Acórdão nº 236/07 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução30 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 236/2007 Processo n.º 201/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. foi condenado, por acórdão de 18 de Julho de 2000, como autor de 3 crimes continuados de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelos artigos 172.º, n.º 1, 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, nas penas de 1 ano e 9 meses de prisão por cada um, e de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa por 3 anos. Na sequência de recurso criminal apenas por ele interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que pedia a anulação do julgamento (“por violação dos princípios da continuidade da audiência e da defesa do arguido”) e, subsidiariamente, a sua absolvição das indemnizações em que foi condenado (ou a redução dos respectivos montantes), foi, por acórdão de 5 de Abril de 2001 do STJ, anulada a sentença, “por não ter apreciado questões que devia ter conhecido: (in)capacidade judiciária civil das demandantes e (ir)regularidade das queixas criminais”, e, bem assim, a audiência de produção de prova que a antecedeu, “por não repetição da prova volvida ineficaz por excessiva descontinuidade da audiência”.

Na sequência da anulação assim decretada e do novo julgamento realizado, foi, por acórdão de 3 de Abril de 2002 do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Loulé, o arguido condenado, pela prática de três crimes de abuso sexual de menor na forma continuada, previstos e punidos pelos artigos 172.º, n.º 1, 30.º e 79.º do Código Penal, nas penas de 3 anos de prisão, 1 ano e seis meses de prisão e 1 ano e seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, tendo-lhe sido declarado perdoado um ano da pena de prisão nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, ficando tal pena reduzida a 3 anos e 6 meses de prisão; e tendo sido absolvido do último crime por que fora condenado no anterior acórdão.

Do novo acórdão condenatório interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo na respectiva motivação, além de outra questão (ilegitimidade do Ministério Público e prescrição dos procedimentos criminais por as queixas apenas terem sido apresentadas, no prazo legal, pelas mães das vítimas, desacompanhadas dos pais destas), suscitado a questão da violação da proibição da reformatio in pejus, em termos assim sintetizados nas correspondentes conclusões:

“10.ª – Tendo somente o arguido recorrido de decisão que o condenou e se na sequência desse recurso a audiência de prova vier a ser anulada, na nova audiência a que se proceda o arguido não poderá ser condenado em pena mais grave do que aquela que anteriormente lhe havia sido aplicada, sob pena de violação dos direitos e garantias fundamentais do arguido, consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República e artigo 61.º, n.º 1, alínea h), do Código de Processo Penal, e ofensa do princípio da reformatio in pejus.

11.ª – O princípio da reformatio in pejus constitui uma excepção ao regime dos efeitos das nulidades; isto é, em caso algum a sua declaração poderá conduzir a um agravamento da pena que haja sido aplicada ao arguido em julgamento anterior anulado.

12.ª – A não se entender que não são procedentes a invocada ilegitimidade do Ministério Público e consequente prescrição do procedimento criminal e a invocada inconstitucionalidade por violação dos direitos e garantias do arguido e ofensa do princípio da reformatio in pejus, é entendimento do arguido que a pena que ora lhe foi aplicada é exagerada, uma vez que nesta 2.ª audiência de produção de prova provaram-se menos factos e menos crimes do que naquela que foi anulada, sendo certo que nesta o arguido havia sido condenado em três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, pelo que, a haver punição do arguido, a pena deve manter-se naqueles limites.

13.ª – O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República, 178.º, n.ºs 1 e 2, e 113.º, n.ºs 3, 5 e 6, do Código Penal e 49.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP.

14.ª – (…) O tribunal recorrido interpretou ainda o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República e 61.º, n.º 1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP no sentido de que tais disposições não serão violadas quando em novo julgamento na sequência de anterior anulado, o arguido é punido em pena mais grave do que no primeiro, quando, na verdade, a proceder-se deste modo estar-se-á a violar o disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República e 61.º, n.º 1, alínea h), do CPP.”

