Acórdão nº 206/06 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução22 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 206/2006

Processo n.º 676/05

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Por sentença de 16 de Outubro de 2003 do juiz do Tribunal Judicial de Chaves, foi A. condenado, entre o mais, pela prática de um crime de ameaças, previsto no artigo 153º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de três euros, ou em 60 dias de prisão subsidiária (fls. 101 e seguintes).

  2. A fls. 111 e seguinte, veio o arguido justificar a sua falta à audiência de julgamento e, bem assim, requerer a audição de certas testemunhas e a sua própria audição.

    Por despacho de 7 de Novembro de 2003, a fls. 116 e seguinte, foi considerada justificada tal falta e indeferida a requerida audição, nos seguintes termos:

    “[…]

    Também o arguido veio, a fls. 111, requerer a justificação da falta, a qual se considera justificada, face aos motivos invocados, sendo certo que, ao contrário do que o mesmo refere no seu requerimento, não foi condenado em multa, conforme resulta da respectiva acta, onde se fez constar a comunicação feita por pessoa que apenas se identificou como sendo do escritório do Ilustre mandatário do arguido.

    Já no que diz respeito ao adiamento e à audição do arguido, não lhe assiste, salvo melhor opinião, qualquer razão.

    Face ao disposto no art. 333º do CPP, e uma vez que o Tribunal não considerou absolutamente indispensável a presença do arguido desde o início da audiência, a mesma não é adiada, sendo ouvidas as pessoas presentes e as suas declarações documentadas (como foram).

    A falta do Ilustre mandatário do arguido, por sua vez, não constitui também motivo de adiamento, nos termos do art. 330º/1 do CPP, tendo o mesmo sido substituído por outro defensor, conforme a lei estatui.

    Não nos parece, assim, que com a realização do julgamento tenha sido praticado qualquer acto que não seja legal.

    Finalmente, no que diz respeito à audição do arguido e às testemunhas faltosas (arroladas pela defesa), tal pretensão considera-se manifestamente infundada, por ter sido extemporaneamente requerida.

    Face ao estabelecido no n.º 3 do já citado art. 333º do CPP, no caso dos autos o arguido mantinha o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência (o que não fez por não ter comparecido), e se a audiência ocorresse na primeira data marcada, como foi o caso, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido, podia ter requerido que este fosse ouvido na segunda data designada.

    Ora, tal não foi requerido pelo defensor nomeado, nem o foi tempestivamente pelo seu Ilustre mandatário, uma vez que tinha tal requerimento de ser formulado até ao encerramento da audiência.

    Pelo exposto, indefere-se a requerida audição do arguido, por extemporânea e até por inútil, uma vez que já foi proferida sentença no processo.

    […].”.

  3. A. arguiu a irregularidade da sua não audição (fls. 120 e seguintes), tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido do indeferimento do requerido (fls. 127).

    Em 20 de Novembro de 2003, foi proferido despacho do seguinte teor (fls. 128):

    “Vem o arguido requerer a reparação da irregularidade de que enfermam os autos e, consequentemente, que se proceda à audição do arguido e das testemunhas de defesa que arrola.

    O MºPº pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.

    Para que se possa reparar qualquer irregularidade, essa irregularidade tem que existir.

    Conforme já se referiu no despacho de fls. 116 a 117, não foi, salvo melhor opinião, cometida qualquer irregularidade no julgamento a que se procedeu nos autos.

    Assim, nada há a reparar, sendo certo que o ora requerido não é sequer oportuno, uma vez que a questão já foi decidida pelo despacho aludido, o qual está, nos termos gerais, sujeito a recurso.

    Indefere-se, assim, a pretensão do arguido.”.

  4. Deste despacho recorreu A. (fls. 132), tendo nas alegações respectivas (fls. 133 e seguintes) formulado as seguintes conclusões:

    “[…]

    1. - Assim, no direito de defesa conferido ao arguido aflora como corolário o direito de ser ouvido, artigo 61º, n.º 1, al. b) do CPP.

    2. - Pelo que, o arguido tem o direito de ser ouvido em audiência de julgamento sendo, em princípio, obrigatória a sua presença em audiência de julgamento, nos termos, entre outras normas, do artigo 332°, n.º 1 do CPP.

