Acórdão nº 139/06 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 139/2006

Processo n.º 596/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A Câmara Municipal de Coimbra e o Clube de Caça e Pesca de … interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, de 2 de Maio de 2003, que, julgando procedente o vício de violação de lei por ofensa ao disposto na alínea a) do artigo 97.° do Decreto Regulamentar n.° 34/95, de 16 de Dezembro (rectius, do artigo 97.°, alínea a), do Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos de Espectáculos e Divertimentos Públicos, aprovado pelo artigo 1.º do referido Decreto Regulamentar, dispondo aquele preceito: “Os campos de tiro devem oferecer as seguintes condições: a) As origens de tiro devem distar, no mínimo, 800 m de lugares habitados, escolas e hospitais, para minimizar os efeitos acústicos das detonações, devendo, sempre que possível, ser sobreelevadas em relação aos terrenos vizinhos, (...)”) concedeu provimento ao recurso contencioso que A., B., C. e D. haviam deduzido contra a deliberação da Câmara Municipal de Coimbra, de 23 de Julho de 2001, que aprovara o projecto de construção das instalações do Campo de Tiro do Clube de Caça e Pesca de ….

Nas suas alegações, o Clube de Caça e Pesca de …, além de sustentar que a sentença recorrida fizera errada interpretação do preceito invocado, suscitou uma questão de inconstitucionalidade sintetizada nas seguintes conclusões:

“16) O princípio da proporcionalidade, que encontra recepção expressa no texto constitucional, entre outros, nos artigos 5.º e 18.º, n.° 2, da Constituição da República, pertence à ordem jurídica positiva e constitui fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo – cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 6.ª edição, 1996, p. 171.

17) Conforme alegámos supra, o juízo de proporcionalidade vertido na norma em questão, ao estabelecer a distância mínima de 800 metros, revela-se inadequado, desnecessário e excessivo perante os fins que informam a sua aplicabilidade ao caso concreto.

18) Com efeito, expressamente se invoca a inconstitucionalidade da dimensão interpretativa da sentença que aplica a distância mínima dos 800 metros prevista no artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 34/95 ao caso concreto, por violação do princípio da proporcionalidade como vector material do princípio do Estado de Direito previsto no artigo 2.º da CRP.

19) Sob outro enfoque, mas ainda dentro do parâmetro constitucional em que nos movemos, temos que existe uma manifesta desproporcionalidade da restrição do núcleo essencial do direito fundamental limitado pelo conteúdo do artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 34/95.

20) Por um lado temos o direito fundamental de desenvolvimento da personalidade – que se projecta na dimensão do direito que os sócios da recorrida particular têm em prosseguir uma actividade desportiva – que é restringida pela previsão de um limite mínimo de implantação da unidade desportiva a 800 metros de lugares habitados; por outro lado temos o direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida sadia que determina a previsão da supra mencionada distância mínima – cf. artigos 26.º e 66.º da CRP.

21) Ora, segundo o artigo 18.º, n.º 2, da CRP, as restrições legais aos direitos fundamentais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

22) Mediante as três dimensões do princípio da proporcionalidade, chegamos à conclusão de que a imposição de uma distância mínima de 800 metros restringe incomensuravelmente o direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade dos sócios do clube desportivo, sem que alcance o fim visado pela norma, ou seja, a protecção da qualidade de vida das populações mais próximas.

23) Razão pela qual se invoca a inconstitucionalidade do artigo 97.º, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 34/95, por violação ao princípio da proporcionalidade como padrão de controlo à restrição de direitos fundamentais, vertido no artigo 18.º, n.º 2, da CRP.”

Aos recursos foi negado provimento pelo Acórdão do STA, de 19 de Maio de 2005, ponderando-se designadamente que:

“Os recorrentes alegam que a decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do normativo que considerou violado, pois tal pressupõe que as origens do tiro distem menos de 800 metros de «lugares habitados» e no caso em apreço, apurando-se embora a existência de uma casa a cerca de 600 metros de tal local, não se apurou se a mesma se integrava ou não em aglomerado urbano, pois, em seu entender, «um espaço habitado não integra o conceito de “lugares habitados”».

Os recorrentes limitam-se a, conclusivamente, fazer tal afirmação pois não explicitam as razões que a tal conduzem.

Por outro lado, ao contrário do por eles alegado, o tribunal a quo deu como provado, para além da existência de uma habitação a 600 metros da origem do tiro, que no raio de 800 metros marcado a partir do local de tiro se incluem zonas habitadas – cf. ponto 9 da matéria de facto.

Assim, para além de uma casa de habitação, por definição, integrar o conceito um lugar habitado, constituindo o uso do plural mera técnica legislativa, o certo é que existiam zonas habitadas que se não encontravam afastadas mais de 800 metros do local de tiro, o que, como se decidiu, violava o disposto no artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 34/95, de 16 de Dezembro.

O interesse protegido pela norma foi ponderado pelo legislador que definiu a distância de 800 metros do ponto de tiro como a distância mínima a que podiam ser implantados campos de tiro.

Não se deixou quanto a esse requisito qualquer margem de escolha à Administração, pelo que não há que entrar em linha de conta com princípios como a proporcionalidade consagrado no artigo 266.º, n.º 2, vinculativo para a actuação administrativa e apenas no âmbito do exercício de poderes discricionários, isto é, quando a Administração pode optar por uma das soluções ou medidas que a lei lhe confere para o caso concreto.

Cai assim pela base toda a argumentação com base no princípio da proporcionalidade, designadamente na perspectiva que os recorrentes lhe dão no que respeita à opção legislativa contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do Decreto Regulamentar n.º 34/95, a qual se não apresenta ostensivamente desrazoável ou excessiva.

Por outro lado, a norma aplicada não estabelece nenhuma restrição ao direito de desenvolvimento da personalidade, limitando-se a estabelecer condicionamentos relativamente ao local onde a prática desportiva do tiro pode ser exercida, pelo que não tem lugar a aplicação da previsão do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, não constituindo a aplicação do artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 34/95, de 16 de Dezembro, qualquer violação de normas constitucionais.”

É contra este acórdão que o Clube de Caça e Pesca de … vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 97.º, alínea a), do Regulamento das Condições Técnicas e de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT