Acórdão nº 50/06 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução17 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 50/2006

Processo nº 525/05

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

    I- A causa

    1. A Câmara Municipal do Porto recorre a fls. 429 – sendo recorridas A. e B. – para este Tribunal do Acórdão, constante de fls. 419/422, do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que julgou findo, por apresentação tardia das alegações, um recurso fundado em oposição de julgados pretendido interpor pela Câmara Municipal do Porto.

    Para uma exacta compreensão do que está em causa no presente recurso de constitucionalidade, importa relatar sucintamente o percurso processual que conduziu o processo à presente fase decisória.

    1.1. Interpuseram as ora recorridas (fls. 2/9), para o STA – e assim teve inicio o processo –, um recurso contencioso de anulação respeitante a um Despacho, da autoria do Senhor Secretário de Estado da Administração Local, declarando a utilidade pública e atribuindo carácter urgente à expropriação de determinadas parcelas tidas por necessárias à execução, pela autarquia aqui recorrente, de um empreendimento denominado “…)”.

    O STA, através do Acórdão de fls.143/173, negou provimento a tal recurso, decisão que motivou a interposição, por parte das aqui recorridas, de um recurso “[…] em 2ª instância, para o pleno da secção do contencioso administrativo” (fls. 179).

    Recaiu sobre este último o Acórdão de fls. 263/279 do Pleno da 1ª Secção do STA. Neste aresto, por se considerar “[…] o acto impugnado[…] ilegal, por erro nos pressupostos”, concedeu-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e anulando-se o acto objecto da referida impugnação contenciosa (cfr. Fls. 279).

    1.2. Inconformada, apresentou-se a Câmara Municipal do Porto (requerimento de fls. 286/287) a pretender recorrer, com fundamento em oposição de julgados, para o Plenário do STA. Admitido este recurso (cfr. Despacho de 23/06/2004 a fls. 288) e notificada à recorrente tal admissão, por carta registada de 24/06/2004 (cfr. Fls. 289), apresentou a recorrente as respectivas alegações no dia 30/09/2004 (cfr. Fls. 350 e 352/357). Suscitaram, então, as recorridas (cfr. Contra-alegações de fls.370/374) a questão da extemporaneidade daquelas alegações, por inobservância do prazo de 10 dias que, por aplicação conjugada dos artigos 765º, nº3 e 153º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC), consideram aplicável.

    1.3. Pronunciando-se quanto a esta posição – que o Ministério Público, aliás, acompanhou a fls. 375 e vº – apresentou a recorrente a resposta de fls.377/387, da qual consta o seguinte trecho:

    “[…]

    A interpretação segundo a qual é ainda aplicável o prazo previsto no já revogado artigo 765º do CPC seria inconstitucional, devendo

    ser observado o princípio da interpretação conforme com a Constituição.

    Na verdade, tal interpretação implica a sobrevivência de normas já revogadas, sem que exista qualquer disposição que manifestamente estabeleça essa sobrevivência, tendo por finalidade contrariar ou corrigir o legislador – com o que se viola o princípio da preeminência de lei consagrado no artigo 112º, nº 2, da CRP.

    Outrossim, ao estabelecer uma diferenciação entre os prazos superiores aos desta, tal interpretação viola os princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos artigos 13º e 20º da CRP.

    Acresce ainda que, também do ponto de vista constitucional, o direito fundamental de recurso “não se satisfaz com a disponibilidade teórica de meios de impugnação, requerendo antes a efectividade dos meios de protecção jurídica” – pelo que há que averiguar se a dimensão do prazo impossibilita na prática o exercício da garantia constitucional” (Sérvulo Correia, p. 391).

    Por tudo o que se vem expondo neste ponto, há que fazer uma interpretação favorável ao recurso.

    Ora é justamente nesse sentido que deve ser visto o CPTA: ao estabelecer no artigo 152º o prazo de 30 dias para alegações no recurso para uniformização de jurisprudência, o legislador deu um sinal claro de que a verificação dos pressupostos de oposição de acórdãos não prescinde desse prazo em processo administrativo.

    Como tal, o artigo 152º do CPTA deve, nessa medida, ser visto como uma lei interpretativa, não podendo suscitar-se dúvida quanto ao prazo de 30 dias para alegação em sede de recurso fundado em oposição de acórdãos.

    1. A inconstitucionalidade

      Por cautela processual e dever de patrocínio, para o caso de se vir a decidir que é aplicável o prazo previsto no já revogado artigo 765º do CPC, a Câmara Municipal deixa desde já arguida a correspondente inconstitucionalidade.

