Acórdão nº 23/06 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução10 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 23/06[1]

Processo n.º 885/05

Plenário

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. O Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, como representante do Ministério Público, veio requerer em 4 de Novembro de 2005, nos termos do artigo 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante dos artigos 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, enquanto prevê a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade, em regra, a partir dos 20 anos de idade do filho.

      Referiu o requerente que tal norma foi julgada inconstitucional, por violação do princípio das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, através do acórdão n.º 486/04, de 17 de Julho, da 2.ª Secção, confirmado pelo acórdão n.º 11/05, do Plenário, de 12 de Janeiro, e das decisões sumárias n.ºs 114/05, de 9 de Março, e 288/05, de 4 de Agosto.

      As normas do Código Civil que constituem objecto do pedido dispõem como segue:

      “Artigo 1817.º

      1 – A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

      2 – Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a acção pode ser proposta no ano seguinte à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, contanto que a remoção do obstáculo tenha sido requerida até ao termo do prazo estabelecido no número anterior, se para tal o investigante tiver legitimidade.

      3 – Se a acção se fundar em escrito no qual a pretensa mãe declare inequivocamente a maternidade, pode ser intentada nos seis meses posteriores à data em que o autor conheceu ou devia ter conhecido o conteúdo do escrito.

      4 – Se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe, sem que tenha cessado voluntariamente esse tratamento, a acção pode ser proposta até um ano posterior à data da morte daquela; tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho, a acção pode ser proposta dentro do prazo de um ano a contar da data em que o tratamento tiver cessado.

      5 – Se o investigante, sem que tenha cessado voluntariamente o tratamento como filho, falecer antes da pretensa mãe, a acção pode ser proposta até um ano posterior à data da morte daquele; tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho antes da morte deste, é aplicável o disposto na segunda parte do número anterior.

      6 – Nos casos a que se referem os n.ºs 4 e 5 incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento no ano anterior à propositura da acção.”

      “Artigo 1873.º

      É aplicável à acção de investigação de paternidade, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1817.º a 1819.º e 1821.º.”

    2. O pedido formulado fundamenta-se na circunstância de a norma referida ter sido julgada inconstitucional, pelo Tribunal, em três casos concretos.

      Estes casos concretos, em que tal norma foi julgada inconstitucional, foram os decididos pelos acórdão n.º 486/04, de 7 de Julho de 2004, da 2.ª Secção, confirmado pelo acórdão do Plenário n.º 11/05, de 12 de Janeiro de 2005, e pelas decisões sumárias n.ºs 114/05 e 288/05, de 9 de Março de 2005, da 3.ª Secção, e de 4 de Agosto de 2005, da 1.ª Secção, respectivamente.

      Em todas as decisões referidas o Tribunal considerou que a norma em causa viola as disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.

      Admitido o pedido, foi notificado o Primeiro-Ministro para, querendo, se pronunciar, no prazo de 30 dias, o que veio a fazer em 5 de Dezembro, oferecendo o merecimento dos presentes autos.

      Cumpre apreciar e decidir.

  2. Fundamentos

    1. Não há dúvida de que se verificam os pressupostos do pedido previstos nos artigo 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e artigo 82.º da Lei do Tribunal Constitucional, pois nas três decisões indicadas pelo requerente foi julgada inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma do artigo 1817.º, n.º 1, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, enquanto prevê, para a caducidade do direito de intentar acção de investigação da paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade.

      A fundamentação do aludido juízo de inconstitucionalidade foi carreada ao acórdão n.º 486/04, confirmada pelo acórdão n.º 11/05, e mantida, com remissão para estes acórdãos, pelas decisões sumárias n.ºs 114/05 e 288/05. Recorde-se tal fundamentação:

      9. O Tribunal Constitucional já se debruçou várias vezes sobre a questão da constitucionalidade dos prazos para propositura de acções de investigação de paternidade.

      Fê-lo, quanto ao artigo 1817.º, n.ºs 3 e 4 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro), nos acórdãos n.ºs 99/88 (publicado no DR, II Série, de 22 de Agosto de 1988) e 370/91 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 409, págs. 314 e segs.), nos quais concluiu pela inexistência de inconstitucionalidade – embora, neste último aresto, apenas desde que a norma do n.º 4 fosse “interpretada no sentido de que a cessação do tratamento como filho só ocorre quando, continuando a ser possível esse mesmo tratamento, o pretenso pai lhe ponha voluntariamente termo” (solução que veio a ficar consagrada na lei em 1998).

