Acórdão nº 311/07 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução16 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 311/2007

Processo n.º 127/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos art.ºs 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença do mesmo Tribunal, de 11 de Dezembro de 2006, que denegou a aplicação das normas contidas nos números 1 e 2 do art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, “na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas, por violação do princípio de reserva de lei sobre a criação e determinação da incidência tributária, ou seja, na medida em que determinam a incidência de todo e qualquer imposto sobre as pessoas nelas referidas, sem que, para o efeito, o Governo estivesse autorizado a legislar pela Assembleia da República”.

2 – A decisão recorrida julgou procedente, com base em tal fundamento, a oposição deduzida por A. contra a execução fiscal que fora instaurada, originariamente, contra o B., para a cobrança de dívidas fiscais provenientes de IRS e de IVA, relativas a diversos períodos, e que, posteriormente, foi revertida contra o oponente, com base no facto de este figurar no “Livro de Tomadas de Posse das Direcções” como Presidente da Comissão Administrativa para a época 2002/2003.

3 – Na parte relevante para o juízo de inconstitucionalidade, então emitido, a sentença recorrida discorreu do seguinte jeito:

«Alega o Oponente que o nº 2 artigo 39º do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, é inconstitucional por ser uma verdadeira norma de incidência fiscal e não ter sido aprovado por Lei da Assembleia da República, nos termos do artigo 103º, nº 3, e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição, bem assim como por violação do princípio da igualdade tributária, uma vez que estabelece um regime de responsabilidade por dívidas de outrem diverso do regime geral, declaradamente excepcional.

Para apreciação desta alegação em sede de constitucionalidade, em primeiro lugar deve-se indagar se o regime da responsabilidade solidária se encontra ou não incluída no elenco de matérias que sejam objecto de reserva de lei da Assembleia da República.

Sobre as matérias tributárias existe reserva de lei, conforme é pacificamente aceite, no que se reporta à criação de impostos, sua incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, conforme dispõe o nº 2 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Embora já não tão pacificamente, mas aceite quase unanimemente, também se consideram ao abrigo da reserva de lei a liquidação e a cobrança dos impostos (regime previsto no nº 2 do citado preceito constitucional).

Desta forma, cumpre averiguar se, nalguns daqueles aspectos, não foi cumprido o princípio de reserva de lei, segundo o qual apenas a Assembleia da República pode legislar ou o Governo após autorização desta – vide alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição.

No que respeita à incidência (segundo requisito previsto no nº 2 do artigo 103º da CRP), tal aspecto deve ser analisado apenas no âmbito da questão aqui em apreço, ou seja, sobre a possibilidade de o pagamento do imposto incidir sobre alguém que não é o próprio contribuinte a quem o imposto foi liquidado (ou, se se quiser, ao devedor originário), mas a terceiro na primitiva relação jurídico tributária, que no caso serão os responsáveis solidários.

Antes de continuarmos cumpre referir que as normas de incidência determinam quem são os sujeitos na relação jurídico fiscal, quer pelo lado activo, quer pelo lado passivo.

A incidência do imposto é subjectiva, pessoal, quando respeita aos sujeitos, e objectiva, real, quando respeita à matéria colectável e às taxas.

(“Direito Fiscal”, Soares Martinez, Almedina, 10ª edição, 2003, pág. 126).

No caso dos autos, o que nos interessa será a incidência do lado do sujeito passivo.

Pois bem, tem sido entendimento unânime que o regime de responsabilidade (seja ela solidária ou seja subsidiária), coloca o responsável no “lado” passivo da obrigação do imposto. Veja-se a obra e autor acima citados (pág. 126), bem assim como Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, Almedina, 2ª edição, 2003, páginas 136 e 137.

Desta forma, a responsabilidade solidária mais não é do que uma norma de incidência tributária, segundo a qual o sujeito passivo fica “responsabilizado” pelo pagamento do imposto que esteja em causa, ao nível subjectivo, pessoal e patrimonial.

Devendo as normas de incidência declarar quem sejam os responsáveis (solidários ou substitutos, conforme já se referiu), verifica-se que tal regime deve ser estabelecido por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado ao Governo por aquele primeiro órgão de soberania.

É assim que na Lei de autorização de aprovação, por parte do Governo, da Lei Geral Tributária (que na realidade é um Decreto-Lei), se atribui expressamente ao Executivo a competência para legislar em matéria de responsabilidade e reversão.