      Fá-lo a Câmara para efeitos do previsto nos artigos 70º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional e com fundamento nos argumentos aduzidos no ponto anterior, que se dão aqui por reproduzidos: a violação do princípio constitucional da preeminência da lei consagrado no artigo 112º, nº 2, e dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos artigos 13º e 20º.[…]”

      1.4. Proferiu, então, o Pleno do STA o Acórdão de fls. 419/422 – a decisão objecto de impugnação neste recurso de constitucionalidade – do qual se transcrevem as passagens que apresentam relevância para a questão a apreciar por este Tribunal:

      “[…]

      À questão suscitada interessam os seguintes factos:

    2. A ora recorrente interpôs recurso para o Plenário deste S.T.A. por intermédio do requerimento de fls. 286, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.

    3. O recurso foi recebido pelo despacho de fls. 288, do qual a recorrente foi notificada por ofício postal expedido em 24.6.04 (fls.292).

    4. Em 30.9.04 deram entrada, por fax, as “alegações” da recorrente.

      […]

      Constitui jurisprudência largamente dominante que, “apesar da revogação dos arts. 763º a 770º do C.P.C., ditada pelos arts. 3º e 17º, nº 1, do Dec-Lei nº 329-A/95. de 12.12, à tramitação do recurso por oposição de julgados no S.T.A. são ainda aplicáveis aquelas normas, em particular as dos arts. 765º e 767º. Neste sentido, podem citar-se, entre outros, os acórdãos do Pleno de 27.6.01, procº. Nº 25.596, 26.11.02, proc.º nº 47.995, 17-6-04, proc.º nº 2.017/02, e de 13.10.04, proc.º nº 743/04.

      Por continuar a merecer a nossa preferência, e não ter sido validamente contraditada, com argumentos novos, pelas alegações da recorrente, adere-se a tal doutrina, pelos fundamentos constantes dos arestos citados, que seria ocioso reproduzir.

      Resta, no entanto, desatender a arguição de inconstitucionalidade feita nas alegações recorrente.

      Parece claro que não pode estar em causa a dimensão concreta do prazo aplicável. O prazo de 10 dias de modo algum compromete o exercício da garantia constitucional de tutela efectiva, sendo perfeitamente adequado à prática do acto processual a que corresponde. É preciso não esquecer (embora a recorrente tenha confundido este aspecto, como adiante se verá) o restrito âmbito desta alegação: não se trata de apresentar uma alegação que procure demonstrar qual dos entendimentos em oposição deve prevalecer, mas apenas de evidenciar que entre os arestos em confronto existe efectiva oposição.

      Também não colhe o argumento da violação da igualdade pela diferenciação entre os prazos vigentes na jurisdição administrativa e na comum. Desde logo, é inaceitável que as especificidades do contencioso administrativo reclamem, por natureza, prazos superiores aos do processo civil. Depois, esse confronto não é em boa verdade possível, face à abolição, na jurisdição comum, do recurso por oposição de julgados.

      Finalmente, quanto à hipotética inconstitucionalidade por sobrevivência de normas revogadas à revelia de disposição expressa que a estabeleça, dir-se-á que não se verifica semelhante disfunção. A solução acolhida pela Jurisprudência deste S.T.A. não viola o princípio da prevalência de lei, porque ela própria repousa numa determinada interpretação dos textos legais tendente a preservar a harmonia do sistema jurídico, segundo a qual a revogação formal das normas em causa não operou relativamente aos processos do contencioso administrativo.

      Vejamos então se a alegação em causa foi tempestivamente apresentada.

      Segundo prescreve o art. 765°, a seguir à notificação do despacho do relator a admitir o recurso, “o recorrente apresentará uma alegação tendente a demonstrar que entre os dois acórdãos existe a oposição exigida pelos artigos 763° ou 764°”. Se a não apresentar, o recurso é logo julgado deserto; se a apresentar, pode a parte contrária responder findo o prazo facultado ao recorrente”.

      Relativamente ao prazo para a apresentação desta peça processual, e não fixando as atinentes normas de processo civil nenhum prazo especial para o efeito, é aplicável o prazo geral de 10 dias estabelecido no art. 153° do C.P.C..

      Ora, este prazo foi largamente excedido pela recorrente, já que ele terminou em 8.7.04 (a notificação do despacho de admissão considera-se realizada em 28.6, e seguidamente correram 10 dias contínuos de prazo), sendo que as alegações só deram entrada em

      30.9.04.

      Nesta conformidade, o recurso não pode prosseguir. […]”

      1.5.Inconformada recorreu a Câmara Municipal do Porto para este Tribunal (fls.447/449), ao abrigo do artigo 70º, nº1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), explicitando tal recurso nos seguintes termos:

      “[…]

    5. A recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 24º, alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, dos artigos 1º e 102º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, do artigo 765º do CPC e dos artigos 3º e 17º, nº1 do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, todas conjugadas, com a interpretação com que foram aplicadas no Acórdão recorrido.

    6. As aludidas normas, com a referida interpretação, violam, desde logo, o princípio constitucional da preeminência de lei consagrado no artigo 112°, n.° 2, da Constituição da República...

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