Por acórdão do STJ, de 9 de Abril de 2003, foi negado provimento ao recurso, tendo, quanto à questão da violação da proibição da reformatio in pejus, sido consignado o seguinte:

“E tendo-se na devida atenção que somente o arguido interpôs recurso do 1.º acórdão, como aliás ocorreu também em relação a este último, que agora se aprecia, não deixa de apresentar-se como de todo em todo significativamente relevante interrogarmo-nos sobre se, face ao disposto no artigo 409.º, n.º 1, do CPP, poderá ele ver a sua situação penalizada e agravada face à 1.ª decisão, não obstante a anulação do primeiro julgamento e a realização de um novo julgamento.

Ora é inquestionável, e de todo incontornável, que foi o próprio arguido quem «quis» e «provocou» a referida anulação, ao impugnar a 1.ª decisão, e sem dúvida que o fez no seu exclusivo interesse, na expectativa de poder vir a ser beneficiado com um novo julgamento.

Uma expectativa legítima, refira-se, mas que não passava disso mesmo, de uma mera expectativa, porquanto de modo nenhum podia ele ignorar, nem minimizar, os possíveis contornos e as eventuais sequelas do novo julgamento por si provocado e peticionado, natural e consequentemente não podendo deixar de equacionar e de ficcionar como possível, aceitando e admitindo, uma outra produção de prova, uma outra qualificação dos factos, um outro juízo e uma outra decisão, punitiva ou absolutória.

Como, aliás, ocorreu no caso em apreço, com a sua absolvição do crime atinente à menor (…), e uma outra punição no que concerne às demais ofendidas.

E isto porquanto, no contexto concreto, lógico, natural e mesmo literal de toda e qualquer anulação, porque indexada a um apagamento e vinculada a um nada, face à inexistência de um qualquer referencial (condenação, absolvição, quantum da pena, etc.) que, subsistindo, preexistisse a esse novo julgamento e o condicionasse, não lhe era legítimo esperar que o tribunal não fosse livre na nova apreciação da prova e no emitir de um juízo, naturalmente novo e de modo nenhum predeterminado ou limitado pelo decidido no julgamento anterior, aliás anulado, sendo que a decisão então proferida efectiva e realmente desapareceu, inexistindo de todo em todo em si mesma, nos seus contornos e nos seus efeitos.

Até porque, havendo anulação, nada subsiste do anulado que se possa projectar no futuro, limitando ou condicionando.

Pelo que, o que se exara, é de todo incontornável que na situação em análise não vinga nem pode vingar o disposto no artigo 409.º, n.º 1, do CPP, não assistindo pois qualquer razão ao recorrente, sendo ainda de se acrescentar, sublinhando-se, que o princípio da proibição da reformatio in pejus, tal como lógica e naturalmente flúi do próprio preceito, economia do mesmo e sua expressão literal, e ainda de todo em todo resulta do seu próprio enquadramento sistemático (na parte dos recursos) e dos termos utilizados no todo da sua própria compreensão e extensão («… o tribunal superior não pode modificar ...»), não tem aplicação aquando da realização de um novo julgamento devido a anulação do anterior em recurso interposto só pelo arguido e no seu próprio interesse, mormente quando as razões que determinam tal anulação abarquem a decisão na sua globalidade, e não apenas um qualquer quantum de pena, ou uma parte limitada ou circunscrita da própria decisão.

Como no caso em apreço, diga-se, face ao acórdão deste STJ de 5 de Abril de 2001 acima referenciado.

Pelo que, e concluindo, não nos merece qualquer censura ou reparo o acórdão ora em análise, onde, aliás, não se vislumbra ter existido violação do disposto nos artigos 32.º, n.º 1, da CRP, 178.º, n.ºs 1 e 2, 113.º, n.ºs 3, 5 e 6, do Código Penal e 49.º, n.º 1, 61.º, n.º 1, alínea h), e 409.º, n.º 1, do CPP, considerando-se, por outro lado, ajustadas, correctas, legais e equilibradas as penas parcelares aplicadas ao recorrente no quadro espácio-temporal e concreto da factualidade dada como apurada e já fixada, e relativa à autoria de 3 crimes...

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