Acórdão nº 19/06 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução06 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 19/06

Processo n.º 221/2005

  1. Secção

    Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

    I

    Relatório

    1. A. e B., impugnaram judicialmente, no Tribunal Tributário de Aveiro, a liquidação de IRS referente ao ano de 1996. A impugnação foi julgada improcedente, pelo que os impugnantes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

      As alegações apresentadas foram concluídas do seguinte modo:

      1. À recorrente foi atribuída pela autoridade de saúde competente, em 14 de Julho de 1994, a incapacidade permanente de 71%, existente desde há dez anos atrás, com referência à data de emissão do atestado;

      2. A avaliação da incapacidade é um acto administrativo, titulado por atestado médico, sujeito a recurso hierárquico necessário e a recurso contencioso, mas não é um mero meio de prova por ser o titulo de uma decisão pré judicial sujeita a impugnação judicial autónoma sendo certo que os efeitos jurídicos estatuídos pelo acto de avaliação médica da incapacidade se impõem à administração fiscal por força do princípio da unicidade da administração directa do Estado, já que são a expressão da vontade da mesma pessoa colectiva;

      3. Assim, nos termos do n° 44 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo D.L. n.º 215/89, de 1 de Julho, a recorrente goza do direito de isenção de tributação do IRS, em 50%, quanto aos rendimentos das categorias A e B e, em 30%, quanto ao rendimento da categoria 11, com os limites aí previstos;

      4. Na verdade, “o D. L. N.º 202/96, de 23 de Outubro, não é aplicável ao caso sub judice, pois que, regendo para o futuro, as novas condições que expressamente estabelece para a quantificação da incapacidade fiscalmente relevante só operam nos processos de avaliação de incapacidade pendentes à data da sua entrada em vigor - seu art. 7° e, naturalmente data posterior e nem o referido diploma legal ou qualquer outro sancionou com invalidade jurídica ou recomendou se desconsiderassem os certificados de incapacidade até então emitidos pela autoridade de saúde competente, mediante recurso aos critérios de determinação de incapacidade fixados pela TNI, aprovada pelo D.L n.º 341/93, de 30.09, e até então em vigor, certificados que, até então também, como foi o caso, sempre foram aceites quer pela Administração Fiscal, quer pelos Tribunais - Cf. jurisprudência da 2ª Secção do STA, por todos, o acórdão de 15.12.99, processo n.º 24.305 “(na esteira da douta declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Alfredo Madureira, consignado no Acórdão da 2ª Secção do Pleno do S.T.A., processo 0962B/02 de 2711-2002.

      5. A circular 1/96 é orgânica e formalmente inconstitucional, pois que “o Director Geral de Impostos não tem competência para, por meio de circular de eficácia externa tratar de matérias incluídas na reserva de Lei Fiscal e, por isso, usurpou os poderes fiscais da Assembleia da República, por violação do exposto no artigo 165°, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa, interpretado no n.º 8, n.º2, alíneas c) e e) da Lei Geral Tributária”, e, por outro lado, “trata de matéria fiscal por meio de um regulamento, quando a única forma legal de tratar essa matéria é por meio de Lei ou Decreto-Lei autorizado, nos termos do n.º 2 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa”;

      6. No caso sub judice, “o Fisco não tomou em consideração uma decisão da autoridade de saúde competente, que tinha passado de caso decidido ou resolvido, com a força de caso julgado, pelo que o acto de liquidação impugnado, bem como as normas em que se baseou, violam o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito (art. 2° da Constituição da República Portuguesa). Não compete ao Fisco invalidar os actos administrativos praticados pela autoridade de saúde ou privá-los de eficácia”, ainda na esteira do douto parecer do Ex.mo Senhor Conselheiro Almeida Lopes.

      7. Assim, o decidido está inquinado de erro na interpretação e aplicação do direito, designadamente do art. 44 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo D.L. 215/89, de 1 de Julho, seus n.ºs 1 e 5; DL n.º 341/93, de 30/09, que aprovou a Tabela Nacional de Incapacidades, designadamente a alínea c), n.º 5, das suas Instruções Gerais; alínea a) de Base VII da Lei n.º 6/71, de 8/11, art. 18 da Lei n.º 9/89, de 2/5, e art. 8, n.º I, alínea a), I) do D.L n.º 336/93, de 29 de Setembro; n.º 4 do art. 12 do Estatuto de Benefícios Fiscais; alínea e), n.º 5, Anexo I, n.º 1 do art. 4 e art. 7 do D.L. 202/96, de 23/10, e n.º 5 do art. 68° da Lei Geral Tributária; ou, se assim se não entender, sem conceder, por todas as razões alegadas, sempre a decisão estará inquinada do vício de inconstitucionalidade, nos termos da alínea i), n.º 1, do art. 165, n.ºs 2 e 3 do art. 103, n.º 8 do art. 112, artigos 2, 71, 12 e 18 da Constituição da República Portuguesa e, sendo o art. 7, n.º 2, e a alínea e) do n.º 5, Anexo I, do D.L. 202/96, de 23 de Outubro, na interpretação contida na douta declaração de vencido do Ex.mo Senhor Conselheiro, inconstitucionais, nos termos do n.º 5 do art. 4 do ETAF, sempre o Tribunal a quo deveria ter recusado a aplicação dessas normas.

