Acórdão nº 471/07 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução25 de Setembro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 471/2007

Processo nº 317/07

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

(Conselheiro Benjamim Rodrigues)

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

Em acção, com a forma ordinária, com o valor de 1.598.350.814$00, proposta por A., S.A., contra o Município de Lisboa, que correu termos na 3ª Secção do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, com o nº 1243/96, foi elaborada a seguinte conta final de custas, da responsabilidade do demandante:

- Taxas aplicáveis:

Incidente de apoio judiciário:

€ 19,984,42

Processo:

€ 39.968,85

Recurso:

€ 39.968,85

- Reembolsos:

€ 106,80

- Procuradoria S.S.M.J.:

€ 1.199,07

- Procuradoria C.P.A.S.

€ 22.782,24

- Procuradoria à parte vencedora

€ 15.987,57

TOTAL -

€ 139.997,80

Taxas de justiça já pagas -

€ 1.359,22

Total a pagar -

€ 138.638,58

Tendo a Autora reclamado desta conta, foi proferido despacho que decidiu:

“- Não aplicar a Tabela de Custas anexa ao C.C.J., aprovado pelo Dec.Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, por padecer de inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da igualdade (artº 13º, 18º, nº 2, e 266º, nº 2, da C.R.P.);

- Determinar a reforma da conta nos termos previstos no artº 27º, do C.C.J., na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 324-2003, de 27-12, aplicando-se a respectiva Tabela de taxa de justiça.”

Desta decisão interpôs o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artº 70.º, nº 1, a), e 72.º, nº 3, da LTC.

Respondendo a convite do relator, no Tribunal Constitucional, o recorrente indicou como constituindo objecto do recurso de constitucionalidade a seguinte interpretação normativa:

“A norma que constava do artigo 13.º, n.º 1, CCJ, na versão emergente do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26/11, conjugada com a tabela constante do anexo I, interpretada em termos de o montante das custas decorrente do decaimento nas acções, incidentes e recursos – por referência a uma acção ordinária de € 7.972.540,25 – ser calculado em função de tal valor, sem que se preveja a aplicação de qualquer limite máximo e havendo lugar ao pagamento do montante remanescente das custas, mesmo que o processo termine antes de concluída a fase de discussão e julgamento da causa”.

O recorrente concluiu do seguinte modo as suas alegações de recurso:

“A norma constante do artigo 13° nº 1, Código das Custas Judiciais, na versão emergente do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugada com a tabela constante do anexo I, interpretada em termos de o montante das custas decorrente do decaimento numa acção visando efectivar a responsabilidade civil de uma autarquia e respectivos incidentes e recursos – por referência a uma acção ordinária de €7.972.540,25 – ser calculado em função de tal valor, sem que se preveja a aplicação de qualquer limite máximo e havendo lugar ao pagamento do remanescente das custas, mesmo que o processo termine antes de concluída a fase de discussão e julgamento (implicando tributação da parte vencida em €138.638,58), não viola os princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.

Na verdade, tal tributação dessas acções de valor consideravelmente elevado não implica quebra da estrutura bilateral ou sinalagmática das taxas, representando a ponderação – não apenas do valor de custo do serviço em causa – mas também do valor presumivelmente resultante da utilidade obtida através do recurso ao tribunal e da normal complexidade e delicadeza que está subjacente à generalidade dos litígios que envolvem valores dessa natureza.

Não funcionando o princípio da igualdade em termos diacrónicos, não é possível realizar uma comparação entre tal regime, decorrente da versão de 1996 do Código das Custas Judiciais, e o actualmente estabelecido no artigo 27º, representando uma ponderação inovatória e constitutiva do legislador que não pressupõe a inconstitucionalidade da solução que constava da lei anteriormente vigente.

Termos em que deverá proceder o presente recurso.”

Por sua vez, A., S.A., concluiu, do seguinte modo, as suas contra-alegações:

“O valor das custas liquidado à recorrida por aplicação do artigo 13º do Código das Custas Judiciais, na versão emergente do Decreto-Lei nº224-A/96, de 26 de Novembro, conjugado com a Tabela Anexo I do mesmo Código – cerca de € 140.000, numa acção sem complexidade e que findou no saneador – é manifestamente desproporcional e alheio aos custos que a tramitação com o processo envolve para o Tribunal, configurando um verdadeiro imposto.

Não constando a Tabela Anexa ao C.C.J. de qualquer Decreto-Lei emitido a coberto de autorização legislativa da Assembleia da República, a mesma tabela e os normativos que determinam a sua aplicação enfermam de inconstitucionalidade orgânica, ex vi do disposto nos artigos 103º e 165º/1/i) da Constituição.