    3. - Os julgamentos na ausência do arguido são, então, excepcionais, pelo que, o arguido considera que foram violadas na decisão recorrida todas [as] normas referidas até à presente conclusão e ainda o n.º 3 do artigo 333° do CPP.

    4. - Ora, faltado o arguido à primeira data designada para a audiência de julgamento por motivo de doença e requerendo o arguido através do defensor constituído no primeiro dia útil seguinte à data da realização da audiência que fosse ouvido na segunda data designada para a referida audiência, a decisão do Tribunal recusando a audição do arguido com fundamento em extemporaneidade é, salvo o devido respeito por opinião contrária, irregular e inconstitucional.

    5. - Irregular porquanto, o artigo 333°, n.º 3 do CPP, determina que o arguido apesar de faltar à primeira data marcada para audiência de julgamento mantém o direito de ser ouvido, podendo, se a falta do arguido (e não a audiência) se deu na primeira data designada, o advogado constituído requerer que este seja ouvido na segunda data fixada pelo Tribunal, não fixando esta norma qualquer prazo especial para o exercício desta faculdade o prazo a respeitar é o prazo geral de dez dias do artigo 105° do CPP.

    6. - Inconstitucional, pois, a interpretação restritiva resultante do despacho recorrido prejudica o direito de defesa do arguido, violando, entre outras normas, os artigos 11º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948, 6°, n.º 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro e 32º, n.º 1, 2 e 6 da CRP.

    7. - Ou seja, não resulta do artigo 333°, n.º 3 do CPP, nem pode resultar sem prejuízo para o direito de defesa do arguido e, por conseguinte, das normas fundamentais do artigo anterior, que a audição do arguido tenha que ser requerida na primeira data designada para audiência de julgamento ou até ao encerramento da mesma audiência se esta ocorrer na primeira data.

    8. - Portanto, o arguido que requereu a sua audição no primeiro dia útil seguinte à primeira data designada para a audiência de julgamento, na sequência da sua falta por motivo de doença, exerce em tempo a faculdade que lhe confere o artigo 333°, n.º 3 do CPP, devendo, por isso, ser ouvido na segunda data designada pelo Tribunal para a realização da referida audiência.

    9. - O arguido considera ainda que a aplicação in casu do artigo 333°, n.ºs 1 e 2 do CPP prejudica o seu direito, constitucionalmente garantido, de escolher o defensor, considerando deste modo violadas pela decisão recorrida as normas dos artigos 6°, n.º 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, o n.º 3 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, 61º, n.º 1, al. d) e 66°, n.º 3 do CPP.

      […]

    10. - Ora, o arguido sendo-lhe aplicado o regime do artigo 333°, n.º 1 e 2 do CPP, uma vez que faltou à audiência por motivo de doença, para além de ver cerceado o seu direito fundamental a ser ouvido nessa audiência, também, não pode, faltando o defensor constituído, exercer outro seu direito fundamental que é o de escolher o defensor (artigo 32°, n.º 3 da CRP e 61°, n.º 1, al. d) do CPP) e até de recusar o defensor nomeado pelo Tribunal (artigo 66°, n.º 3 do CPP).

    11. - Por conseguinte, no que ao cerceamento deste direito do arguido respeita a realização da audiência na ausência do arguido e do mandatário escolhido por este é irregular e, consequentemente, são, também, irregulares a sentença proferida nos autos e os despachos ora em crise.

    12. - Devendo ser repetido o julgamento na presença do arguido e do defensor nomeado ou, no mínimo, na presença de um deles.

      […].”.

      O arguido interpôs ainda recurso da sentença (fls. 141) e apresentou a respectiva motivação (fls. 142 e seguintes).

      O Ministério Público respondeu e emitiu parecer, quer relativamente ao primeiro recurso (fls. 158 e seguintes e 173 e seguintes), quer relativamente ao segundo (fls. 162 e seguintes e 206 e seguintes), pugnando pela respectiva improcedência.

  5. Por acórdão de 4 de Maio de 2005 (fls. 218 e seguintes), o Tribunal da Relação do Porto decidiu, entre o mais que agora não releva, negar provimento ao recurso do despacho que indeferiu a arguição...

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