Acórdão nº 230/07 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução28 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 230/2007

Processo n.º 647/06

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

    Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

    1. Relatório

    AUTONUM 1.Por despacho proferido no 2.º Juízo Cível do Tribunal de Instrução Criminal e de Comarca de Évora foi indeferida a reclamação da conta de custas elaborada nos autos de expropriação registados sob o n.º 130797, em que são expropriados A. e B., e é expropriante c., S.A..

    Notificados desta decisão, os reclamantes recorreram dela para o Tribunal da Relação de Évora, tendo, a concluir a sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

    III — Conclusões

  2. O n.º 2 art.º 66.º do Código das Custas Judiciais, que diz que “as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização”, deve ser interpretado no sentido de que o valor do depósito da indemnização, corresponde, na pior das hipóteses, ao valor máximo das custas.

    Este entendimento resulta claramente da letra da lei e do que entendemos terá sido o espírito do legislador, que, dada a variedade da realidade da vida, e sendo a generalidade característica da previsão normativa, não pode prever situações anormais, como é a do caso vertente.

    Não pode ser outra a interpretação dessa norma, pois como nos diz a doutrina sobre as regras de interpretação das normas jurídicas e a propósito da letra da lei ... A letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer isto dizer que o texto funciona também como limite da busca do espírito. (cfr. José de Oliveira Ascensão, “O Direito – Introdução e Teoria Geral”, 2.ª ed. Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 354)

    Assim, temos que concluir que as custas devidas pelo expropriado saem do depósito da indemnização e têm como limite o valor desse mesmo depósito.

  3. A decisão recorrida não aceitou a interpretação do n.º 2 art.º 66.º do Código das Custas Judiciais, no sentido de que o depósito da indemnização, corresponde, na pior das hipóteses, ao valor máximo das custas, por duas invocadas razões:

  4. – ter querido apenas o legislador com esta norma, consagrar uma solução prática que visasse garantir o crédito de custas,

  5. – o entendimento dos recorrentes implicar uma interpretação extensiva da norma, inadmissível face ao seu carácter excepcional.

    Não podemos aceitar a decisão tomada, nem as razões que a sustentaram, por considerarmos, quanto à 1.ª das razões invocadas na decisão recorrida, que só faria sentido o legislador ter querido com tal disposição legal, garantir o crédito das custas, se o valor dessas custas corresponder no máximo, ao valor do depósito da indemnização, pois de outra forma não fica garantido o crédito das custas.

    Quanto à 2.ª das razões invocadas encontra-se violado o artigo 11.º do Código Civil, pois as normas excepcionais admitem interpretação extensiva, pelo que, não tem razão a decisão recorrida.

    Também o Código Civil (art.º 9.º, n.º 2) determina que não pode ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, sendo que, a interpretação feita pela decisão recorrida, no sentido de que com o n.º 2 art.º 66.º do Código das Custas Judiciais, o legislador apenas pretendeu consagrar uma solução prática que visasse garantir o crédito de custas, não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

    Não tem razão a decisão recorrida, cuja interpretação não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ser revogada e substituída por Acórdão que consagre uma solução em que as custas devidas pelos expropriados/recorrentes, não excedendo o depósito da indemnização, sejam fixadas cerca dos 15.000€.

  6. É evidente que o legislador não quis sequer que o valor das custas “consumisse” o valor da indemnização, quanto mais que o excedesse, em centenas de milhares de euros.

    Foi esse o pensamento do legislador, pois existe na letra da lei correspondência literal, ainda que se possa considerar que o pensamento foi imperfeitamente expresso, por ausência de previsão, sob pena de violação, nomeadamente do princípio de justa indemnização por expropriação de utilidade pública, constante do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição Portuguesa.

    Assim, conclui-se que deverá ser revogada nesta parte a decisão recorrida e substituída por Acórdão, que defina critério, ou estabeleça especial redução, que leve a que as custas venham a ser fixadas em montante que não seja superior ao valor do depósito da indemnização, valor esse, que face a razões de proporcionalidade, se considera que deverá ficar próximo dos 15.000€.

