls. 1268 a 1281), o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso, por inadmissibilidade, atento o disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.

Por requerimento expedido em 7 de Outubro de 2004 (fls. 1284 a 1286), o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional:

1) contra o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tendo por objecto a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP; e

2) contra o precedente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, tendo por objecto determinadas interpretações das normas: (i) dos artigos 363.º e 364.º, n.ºs 1 e 3, do CPP; (ii) do artigo 412.º, n.º 5, do CPP; (iii) do Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, e do artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 104.º do CPP; (iv) do artigo 103.º, n.º 1, do CPP; (v) do artigo 414.º, n.º 3, do CPP; e (vi) do artigo 412.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.

No Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 52/2005, de 1 de Fevereiro de 2005 (fls. 1321 a 1353), foi indeferida reclamação do recorrente contra Decisão Sumária do Relator, de 16 de Dezembro de 2004 (fls. 1293 a 1306), que decidira não tomar conhecimento do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (por o conhecimento desse recurso estar dependente do desfecho, com trânsito em julgado, da questão da recorribilidade desse acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça) e negar provimento ao recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (por não julgar inconstitucional, na esteira de anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional, a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP).

Indeferidos, pelo Acórdão n.º 112/2005, pedidos de aclaração do precedente Acórdão n.º 52/2005 e de reforma da decisão quanto a custas nele contida, o recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro – LTC), tendo por objecto:

1) o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Fevereiro de 2004, a propósito do qual pretendia ver apreciada as questões de inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional...

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