Acórdão nº 109/06 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 109/2006

Processo n.º 531/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), conjugada com o artigo 4.º do mesmo código e com o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), quando interpretada no sentido de que o artigo 411.º, n.º 1, do CPP, “esgota a regulamentação dos prazos dos recursos em matéria penal e de que não existe qualquer lacuna nessa regulamentação, assim se rejeitando a aplicação subsidiária ao processo penal, via artigo 4.º do Código de Processo Penal, do artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, nos casos em que, havendo prova gravada, existe um recurso em matéria de facto”, por violação do disposto nos artigos 20.º, 32.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

2 – Na decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2005 – consignou-se que:

“(...)

A competência decisória deferida no art. 432º, do CPP, ao STJ, está fixada em moldes restritos, por forma a respeitar a sua função histórica de tribunal de revista, limitada ao conhecimento da matéria de direito, só excepcionalmente interferindo na reponderação da matéria de facto, para bem decidir a de direito e ao mesmo tempo impedir a sobrecarga a que aquele conhecimento sistemático levaria, com compromisso para aquela função, e cinge-se:

- Às decisões das Relações proferidas em 1ª instância (al. a);

- Às decisões das Relações proferidas em recurso, que não sejam irrecorríveis (al. b);

- Aos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri (al. c);

- Aos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito (al. d); e

- Às decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos antes (al. e).

Bem claro se torna que a decisão recorrida visa o reexame de uma questão condicionante da reapreciação do mérito da causa ainda não incidente sobre a decisão final, entendida, na jurisprudência, com o significado de decisão que põe termo à causa, conhecendo do respectivo mérito.

Em causa a tempestividade para recorrer-se, de modo que, quando a este aspecto de índole processual, com reflexos materiais, substantivos, o preceito não cobra aplicação nas suas als. a), c), d) e e).

Residualmente fica de pé a sua al. b), no aspecto em que consente recurso das decisões da Relação para o STJ, se não forem irrecorríveis, à luz do art. 400º, do CPP.

Com pertinência o disposto no art. 400º, nº 1, c), do CPP, que proíbe levar recurso das decisões que não ponham termo à causa, da Relação para o STJ.

Decisão que põe termo à causa, para fins do preceito em apreço, é a que tem como consequência o arquivamento do processo, o encerramento do seu objecto.

Decisão que põe termo à causa, como lapidarmente se escreveu no Ac. deste STJ, de 1.4.2004, no P.º n.º 1261/5ª Sec., acessível em www.dgsi.jstj, nem sempre é uma decisão final, mas uma decisão final é sempre uma decisão pondo fim ao pleito, debruçando-se sobre o seu mérito.

Decisão que põe termo ao processo é, obviamente, a recorrida porque impede o STJ de apreciar, em recurso, a sua versão.

O acórdão condenatório foi proferido, em 1ª instância, em 13.4.2004 e, em 14.4.2004, se procedeu ao seu depósito, nos termos do art. 375º, n.º 2, do CPP e desse acto processual, nos termos do art. 411º, n.º 1, do CPP, se conta o termo inicial do prazo de interposição do recurso.

Logo no dia 13.4.2004 a arguida requereu que lhe fossem entregues as cassetes com as provas gravadas, as quais, em número de 4, lhe foram confiadas em 20.4.2004.

A 26 de Abril, 13 dias sobre a emissão da decisão, a Srª advogada da arguida surge a solicitar a confiança do processo, o que lhe foi deferido, apenas, por dois dias úteis - cfr. despacho de fIs. 1370 -, apresentando-se a arguida a recebê-los no dia 29.4.2004.

Em 11 de Maio de 2004 a arguida apresentou a motivação de recurso.

No ensinamento do Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 201, o despacho de admissão de recurso se vincula o tribunal que o proferiu, já não assim o tribunal “ad quem” que pode e deve modificá-lo “ex officio” (art. 414º, n.º 3, do CPP), e isto porque se ao tribunal “ad quem” incumbe decidir a questão de mérito, também a ele, por maioria de razão, incumbe decidir sobre as questões prévias que interfiram na espécie, efeito e admissibilidade do recurso.

Intentando o recorrente impugnar a matéria de facto deverá enumerar pontualmente os factos que julga incorrectamente julgados e as provas que importam uma decisão diversa da recorrida, nos termos do art. 412º nº 3, do CPP, devendo, quando as provas tenham sido gravadas aquelas especificações enunciadas nas als. b) e c), do n.º 3, processar-se por referência às gravações, havendo lugar à transcrição das provas – n.º 4.

O exercício do direito ao recurso fica amplamente assegurado pela entrega das cassetes ao recorrente, pois a transcrição das provas, a cargo do tribunal, não têm por finalidade proporcionar aquele direito, mas apenas facilitar ao tribunal de recurso o reexame da matéria de facto provada em ordem à sua eventual modificabilidade.

