Acórdão nº 253/06 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução04 de Abril de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 253/2006

Processo n° 233/2006

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam, em Conferência, na 2ªSecção do Tribunal Constitucional

1. Nos presentes autos foi proferida a seguinte Decisão Sumária:

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, A. foi condenado na pena de quatro anos e dois meses de prisão, pela prática de três crimes de deserção.

    Na sequência da entrada em vigor do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003, de 15 de Novembro, e depois do trânsito em julgado da decisão condenatória, o recluso requereu a aplicação do regime penal concretamente mais favorável (constante do novo Código), invocando a inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artigo 2º do Código Penal, na parte em que excepciona da aplicação retroactiva do regime mais favorável os casos decididos por sentença já transitada em julgado (invocou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 677/98).

    O Tribunal Criminal de Lisboa, por decisão de 26 de Setembro de 2005, considerou o seguinte:

    O arguido A. no seu requerimento de fls. 260/2 veio, em síntese, alegar o seguinte:

    Por decisão condenatória transitada em julgado em 17.10.2003, foi condenado na pena de 4 anos e 2 meses de prisão por três crimes de deserção p. e p. pelos arts. 142 e 149 do Cód. de Justiça Militar aprovado pelo Dec. Lei na 141/77, de 9.4., que estabelecia para estes ilícitos uma moldura penal de 3 a 4 anos de presídio militar.

    Sucede que o cumprimento efectivo desta pena de prisão se iniciou já no âmbito do novo Cód. de Justiça Militar (Lei n° 100/2003, de 15.11), em que para o crime de deserção se consagra agora a pena mínima de 1 ano de prisão. Ora, entende o arguido que a limitação que o trânsito em julgado de uma decisão condenatória impõe ao princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, estabelecida na parte final do art. 2 nº 4 do Cód. Penal, deve ser havida como inconstitucional, invocando em abono da sua posição o Acórdão do Tribunal Constitucional na 677/98, de 2.1.98.

    Devem, assim, ser reformuladas, à luz do novo Cód. de Justiça Militar, as penas aplicadas ao arguido.

    Por outro lado, alega o arguido que a sua extradição de Espanha onde vivia foi concedida apenas para o cumprimento de pena por crimes de furto e que o seu julgamento por crimes militares ocorrido no Tribunal Militar da Marinha violou o princípio da especialidade consagrado no art. 14 da Convenção Europeia de Extradição.

    Acrescenta ainda que a extradição não era admissível relativamente a crimes militares (art. 4 da referida Convenção).

    Por estes motivos, o Tribunal Judicial de Chaves não incluiu as penas referentes a crimes militares no cúmulo jurídico que entretanto efectuou. Pretende, assim, o arguido que se reformule a pena que lhe foi aplicada nos presentes autos por forma a contemplar o novo Código de Justiça Militar, de conteúdo mais favorável.

    O Min. Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido.

    *

    Cumpre, então, apreciar e decidir.

    O arguido, nos presentes autos, por acórdão proferido em 2.10.2003, transitado em julgado, foi condenado pela prática de um crime de deserção p. e p. pelos arts. 142 nº 1 al. c) e 149 nº 1 al. a), 2ª parte, do Cód. de Justiça Militar de 1977, na pena extraordinariamente atenuada de 1 ano e 6 meses de presídio militar e, em cúmulo jurídico desta pena com as que lhe foram impostas no proc. nº 17/99 do Tribunal Militar da Marinha, na pena única de 4 anos e 2 meses de presídio militar .

    Entretanto, em 14.9.2004 entrou em vigor o novo Cód. de Justiça Militar que para os crimes de deserção como o presente estabeleceu a pena mínima de um ano de prisão (cfr. art. 74 nº 2 al.b).

    Dispõe o art. 2 nº 4 do Cód. Penal que «quando as disposições vigentes no momento da prática dos factos forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado.»

    Consagra-se aqui o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido, princípio que tem como única limitação o trânsito em julgado da decisão condenatória.

    Ora, no caso “sub judice” em que se encontra transitado em julgado o acórdão proferido em 2.10.2003 (cfr. fls. 122/127), a entrada em vigor, em 14.9.2004, de um regime mais favorável ao arguido no que toca ao crime de deserção nenhum efeito poderá ter, precisamente por força do disposto na parte final do art. 2 na 4 do Cód. Penal.

    Porém, o arguido suscita a questão da inconstitucionalidade desta norma, apoiando-se para tal no acórdão do Tribunal Constitucional n° 677/98, de 2.1.98. Neste acórdão julgou-se materialmente inconstitucional, por violação do princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, consagrado no n° 4 do art. 29 da Constituição, a norma constante do n° 4 do art. 2 do Cód. Penal, na parte em que veda a aplicação da lei penal nova que transforma em crime semi-público um crime público, quando tenha havido desistência da queixa apresentada e trânsito em julgado da sentença condenatória. Contudo, esta situação, em que está em causa uma hipótese de extinção de procedimento criminal por efeito da nova lei, mostra-se bem diversa da que agora se aprecia em que a lei nova, mantendo o crime de deserção, introduz tão somente uma moldura penal mais favorável ao arguido.

    Entendemos, por isso, que, não sendo de transpor para o caso presente o sustentado pelo Tribunal Constitucional no acórdão acabado de mencionar, não se vislumbra que a parte final do n° 4 do art. 2 do Cód. Penal padeça de qualquer inconstitucionalidade, razão pela qual não se poderá acolher o alegado pelo arguido.

    Por outro lado, sustenta também o arguido que o julgamento efectuado nestes autos no dia 2.10.2003 se mostrou ilegal, porque, tendo sido extraditado para cumprimento de pena por crimes de furto ocorridos em Chaves, houve violação do princípio da especialidade estabelecido no art. 14 da Convenção Europeia de Extradição, acrescendo ainda do disposto no art. 4 da mesma Convenção que a extradição é excluída relativamente a infracções militares que, tal como aqui sucede, não constituam infracções de direito comum.

    Face aos elementos que, provenientes do Tribunal Judicial de Chaves, chegaram entretanto ao nosso conhecimento, que confirmam o alegado pelo arguido, não se duvida que audiência de 2.10.2003 não se deveria ter efectuado, mas, por outra parte, também não poderá deixar de se sublinhar que esses elementos, donde resulta que o arguido havia sido extraditado de Espanha para cumprimento de penas por crimes de furto, eram desconhecidos nestes autos no referido dia 2.10.2003.

    Acontece igualmente que o acórdão então proferido...

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