Acórdão nº 64/06 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Janeiro de 2006
Magistrado Responsável | Cons. Maria dos Prazeres Beleza |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2006 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 64/2006 Processo nº 707/2005 Plenário
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
(Maria Fernanda Palma)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
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Por acórdão da 2ª Vara Criminal de Lisboa de 20 de Abril de 2004, A. foi condenado, como autor material, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º., n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa.
Inconformado, interpôs recurso, mas a condenação foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Junho de 2005.
Recorreu, então, para o Supremo Tribunal de Justiça.
O recurso não foi, porém, admitido. Por despacho de 22 de Julho de 2005, o relator entendeu que, tendo a Relação confirmado o acórdão de 1ª instância, e tendo o arguido sido condenado na pena de 6 anos de prisão, não podia recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, como resultaria da regra do artigo 400º., n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal, conjugada com a proibição de reformatio in pejus (artigo 409º. do mesmo Código).
O arguido reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas a reclamação foi indeferida, nestes termos:
Ao recorrente A. foi aplicada pena de prisão inferior a oito anos, tal como já explicou a Relação de Lisboa (fls 162 verso).
O recurso não é admissível com fundamento no artigo 400º., n.º 1, alínea f) do C.P.P. o que traduz jurisprudência dominante no Supremo.
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Veio então o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º. da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação do:
artº 400º. alínea f) do CPP, se interpretado, como o faz a decisão recorrida, no sentido de recusar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, confirmativo de acórdão anterior da instância, em que se julga um crime de tráfico de droga, a que corresponde, em termos de moldura penal tipicizadora da infracção, a pena de prisão de 4 a 12 anos (artº 21.º do DL 15/93 de 22.01). Este artigo (o 400.º alínea f) do CPP), se interpretado no sentido e com a dimensão interpretativa de que não é possível o recurso para o STJ de acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, que confirmou a pena de SEIS ANOS DE PRISÃO aplicada ao arguido, encontra-se por tal motivo ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material (...) seria inconstitucional, por violação do texto constitucional, maxime o disposto nos artºs 18.º n.º 2 e 32.º n.º 1 da CRP".
Pelo acórdão n.º 628/2005 deste Tribunal, foi concedido provimento ao recurso e proferida decisão julgando inconstitucional, por violação do direito ao recurso conjugado com o princípio da igualdade (artigos 32º, n.º 1, e 13º, n.º 1, da Constituição), a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a pena de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a oito anos, mas a pena concretamente aplicada ao arguido insusceptível de agravação por foça da proibição da reformatio in pejus tenha sido inferior a oito anos.
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Invocando contradição com o acórdão n.º 640/2004, que julgara não ser desconforme com a Constituição a mesma norma, o Ministério Público recorreu para o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
O recurso foi admitido.
Apenas apresentou alegações o Ministério Público, sustentando o juízo de não inconstitucionalidade e formulando as seguintes conclusões:
1 - A interpretação normativa da alínea f) do n° 1 do artigo 400° do Código de Processo Penal segundo a qual, no caso de dupla conforme, o arguido condenado em pena concreta inferior a 8 anos de prisão não tem interesse legítimo em aceder ao Supremo para obter uma atenuação de tal pena, estando irremediavelmente precludido, por via do princípio da proibição da "reformatio in pejus", que, nesse recurso, possa ocorrer uma agravação da pena concreta de prisão efectivamente aplicada tendo, pelo contrário, o Ministério Público interesse legítimo em aceder ao Supremo para, como representante da acusação, pugnar pelo agravamento de tal pena concreta, aproximando-a ou fazendo-a coincidir com aquele máximo legal, tido por relevante para delimitar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, não viola o princípio constitucional da igualdade, conexionado com o direito ao recurso.
2 - Na verdade, a diferenciação de posições daqueles sujeitos processuais, no que se refere ao acesso ao Supremo, assenta na própria diversidade que em termos de lógica jurídica intrínseca subjaz, pela "natureza das coisas", aos recursos interpostos pela defesa e pela acusação, visando objectivos diferentes e antagónicos e permitindo, por isso, que o interesse em agir dos respectivos sujeitos processuais seja aferido autonomamente.
3 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de não inconstitucionalidade, formulado no citado Acórdão n° 640/04.
O recorrido não alegou.
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Feita a discussão do memorando apresentado e apurado o vencimento, foi deliberado, por maioria, conceder provimento ao recurso. Houve, portanto, mudança de relatora.
Para o efeito, e salientando que apenas lhe cabe apreciar a norma que constitui o objecto do recurso do ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, não lhe competindo julgar a interpretação do direito ordinário de que resultou, o Tribunal entendeu reafirmar o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 640/2004, nos termos e pelos fundamentos dele constantes.
Escreveu-se no acórdão n.º 640/2004:
(...) não cabe na competência deste Tribunal aferir do bem ou mal fundado desta interpretação, designadamente do seu decisivo pressuposto interpretativo que consiste em a gravidade da pena aplicável que o legislador tomou como referente ser a pena (máxima) que, nas circunstâncias concretas da limitação ao poder cognitivo do tribunal ad quem inerente à proibição da reformatio in pejus, possa ser judicialmente aplicada e não aquela que corresponda ao limite máximo da moldura penal abstracta fixada no correspondente tipo legal.
(...)
4. Qualquer destas normas [ as das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal] foi já sujeita ao escrutínio de constitucionalidade, quanto à perspectiva da violação do direito ao recurso, questão que se reconduz ao problema de saber se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um triplo grau de jurisdição. Sempre sem sucesso, como pode ver-se nos acórdãos n.ºs 49/03 e 377/03 [no que toca à norma da alínea e)] e nos acórdãos n.ºs 189/01, 336/01, 369/01, 495/03 e 102/04 [no que respeita à alínea f)], todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt.
Lembrando esta jurisprudência, disse-se no acórdão n.º 495/03 (que pode consultar-se em http://www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
Ora é exacto que o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou que «no nº 1 do artigo 32º da Constituição consagra-se o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas a Constituição já não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso, ou a um triplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional teve já a oportunidade para o afirmar, a propósito dos recursos penais em matéria de facto: não decorre obviamente da Constituição um direito ao triplo grau de jurisdição, ou ao duplo recurso (acórdão nº 215/01, não publicado)».
Esta afirmação, feita no acórdão n.º 435/01 (disponível, tal como o acórdão n.º 215/01, em http://www.tribunalconstitucional.pt) foi proferida justamente a propósito da apreciação da alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 400º, nº1, alínea f) do CPP", tendo o Tribunal Constitucional concluído, tal como, aliás, já fizera nos acórdãos n.ºs 189/01 e 369/01 (também disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt) que não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da Constituição.
A verdade, todavia, é que a apreciação então realizada tomou sempre como objecto tal norma interpretada no sentido de que a mesma se refere (...) claramente à moldura geral abstracta do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções que define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de acórdão condenatórios das relações que confirmem a decisão de primeira instância (cit. acórdão n.º 189/01).
Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade que o ora reclamante pretende que seja apreciada no recurso que interpôs, no acórdão n.º 451/03 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt), nos seguintes termos:
«É certo que a interpretação normativa agora em causa não coincide com a que foi apreciada no Acórdão n.º 189/01 - neste a questão tinha directamente a ver com a pena aplicável em caso de concurso de infracções.
A verdade, porém, é que, no confronto com o artigo 32º n.º 1 da Constituição, a questão da conformidade constitucional da interpretação normativa adoptada no acórdão recorrida se coloca nos mesmos termos.
Com efeito, a resolução da questão de constitucionalidade passa por saber quais os limites de conformação que o artigo 32º n.º 1 da CRP impõe ao legislador ordinário, em matéria de recurso penal.
E a resposta é dada no Acórdão n.º 189/01 no sentido de não haver vinculação a um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente admissível uma restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou desproporcionada.
Ora, não podendo o Tribunal Constitucional censurar as interpretações normativas que, no estrito plano do direito infraconstitucional, são feitas nas decisões recorridas, a...
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