Com a entrega das cassetes está o recorrente em condições de elaborar o recurso, ouvindo o material probatório gravado, pela referência à cassete e ao pertinente segmento, pelo que não tem que ser coincidente a entrega com a transcrição, operação a que o tribunal, seja, socorrendo-se dos seus recursos humanos, seja pelo recurso a elementos estranhos, se revela incapaz de satisfazer, na generalidade dos casos, naquele contexto de coincidência.

A mostrar-se essencial ao fim de impugnação no preceito descrito a transcrição ter-se-ia como referencial de suporte a ela e não o conteúdo das cassetes.

A haver transcrição ela, na generalidade dos casos, só ocorrerá depois de interposição do recurso e, neste, ou seja na sua motivação, já o recorrente deverá ter cumprido o ónus imposto de referência aos suportes magnéticos, a partir da entrega das cassetes -cfr. Ac. deste STJ, de 12.1.2001, CJ, STJ, I, 201.

No caso que nos ocupa é inescapável que 7 dias depois da emissão do acórdão foram entregues 4 cassetes com cópia das gravações, dispondo a defesa do arguido de mais 8 dias para elaborar os termos do recurso.

O prazo de interposição do recurso previsto no art. 411º, n.º 1, do CPP é peremptório e não pode ser alargado para mais 10 dias por aplicação do art. 698º, n.º 6, do CPC, que não cobra razão de ser. Na verdade o recurso às normas do CPC para integração de lacunas de regulamentação foi limitado ao máximo pelo legislador do CPP de 87, que quis firmar nele um todo normativo capaz de reger de forma global e autónoma a relação processual penal em toda a sua dinâmica e complexidade, sem necessidade de recurso a outro diploma, visível no regime de regulamentação de recursos a quem emprestou particular atenção e normação própria e privativa, afastando de “motu proprio” o regime do CPC, de que se socorria em larga medida o seu predecessor de 1929.

O alargamento do prazo para mais 10 dias, em caso de gravação das provas, por aplicação analógica do art. 698º, n.º 6, do CPC, tem como pressuposto a existência de um caso omisso, nos termos do art. 4º, do CPP, quando é certo que o art. 411º, n.º 1, do CPP, regulamenta expressamente o prazo de interposição, prevendo-o, desnecessário sendo o recurso à via integrativa para estabelecimento do prazo quando se procede à gravação das provas, havendo lugar à transcrição, porque essa operação em nada contende com a praticabilidade do direito ao recurso.

Ao recurso à via integrativa do CPC só é de lançar mão quando se mostrem compatíveis os seus princípios com as linhas programáticas que dão corpo ao processo penal.

A literalidade do art. 411º, n.º 1, do CPP, a filosofia inspiradora do CPP, de realizar a celeridade e eficiência processual, as sucessivas alterações ao CPP abstendo -se de ampliar o prazo de interposição do recurso em caso de gravação da prova, não obstante o legislador não desconhecer a disposição do CPC em alusão, afastando o alargamento do prazo de que os sujeitos processuais, atenta a sua natureza pública, não podem dispor a seu bel-prazer, mostram claramente o propósito do legislador não alargar, em tal hipótese, o prazo normal de interposição recursos em processo penal.

De resto o CPP apresenta uma válvula de segurança em caso de impossibilidade de interposição do recurso - ou da prática de qualquer outro acto processual - no prazo normal, mediante recurso às regras do justo impedimento consagradas no art. 107º, n.º 5, do CPP, para além do sancionamento pecuniário como condição de validação do acto intempestivo, nem um nem outro sendo o procedimento adoptado pela arguida, a qual, cautelarmente, devia precaver-se, na diversidade de entendimentos, de ter de enfrentar orientação de desfavor.

A questão, sabemo-lo, não é liquida - o Ac. da Relação do Porto, de 29.10.2003, CJ, 2003, IV, como o da Relação de Évora, de 10.2.2004, in CJ, 2004, I, 263, pronunciaram -se em sentido oposto, ou seja pela alongamento do prazo normal de interposição de recurso, embora com esclarecidos votos de vencido; idem o deste STJ, de 7.5.2003, no Recº n.º 243/03, in www.dgsi.pt; mas em sentido contrário ao da prorrogabilidade do prazo situam-se os da Rel. de Lisboa, in CJ, 2003, V, 153, acrescendo, ainda, os de 26.6.2002, 2.5.2002, 18.4.2002 e de 25.5.2002, ainda desta Relação, indicados na contramotivação do Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação.

Neste mesmo sentido, cfr. o Ac. proferido neste STJ, no Recº n.º 3215/2004, desta 3ª Sec., em processo da 2ª Vara Mista de Sintra.

Propende este STJ a considerar, num sentido...

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