Acórdão nº 93/06 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 93/2006

Processo n.º 948/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da decisão sumária do relator, de 12 de Dezembro de 2005, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do objecto do presente recurso.

1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Outubro de 2005, que indeferiu pedidos de aclaração e de reforma do acórdão de 25 de Maio de 2005, que, por seu turno, negara provimento a recurso jurisdicional deduzido contra a sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Coimbra, de 12 de Fevereiro de 2003, que julgara improcedente a impugnação judicial das liquidações do imposto sobre as sucessões e doações mais juros compensatórios do ano de 1998, efectuadas no processo de imposto sucessório n.º 3836 instaurado na 2.ª Repartição de Finanças da Figueira da Foz, no montante de 213 048 452$00.

De acordo com o respectivo requerimento de interposição de recurso, este

Tem por objecto a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma do artigo 669.º do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.º do Código de Processo Civil).

Na verdade, tendo o recorrente suscitado, no requerimento de aclaração e reforma, a inconstitucionalidade do artigo 669.º, numa concreta dimensão normativa, a decisão recorrida considerou que esse ‘meio processual não comporta (…) a suscitada emissão de pronúncia sobre inconstitucionalidade’.

Tal norma viola aberta e frontalmente o princípio do acesso ao direito e aos tribunais – consagrado no artigo 20.º da Constituição – bem como o disposto no artigo 204.º da Constituição.

O acórdão recorrido, na perspectiva do recurso de constitucionalidade, configura-se como uma autêntica decisão-surpresa para o recorrente, implicando que o tribunal se demita da sua função (atendendo às especificidades do nosso sistema de controlo difuso da constitucionalidade) e que deixe de apreciar toda e qualquer questão de constitucionalidade suscitada em torno das normas que regulam a tramitação processual após a prolação da decisão de mérito, contrariando, de resto, todo o sentido da jurisprudência uniforme e unânime do Tribunal Constitucional, onde se reitera um dever de tomar conhecimento da constitucionalidade de ‘normas relevantes para a decisão de questões sujeitas ainda ao poder de jurisdição do tribunal (como serão as questões processuais autonomamente postas em reclamação)’, já que ‘esta constitui meio idóneo e atempado de suscitar a questão’ (Acórdãos n.ºs 206/86 e 366/96); e isto porque se trata, em todo o caso, ‘de uma questão nova, que pela sua própria natureza, só poderia ser equacionada no momento em que o foi’ (v., também, mutatis mutandis, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 176/88, 158/90, 352/89, 306/90 e 109/90).

O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).

2. No litígio de que emerge o presente recurso estava essencialmente em causa a qualificação como onerosa (defendida pelo recorrente) ou gratuita (defendida pela Administração Fiscal e reconhecida pela sentença da 1.ª instância) da disposição do edifício facultada pelo recorrente.

Pelo acórdão de 25 de Maio de 2005, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo confirmou este último entendimento, considerando que da matéria de facto dada por provada resultava que «no caso, ocorreu transferência gratuita de bens do património do doador para o do donatário, sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida económica ou fiduciária por parte de quem os recebeu», pelo que improcedia a impugnação da liquidação do imposto devido por essa «doação», sendo certo que, em sede de incidência do tributo em causa, o legislador privilegia «mais as situações de facto do que o seu eventual enquadramento jurídico», e consignando, quanto ao contrato promessa de cessão de exploração de estabelecimento hoteleiro (cuja celebração o recorrente invocava como prova do carácter oneroso da disponibilização do uso do edifício), que, por um lado, «o contrato promessa não é o contrato prometido, mas a obrigação de o celebrar» e, por outro lado, que «dos autos não resulta que este último tenha sido efectivamente celebrado ou, pelo menos, e independentemente dessa celebração formal, concretizado através da materialização do clausulado prometido».

Foi na sequência da notificação deste acórdão que o recorrente veio peticionar a sua aclaração e reforma, nos seguintes termos:

Considerou-se no douto Acórdão, como fundamento para negar provimento ao recurso, que as normas de incidência relevantes privilegiam mais as situações de facto do que o seu eventual enquadramento jurídico.