      Termos em que, com os de douto suprimento, deverá o presente recurso merecer provimento e, por efeito, ser declarado nulo o acto de liquidação adicional impugnado, com as devidas e legais consequências.

      O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 19 de Janeiro de 2005, entendeu o seguinte:

      3 - A primeira questão que os Recorrentes colocam, nas conclusões 1.ª a 3.ª das suas alegações, é a de pelo facto de ter sido atribuída em atestado médico emitido em 1994 uma incapacidade permanente de 71 %, à primeira Recorrente, a administração tributária estar impedida de deixar de considerar essa incapacidade para efeitos de liquidação de I.R.S. do ano de 1996.

      O art. 119.º do C.I.R.S. na redacção vigente tanto em 1996 (ano a que se refere a liquidação impugnada), como em 1999 (data em que a liquidação foi efectuada), estabelece o seguinte:

      Artigo 119.º

      Obrigação de comprovar os elementos das declarações

      1 - As pessoas sujeitas a IRS deverão apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração, quando a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos os exija.

      2 - A obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os cinco anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.

      3 - O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.

      Do n.º 1 deste artigo resulta inequivocamente que a Administração Fiscal pode exigir aos sujeitos passivos do I.R.S. a apresentação de documentos comprovativos de factos ou situações mencionados nas declarações.

      Não estabelecia a legislação vigente entre 1996 e 1999 qualquer limitação específica deste poder da Administração Fiscal de exigir tais documentos comprovativos, pelo que tal poder apenas poderia ser limitado pelos princípios constitucionais que devem reger a generalidade da actividade administrativa, indicados no art. 266.º da C.R.P., cuja violação não foi invocada pelos impugnantes.

      Por outro lado, a situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é a que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeita, só se excepcionando os casos de falecimento de um dos cônjuges (art. 14.º, n.º 7, do C.I.R.S., na redacção introduzida pelo art. 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/90, de 28 de Dezembro, vigente em 1996).

      O atestado médico invocado pelos Recorrentes emitido em 1994, não podia, obviamente, comprovar a existência de uma situação de invalidez no último dia de 1996.

      Na verdade, por um lado, as situações de deficiência qualificadas como invalidez permanente são susceptíveis de evolução, quer no sentido de agravamento quer no de melhoria. Essa possibilidade de melhoria, está mesmo reconhecida legislativamente, por forma genérica, na Base XXII, n.º 1, da Lei n.º 2127, de 3-8-1965, no art. 25.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e no art. 63.º do Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho.

      Por isso, havendo esta possibilidade de melhoria, é manifesto que um atestado emitido em 1994 não fornecia qualquer garantia de que em 31-12-1996 o grau de invalidez referido no atestado se mantivesse. Consequentemente, não se pode considerar injustificado que a administração tributária exigisse a comprovação da manutenção nesta última data do grau de invalidez declarado.

      4 - Para além disso, após a data da emissão do atestado referido, o Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, introduziu alterações à forma de cálculo das deficiências, relativamente à que resultava do Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, que era aplicado ao tempo em que foi emitido o atestado apresentado pelo impugnante.

      Aquele Decreto-Lei n.º 202/96, constatando que «Face à inexistência de normas específicas para a avaliação de incapacidade na perspectiva desta lei, tem sido prática corrente o recurso à Tabela Nacional de Incapacidades (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, perspectivada para a avaliação do dano em vitimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais, de forma a possibilitar alguma uniformização valorativa a nível nacional» e que era necessário «no âmbito da avaliação de incapacidade de pessoas com deficiência», «proceder à actualização dos procedimentos adoptados, nomeadamente de forma a melhor adequar a utilização da actual TNI ao disposto na Lei n.º 9/89, de 2 de Maio» introduziu alterações relativas ao cálculo das incapacidades, estabelecendo «princípios gerais que devem ser seguidos aquando da utilização da Tabela Nacional de Incapacidades para a avaliação de incapacidade em deficientes civis» (n.º 1 do anexo I àquele Decreto-Lei n.º 202/96).

      Entre estas especialidades da avaliação de incapacidades para efeitos...

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