    Caso assim não se entenda, o que não se admite, e a norma do 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais seja interpretada no sentido de que o depósito da indemnização não é o limite máximo das custas devidas pelos expropriados/recorrentes, ficam violados combinadamente os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais, consagrados nomeadamente artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição, bem como o princípio da justa indemnização por expropriação por utilidade pública, que é um direito de natureza análoga, constante do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, existindo inconstitucionalidade material.

  7. Para que melhor se entenda a situação desesperante dos expropriados/recorrentes e que não lhes é imputável qualquer tipo de censura, relacionada com o valor de indemnização que consideraram ser justo, não pode deixar de se afirmar que a disparidade entre o valor fixado pela arbitragem e o valor requerido pelos expropriados, resultou de estes últimos defenderem o direito à indemnização pela existência de uma pedreira no terreno expropriado.

    Não dispondo de conhecimentos técnicos que lhes permitissem avaliar o bem, socorreram-se da opinião de um conceituado geólogo que a avaliou em 3.640.000.000$00, (antigos escudos) tendo no decurso do processo no tribunal da comarca de Évora, sido ordenada oficiosamente a realização de uma perícia por três geólogos da Universidade de Évora, que veio a avaliar a pedreira num valor entre 1.583.500.000$00 e 1.945.500.000$00 (antigos escudos).

    Ainda que os expropriados tivessem podido antecipado o valor das custas, não poderiam ainda assim reduzir o pedido, pois tal redução careceria de justificação técnica.

    Aceitar que devessem os expropriados/recorrentes ter optado por não intentar a acção face ao risco das custas, consubstanciaria o reconhecimento da negação do acesso ao direito e aos tribunais por razões económicas e ficaria violado o princípio constitucional que prevê o direito ao acesso ao direito e aos tribunais, consagrado nomeadamente no 20.º, n.º 1, da Constituição, existindo inconstitucionalidade material.

  8. Ainda que se entenda que não é pela via da interpretação que se defendeu do n.º 2 art.º 66.º do Código das Custas Judiciais, que as custas devidas pelos expropriados devem ser fixadas em valor que respeite os princípios constitucionais nomeadamente da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais, o que não se admite, sempre o valor que vier a ser encontrado deverá respeitar tais princípios.

    O valor de custas encontrado por cálculo aritmético, no montante de 309.052,71€, resultante da rectificação da conta de custas quanto aos erros grosseiros de contagem, é ainda exorbitante e desproporcionado, incomportável para que os expropriados o possam pagar.

    Ora, a Constituição da República Portuguesa prevê que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).

    Também quanto à Administração Pública, a Constituição refere que os órgãos e agentes administrativos devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito, além do mais, pelo princípio da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), sendo que o princípio da proporcionalidade (ou da proibição do excesso), é um corolário do princípio da confiança, arraigado na ideia de Estado de Direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição e tem essencialmente a ver com a ideia de justa medida no quadro das desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins.

    A doutrina tem entendido que o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, comporta três vertentes, a da adequação, no sentido de as medidas restritivas deverem constituir o meio adequado à prossecução do fim visado pela lei, da sua exigibilidade por serem necessárias, e da proporcionalidade stricto sensu, no sentido de as medidas e os fins obtidos deverem situar-se em justa medida, isto é, aquelas não serem desproporcionadas ou excessivas em relação a estes (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra, 1993, págs. 127 e 128).

    Também neste sentido tem decidido a jurisprudência do Tribunal Constitucional, considerando que a contracção do acesso ao direito e aos tribunais, com a prossecução do interesse público constitucionalmente protegido com a tributação, deve ser avaliada à luz do princípio da proporcionalidade implícito no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição (Ac. do Tribunal Constitucional, n.º 1182/96, de 20 de Novembro de 1996, “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 35.º vol., pág. 447).

    Em Portugal vigora o regime da taxa fixa proporcional ao valor da causa, que tem muitas vezes e indiscutivelmente no caso dos autos, o inconveniente da desproporcionalidade entre o serviço judicial realizado e o seu custo. E sendo uma taxa, está sujeita às imposições e princípios constitucionais que lhe são aplicáveis, designadamente e em especial, o princípio da proporcionalidade.

    A doutrina tem-se pronunciado neste sentido, afirmando que, enquanto os impostos obedecem ao exigente princípio da legalidade fiscal e a sua medida tem por base o princípio da capacidade contributiva, as taxas (e demais tributos bilaterais) bastam-se com...

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