Assim, a Lei nº 41/98, de 4 de Agosto, na alínea 15) do seu artigo 2º, autoriza o Governo a legislar em matéria de responsabilidade tributária solidária e subsidiária, definindo o âmbito e extensão dessa autorização.

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, refere no seu preâmbulo que: «No uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do nº 4 do artigo 30º da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 19/96, de 25 de Junho, (...), o Governo decreta o seguinte:».

No que respeita às duas últimas citadas Leis, cumpre dizer que as mesmas correspondem à Lei de Bases do Sistema Desportivo, a qual sobre o assunto em apreço nada dispunha, pelo que não conferia ao Governo qualquer autorização legislativa em matéria de responsabilidade tributária solidária.

No que concerne à Lei nº 53-C/96, de 27 de Dezembro (que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 1997), a mencionada alínea d) do nº 4 do artigo 30º autorizava o Governo a legislar relativamente ao imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRC), nos seguintes termos: «Harmonizar, em sede de IRC, os regimes aplicáveis aos clubes desportivos e às sociedades desportivas nos termos da legislação aplicável».

Ora bem, harmonizar o regime aplicável de IRC relativamente aos clubes e às sociedades anónimas desportivas não é norma habilitante para que o Governo possa determinar a incidência dos impostos sobre os responsáveis solidários pelo pagamento de qualquer tributo.

Na realidade, aquela autorização legislativa de harmonização do IRC nunca foi utilizada, sendo que apenas se vislumbra que a mesma possa querer dizer respeito à alteração ou revogação da isenção de IRC conferida aos clubes pelo artigo 11º do CIRC, ou pela eventual alteração ou revogação do beneficio fiscal que os mesmos detenham em sede de IRC, por força do disposto no artigo 52º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (à data então artigo 48º).

Assim se compreendia a autorização legislativa de harmonização de IRC entre clubes e sociedades anónimas desportivas, uma vez que ambos se encontravam (e encontrarão) a disputar o mesmo “mercado” (campeonato), com regimes fiscais diferentes, aparentemente disso beneficiando os clubes, mas já não as sociedades anónimas desportivas. (Dizemos aparentemente, uma vez que o nº 3 do artigo 11º do CIRC faz com que a isenção de IRC se tome mais gravosa para os clubes, uma vez que, como sujeitos isentos, não podem deduzir custos obtidos no exercício da sua actividade, mas podem ser tributados em IRC, quando exercem actividades comerciais, tenham rendimentos provenientes de publicidade e outros).

Devendo ser as normas de incidência definidas por Lei da Assembleia da República ou, mediante autorização desta, por Decreto-Lei emanado pelo Governo e, verificando-se que nem uma nem outra coisa sucede, resulta para a norma em crise uma inconstitucionalidade material.

Conforme refere o Professor Casalta Nabais (págs. 136 e 137 da citada obra), a incidência encontra-se ao abrigo do princípio de reserva de lei formal e de reserva de lei material (Veja-se, ainda, Soares Martinez, págs. 106 e 107 da supra citada obra).

Sendo o regime de responsabilidade tributária uma forma de incidência pessoal ou subjectiva que abrange os responsáveis solidários ou subsidiários e não contendo o Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, qualquer autorização legislativa para criar novos tipos de incidência fiscal, verifica-se que o seu artigo 39º se revela manifestamente inconstitucional, por violação do princípio de reserva de lei estabelecido no nº 2 do artigo 103° e na alínea i) do nº 1 do artigo 165º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Com a determinação da incidência sobre os dirigentes mencionados no artigo 39º do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, em especial no seu nº 2, sem que tal tivesse cumprido o princípio constitucional de reserva de lei, verifica-se as pessoas designadas naquele preceito não podem ser responsabilizadas (solidariamente, ou ainda que fosse subsidiariamente, com base naquela norma) pelo pagamento de quaisquer impostos que o contribuinte originário tivesse deixado de pagar.

Fazendo aqui um parêntesis, refira-se que para a situação do artigo 39º do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, vale o mesmo princípio no que respeita às contribuições para a Segurança Social, na medida em que a estas lhes são aplicáveis o regime da Constituição “fiscal” (veja-se Casalta Nabais, obra citada, pág. 603 - muito embora não estejam aqui em causa essas contribuições).

Face ao exposto, declaram-se materialmente inconstitucionais os números 1 e 2 do artigo 39º do Decreto-Lei 67/97, de 3 Abril, por violação do princípio de reserva de lei, uma vez que determinam...

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