Acórdão nº 113/06 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 113/06

Processo n.º 1056/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

1. A. intentou contra os herdeiros de B. (C., D. e E. e respectivos cônjuges), no Tribunal Judicial de Penacova, uma acção em que pediu que fosse judicialmente reconhecida como filha do falecido B..

A autora, então com 38 anos de idade, intentou a acção cerca de 2 meses após a morte do pretenso pai e invocou, além do mais, que este sempre a tratara como filha e era como tal reconhecida pela generalidade dos seus conterrâneos.

O tribunal de 1ª instância julgou verificada a excepção da caducidade do direito de propor a acção de investigação de paternidade. Tendo a autora interposto recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra concedeu-lhe provimento e julgou o pedido procedente, por acórdão de 19 de Outubro de 2004 (acórdão recorrido).

  1. Além do mais, o acórdão recorrido ponderou o seguinte:

    “Procurando subsumir os destacados factos ao quadro normativo anteriormente transcrito, fica desde logo afastada a possibilidade de ser dada como verificada a previsão dos números 2. e 5. do art.º 1817° do CC.

    No que diz respeito ao n.º 2, note-se que a paternidade não está mencionada no registo do nascimento da apelante; no que se refere ao n.º 5, ele aplica-se às situações em que o (a) investigante falece antes do pretenso pai (mãe). Restam os números 1., 3. e 4.

    Se, para além de se saber, que a acção não se funda em escrito no qual B. tenha declarado inequivocamente a paternidade, se, por mera hipótese, se considerar face aos factos apurados, que está por demonstrar que a investigante fosse tratada como filha pelo B., parece que a conclusão a extrair será a de que o prazo para a proposição da acção não é o estabelecido no n.º 3, também não será o fixado no n.º 4, e se mostra excedido o prazo do n.º 1.

    Poderá, porém, a redacção do art.º 1817° do CC ser considerada tão simples e linear, que dispense esforço interpretativo?

    Afigura-se-nos que a resposta àquela interrogação terá de ser negativa. Com efeito, se o art.º 1817° se tivesse ficado pelo seu n.º 1, dir-se-ia que o preceito se limitava, numa formulação de inequívoca leitura e claro pensamento legislativo, a estabelecer um prazo para a proposição da acção de investigação de paternidade.

    Contudo, porque nos n.ºs 3, 4 e 5 estão consagrados diferentes prazos, importa fazer uma interpretação que integre e articule todos eles, incluindo o n.º 1. Sem descurar a interpretação em face da Constituição.

    […]

    Na posse dos conceitos enunciados, retomemos a questão da interpretação do art.º 1817º do CC.

    Como já se adiantou, da consagração de diferentes prazos, retira-se que o legislador propôs-se tratar de forma desigual o que, por ele, terá sido visto como desigual.

    É, à procura da desigualdade de situações justificativa de desigualdade de soluções, que se irá proceder a uma análise dos números 1,3, 4 e 5 do preceito em questão.

    Assim:

    Há um elemento nos números 4. e 5. que se destaca: a morte. Do pretenso pai, na previsão do n.º 4; do investigante, na previsão do n.º 5.

    Terá sido a morte, e só ela, enquanto factor de irremediável separação ou marco a requerer solução definitiva de questões pendentes em benefício da estabilidade e da segurança duma multiplicidade de relações, o elemento decisivo a motivar o legislador a consagrar prazos que se diferenciam do enunciado no n.º 1? Afigura-se-nos que não.

    Com efeito, a morte não tem qualquer relevância para o n.º 1 do, recorrentemente, citado art.º 1817°.

    Configure-se a seguinte hipótese: o investigante A, nasceu a 1.2.82; o pretenso pai faleceu a 1.2.83.

    Resultando do n.º 1, que a acção de investigação de paternidade pode ser proposta até 1.2.2002, altura em que se concluem os dois anos posteriores à maioridade do investigante A, importa retirar que, não obstante a morte do pretenso pai tenha ocorrido há 19 anos, nem a morte, nem o tão longo tempo decorrido, desviaram o legislador de fazer prevalecer o direito do investigante A, a ver reconhecida a paternidade. Porque já pode, por si, fazer valer esse direito, é certo. Mas, eventualmente, com reflexos na estabilidade e segurança de uma multiplicidade de relações.

    E se a morte, ou melhor dizendo, a vida, teve relevância no denominado Código de Seabra que, ao tratar da investigação da paternidade ilegítima, prescrevia no art.º l33° que «As acções de investigação de paternidade ou de maternidade só podem ser intentadas em vida dos pretensos pais, salvo as seguintes excepções: 1.º Se os pais falecerem durante a menoridade dos filhos; porque, nesse caso, têm estes o direito de intentar a acção, ainda depois da morte dos pais, contanto que o façam antes que expirem os primeiros quatro anos da sua emancipação ou maioridade; 2.º Se o filho obtiver, de novo, documento escrito e assinado pelos pais, em que estes revelem a sua paternidade; porque nesse caso pode propor a acção a todo o tempo em que haja alcançado o sobredito documento; isto sem prejuízo das regras gerais acerca da prescrição dos bens», é porque, à época, a perícia médico-legal ainda não tinha conhecido o avanço científico que, já em 1991, motivaria o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 26.6.91 BMJ: 408, 586, a considerar que os exames científicos «tendem à prova directa» da paternidade.

    Mas se a morte nos números 4. e 5., não constituiu razão decisiva para o estabelecimento de prazos diferenciados, (caso contrário ela também tinha sido considerada no n.º 1), o que terá, então, determinado o legislador a optar pela diferenciação? Conterão, os números 4. e 5., quaisquer outros elementos, que tornem justificável o que, à partida, parece injustificável ?

    Relembre-se o que dispõe o n.º 4: «Se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe, sem que tenha cessado voluntariamente esse tratamento, a acção pode ser proposta até um ano posterior à data da morte daquela; tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho, a acção pode ser proposta dentro do prazo de um ano a contar da data em que o tratamento tiver cessado.

    Na previsão da l.ª parte do n.º 4, o investigante que já tenha atingido a maioridade há mais de dois anos, só pode propor a acção de investigação no ano que se segue ao falecimento do pretenso pai, se por este tiver sido tratado como filho. Com as devidas adaptações, as mesmas considerações podem ser tecidas em torno do n.º 5.

    O tratamento como filho pelo pretenso pai, terá sido eleito, segundo parece resultar dos números 4. e 5., elemento decisivo de diferenciação. Isto é, o legislador conferiu determinante relevância à postura do pretenso pai.

    Que opção terá sido, então, aquela que, em termos matemáticos, corresponde a ½ de presunção de paternidade e na relação filho/pai ou, como provavelmente diria o legislador, na relação pai/filho, só pondera a postura do pai?

    Não tendo havido, qualquer preocupação de salvaguardar a possibilidade de tratamento como pai pelo investigante, afigura-se-nos que, nesta matéria, as alterações operadas em 1966, e até posteriores, não se protegeram de algumas influências antigas, menos ajustadas. Veja-se, a propósito, o art.º 130° do Código...

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