Do mesmo passo, irrelevou-se a existência do contrato promessa de cessão de estabelecimento comercial com base no entendimento de que este não se configura como o contrato prometido e que dos autos não resulta que este último tenha sido efectivamente celebrado, ou, pelo menos, e independentemente da sua celebração formal, concretizado através da materialização do clausulado prometido.

Para tal contribuiu também a mobilização da norma interpretativa estabelecida no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.

Ora, considerava – e considera – o recorrente que a existência de um contrato promessa de cessão de exploração – caracterizado, como é consabido, pelo negócio jurídico em que alguém transfere, temporária e onerosamente (mediante contrapartida), para outros, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, sem deixar de ser seu dono (...) – bastaria para, numa leitura adequada à substância das relações estabelecidas entre as partes, se ter de concluir pela não integração da presente situação fáctica no âmbito da norma de incidência do Imposto sobre Sucessões e Doações.

Percebe agora o recorrente – sem conceder, porém, quanto ao outrora alegado – que, no entendimento firmado no Acórdão desse Venerando STA, a mera e estrita celebração de tal contrato – com os inelimináveis efeitos jurídicos dele decorrentes – não permite, por si, uma compreensão do material fáctico emergente dos autos como dando corpo – e alma – a uma relação materialmente marcada pela existência de um véu de onerosidade que pautou a actuação do recorrente.

Contudo, é patente que, a esse nível, existe e persiste uma relação de causalidade, bem evidenciada, que à luz do id quod plerumque accidit, não podia deixar de conduzir à exclusão da incidência do imposto sobre doações.

Na verdade, se o contrato promessa não é jurídica e facticamente inócuo, o certo é que os seus efeitos entre as partes vão muito para além da obrigação de conclusão do contrato prometido, podendo, na realidade, originar um conjunto de relações comprometidas com esse objectivo e que facilmente serão compreendidas à luz da substancialidade emergente da realidade concreta – da situação material de facto – que, tendo aquela causa, espelham uma actuação propedêutica e até necessária para a celebração do contrato visado a final.

Ora, sendo certo que ‘em sede de incidência deste tributo [CISSD] se privilegiam mais as situações de facto do que o seu eventual enquadramento jurídico’, o recorrente não vê razão para que tal critério não seja levado à prática in casu no âmbito da determinação negativa da incidência do imposto, sendo até surpreendente que o tribunal reduza a uma consideração formal o relevo do contrato promessa (que ‘não é o contrato prometido’...), irrelevando o conteúdo fáctico-material que resultou da celebração daquele: Porque não aplicar o mesmo critério jurídico na relevância do material fáctico emergente do contrato promessa?

É certo que essa concepção do Tribunal não deixou de ser mitigada pela consideração de que, mesmo independentemente da celebração formal do contrato prometido, a materialização do clausulado prometido sempre poderia conduzir a solução diversa da adoptada.

Só que, in casu, decidiu-se negar provimento ao recurso porque ‘tal realidade não resulta dos autos’.

E, assim, o contribuinte vê-se a mãos com uma situação de um autêntico e insuportável confisco.

Por isso se requer que o Tribunal esclareça:

A. Qual o critério normativo determinante da exclusão do relevo das relações materiais causadas pelo contrato promessa e qual a razão para se ter valorado um conceito ‘económico-fáctico’ de doação em detrimento da mesma valoração para as relações estabelecidas após a celebração do referido contrato que não podem deixar de compreender-se, a essa mesmíssima luz, como uma contrapartida económica.

B. Qual o critério normativo que presidiu à exclusão da consideração de que inexistiu uma materialização do clausulado prometido quando nos autos nada conste em sentido diverso sem que, ao menos, sendo esse um ponto decisivo para a aplicação do direito, tivesse havido lugar à ampliação da matéria de facto.

De resto, por esse motivo, vem também o recorrente, com todo o respeito e consideração, requerer a

REFORMA

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