Acórdão nº 229/07 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 229/2007

Processo nº 1065/2006

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Nos presentes autos, o Tribunal Cível de Lisboa proferiu a seguinte decisão:

    De acordo com o artigo 66° do Código de Processo Civil, e 18° nº 1 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais são da competência dos Tribunais Judiciais somente as matérias que a lei não atribua a outra ordem jurisdicional.

    No caso concreto, pretende o requerente que o tribunal emita mandado, que lhe permita proceder à remoção de animais em número superior ao legal, conforme artigo 3° n.° 6 do Decreto-lei n.° 314/2003, de 17-12.

    A salvaguarda do ambiente e salubridade nos agregados populacionais são uma atribuição dos municípios (artigo 14° n.° 1 alínea h) da Lei n° 159/99, de 14 de Setembro), realizada em prol do interesse público.

    Logo, os actos a realizar pelo ente público competente serão necessariamente actos de gestão pública, por se compreenderem no exercício de um poder público, integrando a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não, eles mesmos, o exercício de meios de coerção.

    Assim, decorrendo da lei que o acto administrativo de que se pretende a sindicância é de gestão pública, por se compreender no exercício de atribuições e competências deferidas a uma entidade pública, deveria, à partida, a apreciação do pedido formulado caber aos Tribunais Administrativos, conforme artigos 4° n° 1 alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

    No mesmo sentido, vide os Ac. RC de 20-01-87, in Boletim do Ministério da Justiça nº 363, p. 609, Ac. RL 6-10-87, in Boletim do Ministério do Justiça n° 370, p. 602, Ac. RL 8-04-92, Boletim do Ministério da Justiça nº 416, p. 693 e Ac. da RE de 7 de Junho de 1990, Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, p. 280.

    Como se escreveu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 158/95, A decisão camarária é caracterizável com acto administrativo na medida em que há aí um comando de um órgão autárquico, prosseguindo e realizando interesses públicos relativamente à remoção de um animal de raça canina, com efeitos jurídicos sobre uma situação individual e num caso concreto.

    Ainda, no Ac. do Tribunal Constitucional n.° 579/95, de 20-11, escreve-se que: problema pressuposto pela decisão de inconstitucionalidade é assim, o da qualificação do acto camarário (a decisão de remoção dos animais) como exercício de função administrativa integrante do poder autárquico. A atribuição de competência aos tribunais de comarca para o recurso da decisão camarária apenas será duvidosa, no plano constitucional, na medida em que o problema anterior for resolvido no sentido da qualificação como acto administrativo da decisão camarária (...) ao prever que “as razões de salubridade ou tranquilidade da vizinhança” (...) são fundamento da decisão camarária de remoção dos animais em causa, integra uma tal decisão no âmbito (...) das atribuições cometidas às câmaras (...)

    A tranquilidade da vizinhança ou a qualidade de vida em que pode interferir a instalação de animais em habitações sem as devidas condições para que não resultem incómodos e perigos para a saúde não é um mero problema de conflito de direitos entre sujeitos privados, mas corresponde antes a uma ordenação geral da vida dos agregados populacionais, a um interesse público que compete às autarquias preservar e promover.

    Só para uma concepção liberal historicamente datada, segundo a qual os poderes públicos não englobam entre os seus objectivos a promoção de bens colectivos de interesse geral, nomeadamente a qualidade de vida dos habitantes das povoações, é que situações como as referidas (...) poderão ser identificadas como meros conflitos de interesses ou direitos entre sujeitos privados.

    Porém, na ordem jurídica do Estado de direito democrático e social, que sedimentou em direitos sociais que desenvolvem os direitos fundamentais individuais, a relevância autónoma dos conflitos de interesses conexionados com a vizinhança, o sossego e a tranquilidade de vida, coloca-se no plano de uma ordenação geral da vida colectiva destinada a assegurar um nível aceitável de qualidade de vida no espaço físico e no ambiente psicológico de cada indivíduo. É esse mínimo de ordenação que justifica medidas condicionantes do espaço de cada cidadão, em ordem a prevenir riscos para os outros.

    Uma tal necessidade de defender e preservar a qualidade de vida e o ambiente dos cidadãos nas relações de vizinhança justifica a subtracção de certas situações a uma pura ponderação de interesses sob a égide do direito...

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