O artigo 13º nº 1 do Código das Custas Judiciais, na versão emergente do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, conjugado com a Tabela Anexo I, interpretado no sentido do montante das custas decorrente do decaimento de uma acção de responsabilidade civil de um Município julgada improcedente antes da realização da audiência de discussão e julgamento dever ser calculado em função do valor da acção sem limite máximo e havendo lugar ao pagamento do remanescente das custas (implicando no caso a liquidação da quantia de 138.638,58 €), é materialmente inconstitucional por ofensa aos princípios da justiça, proporcionalidade e da igualdade (v. arts. 13º, 18º/2 e 266º/2 da Constituição), pelo que não deve ser aplicado, como muito bem se entendeu nos autos ex vi do disposto no artigo 204º da CRP.

A aplicação dos normativos da Tabela de C.C.J. que o Tribunal de 1ª Instância se recusou aplicar com fundamento na sua inconstitucionalidade, conduz – em situações como a patenteada nos autos – a resultados manifestamente desproporcionados atendendo à actividade judicial desenvolvida, estando por isso ainda em causa a violação do princípio da igualdade, bastando atentar a situações em tudo idênticas em termos de prestação de serviço (v.g. acções administrativas de responsabilidade civil extracontratual de valor inferior).

A fixação do valor da acção como critério de incidência da taxa judicial a cobrar resulta igualmente na violação dos princípios da justiça, da uniformidade, e da igualdade tributária, conduzindo à liquidação de taxas muito elevadas nuns casos e irrisórias noutros, em processos de igual complexidade processual.

A Tabela de Custas do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro e os normativos que determinam a sua aplicação, ao tributarem os incidentes de pedidos de apoio judiciário unicamente em função do valor formulado na acção e sem qualquer limite máximo, enfermam de inconstitucionalidade material também, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça (v. arts. 20º e 268º/4 da Constituição), pelo que não deveriam, também por essa razão, ser aplicados ex vi do disposto no artigo 204º da Constituição.”

Houve mudança de relator

*

Fundamentação

  1. Do objecto do recurso

O tribunal recorrido recusou “a aplicação da Tabela de Custas anexa ao C.C.J., aprovado pelo Dec.Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, por padecer de inconstitucionalidade material, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

É desta recusa, com fundamento em inconstitucionalidade material, que foi interposto o presente recurso.

Foi a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:

A questão sub judice resulta, em síntese, do apuramento de uma conta de custas cujo montante a A. entende ser manifestamente desproporcionado em função da actividade judicial desenvolvida e também da aplicação de regras de custas aos pedidos de apoio judiciário que, no argumentário da A., dissuadem os cidadãos a peticionar tal pedido.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido chamada a pronunciar-se sobre esta matéria, concluindo que o direito de acesso aos tribunais não inclui o direito a litigar gratuitamente, uma vez que inexiste qualquer princípio constitucional de gratuitidade no acesso à justiça, gozando o legislador de ampla margem de liberdade na fixação dos montantes das custas judiciais, podendo optar por uma justiça mais cara ou mais barata.

Porém, o instituto do apoio judiciário, visando temperar os malefícios de um sistema assente na onerosidade da justiça, tal como está construído permite extrair duas conclusões: em primeiro lugar que os economicamente carenciados não podem ver ser posto em causa o acesso ao direito e aos tribunais, daí se justificando a dispensa de pagamento, total ou parcial, das custas judiciais e até dos honorários dos advogados. Em segundo lugar, se assim é para os economicamente desfavorecidos, então os demais cidadãos não devem suportar custas judiciais desproporcionadas em relação ao custo do serviço de que usufruíram sob pena de grave distorção e desequilíbrio gerador de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade (art. 13º, e 266º, nº 2, da CRP).

Nesta perspectiva o montante das custas judiciais a pagar em cada caso concreto deveria ser legislativamente determinado em função dos rendimentos do responsável pelo seu pagamento, do trabalho a que deu causa e da complexidade das matérias que submeteu a juízo e não, como sucede no sistema actual, através de critérios que apenas têm em conta o valor da acção, pese embora atenuados com mecanismos de redução segundo a fase processual em que terminam os autos.

Mas esse sistema ideal não é, como se compreende, facilmente implementável, o que tem levado o Tribunal Constitucional a ser particularmente cauteloso na abordagem desta questão, apenas admitindo a inconstitucionalidade das normas que densificam os critérios de fixação dos montantes das ajudas de custo quando da aplicação das mesmas resulta tomar-se incomportável o custo da demanda para o utente em concreto, isto é, quando se torna insuportável ou especialmente...

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