      Por sua vez, nos acórdãos n.ºs 413/89 (DR, II Série, de 15 de Setembro de 1989), 451/89 (DR, II Série, de 21 de Setembro), 311/95 (inédito), e, por último, 506/99 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44.º vol., pág. 763), o Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 1817.º, n.º 1.

      Recentemente, pelo acórdão n.º 456/2003, tirado nesta 2.ª secção, foi apreciada, num recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, a constitucionalidade da norma do artigo 1817.º, n.º 2, aplicável por força do artigo 1873.º do Código Civil, num caso em que estava em causa saber se ficava impedida “a investigação de paternidade a quem, depois dos 20 anos (no caso, 31 anos, como se mencionou), for surpreendido pela procedência de uma acção de impugnação da sua paternidade instaurada por um terceiro (aqui, pela pessoa que era tida como seu pai)”. Tendo o presumido pai impugnado com sucesso a presunção de paternidade, o filho, apesar de ter ficado com a paternidade em branco, estava impedido de intentar acção de investigação da paternidade, já que o n.º 2 do artigo 1817.º exige que a remoção do obstáculo (no caso, o cancelamento do registo inibitório) seja requerida até ao termo do prazo estabelecido no número anterior, de dois anos após a maioridade ou emancipação, o qual já havia expirado há muito. O Tribunal negou provimento ao recurso por ter concluído pela inconstitucionalidade da norma em questão, por violação do direito à identidade pessoal.

      Tal aresto não se pronunciou, porém, sobre a conformidade com a Constituição do regime geral do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, ao limitar aos “dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação” a possibilidade de o interessado, sem paternidade estabelecida (como no presente caso) interpor acção de investigação de paternidade, mantendo-se, quanto a tal norma, a jurisprudência deste Tribunal, consubstanciada nos arestos citados, que têm concluído pela não inconstitucionalidade dessa limitação temporal.

      A linha central de fundamentação dessas decisões assenta na consideração de que as normas em questão – e em particular o n.º 1 do artigo 1817.º, agora em causa – resultam de uma ponderação de vários direitos ou interesses contrapostos, a qual conduz, não propriamente a uma restrição, mas a um condicionamento aceitável do exercício do direito à identidade pessoal do investigante. Tal ponderação é resumida, claramente, logo no citado acórdão n.º 99/88 – e retomada em vários dos posteriores arestos citados –, designadamente no seguinte trecho:

      “Tudo está em que, face ao direito do filho ao reconhecimento da paternidade, se perfilam outros direitos ou interesses, igualmente merecedores de tutela jurídica: em primeiro lugar, e antes de mais, o interesse do pretenso progenitor em não ver indefinida ou excessivamente protelada uma situação de incerteza quanto à sua paternidade, e em não ter que contestar a respectiva acção quando a prova se haja tornado mais aleatória; depois, um interesse da mesma ordem por parte dos herdeiros do investigado, e com redobrada justificação no tocante à álea da prova e às eventuais dificuldades de contraprova com que podem vir a confrontar-se; além disso, porventura, o próprio interesse, sendo o caso, da paz e harmonia da família conjugal constituída pelo pretenso pai. É o equilíbrio entre o direito do filho e este conjunto de interesses que normas como as dos n.ºs 3 e 4 do art.º 1817.º do Código Civil visam assegurar, sem que se possa dizer que o façam de modo desproporcionado (isto é, com excessivo sacrifício daquele direito) – quer considerado o estabelecimento, em si, de prazos de caducidade, quer considerada a duração de tais prazos. E como todos os interesses em presença não deixam igualmente de encontrar ressonância constitucional – seja ainda nos art.ºs 25.º, n.º 1 (integridade moral), e 26.º, n.º 1 (direito à reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar), seja no art.º 67.º (protecção da família), seja só no valor da segurança e certeza do direito, já que a tal valor objectivo, que intimamente se conexiona com o direito à protecção jurídica (art.º 25.º), não pode negar-se semelhante dignidade num Estado justamente ‘de direito’ – eis como não pode ver-se excluída pela...

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