Acórdão nº 302/06 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução09 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 302/2006 Processo n.º 458/05 Plenário

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. O Procurador-Geral da República requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 51.º do Estatuto da Aposentação, na redacção emergente da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP.

    Esta norma dispõe o seguinte:

    Artigo 51º Regimes especiais

    1 – ...

    2 – ...

    3 – Sem prejuízo de outros limites aplicáveis, a pensão de aposentação do subscritor sujeito ao regime do contrato individual de trabalho determina-se pela média mensal das remunerações sujeitas a desconto auferidas nos últimos três anos, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal ou prestações equivalentes.

    4 – (Anterior n.º 3)

    .

    2. Para fundamentar o pedido, o Procurador-Geral da República apresenta os seguintes argumentos:

    - a norma a que se reporta o presente pedido veio estabelecer um regime especial para a determinação da pensão de aposentação do subscritor da Caixa Geral de Aposentações sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, mandando atender à média mensal das remunerações sujeitas a desconto auferidas nos últimos três anos, com exclusão dos subsídios de férias e de Natal ou prestações equivalentes;

    - o estabelecimento deste regime especial envolve derrogação das regras gerais vigentes em sede de determinação da pensão de aposentação dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, nomeadamente, nos artigos 46.º e 48.º do Estatuto da Aposentação, que consideram relevante a média mensal das remunerações percebidas pelo subscritor nos dois últimos anos e que incluem os ordenados, salários, gratificações, emolumentos, subsídio de férias, subsídio de Natal e outras retribuições – previstas no n.º 1 do artigo 6.º – «com excepção das que não tiverem carácter permanente» (artigo 48.º do Estatuto);

    – este regime especial, inovatoriamente estabelecido, afecta, em termos claramente desfavoráveis, os direitos e expectativas dos subscritores sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho, ao ampliar o período temporal relevante para o cálculo da média mensal das remunerações auferidas e, muito em particular, ao excluir de tal cômputo retribuições periódicas e permanentes que sempre haviam sido consideradas relevantes para a determinação da remuneração mensal do interessado, degradando o valor da respectiva pensão de aposentação;

    – tal regime é imediatamente aplicável, nos termos regulados nos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, independentemente da extensão da carreira contributiva dos interessados;

    – afectando, consequentemente, em termos gravosos e intoleráveis, as legítimas expectativas dos agentes sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho, carecendo manifestamente de fundamento material a exclusão da base de cálculo das pensões de aposentação de remunerações periódicas – os subsídios de férias e de Natal – que sempre foram considerados, para todos os efeitos, como incluídas no conceito de «retribuição» ou remuneração, relevando de pleno para o cálculo da pensão;

    – e sendo certo que o trabalhador sujeito ao regime do contrato individual de trabalho com a Administração Pública sempre foi realizando, ao longo de toda a carreira contributiva, descontos que incidiram sobre o valor daqueles «subsídios», criando-lhe a expectativa legítima e perfeitamente fundada de que, no momento da aposentação, tais subsídios – como toda a remuneração percebida regularmente e objecto de descontos – seria relevante para o cálculo da pensão a que teria direito;

    – ora, ao estabelecer tal alteração inopinada nos mecanismos de cálculo da pensão de aposentação dos subscritores sujeitos ao regime de contrato individual de trabalho, degradando substancialmente o valor da mesma, o legislador afectou, em termos intoleráveis, o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, afirmado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, levando a que a pensão de aposentação outorgada a tais subscritores não represente a exacta e plena contrapartida de todos os descontos efectuados pelo agente ao longo da sua carreira contributiva.

  2. Notificado, nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, para se pronunciar sobre o pedido, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou cópia dos Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em que se integra a norma em apreciação.

  3. Debatido o memorando apresentado pelo Vice-Presidente do Tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 39.º e do artigo 63.º da LTC, e fixada a orientação sobre as questões a resolver, cumpre formular a decisão.

    II – Fundamentação

  4. É vasta a jurisprudência deste Tribunal sobre o princípio constitucional da protecção da confiança, que o requerente considera violado pela norma do n.º 3 do artigo 51.º do Estatuto da Aposentação, na redacção da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro. Interessa recordar alguma desta jurisprudência, nomeadamente a que se relaciona com o domínio das pensões de aposentação ou realidades congéneres.

    No Acórdão nº 99/99 (in Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1999, pp. 4772 ss., e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 42º vol., págs. 433 e ss.), o Tribunal Constitucional teve ensejo de se debruçar sobre a constitucionalidade da norma do n.º 5 do artigo 47.º do Estatuto da Aposentação, introduzida pelo artigo 7.º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, que veio determinar que, no cálculo da pensão de aposentação, sempre que a média das remunerações exceda a remuneração base legalmente fixada para o cargo de Primeiro-Ministro, será a remuneração mensal relevante reduzida até ao limite daquela.

    Confrontando essa norma com o princípio constitucional da confiança, o Tribunal começou por recordar o que antes dissera no Acórdão nº 287/90, deixando afirmado o seguinte:

    Como se escreveu no Acórdão n.º 287/90 (publicado no Diário da República, I Série, de 20 de Fevereiro de 1991):

    “Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no sentido de que ‘apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de 12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., pp. 11 e segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, n. 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional, designadamente através dos Acórdãos nºs. 17/84 e 86/84, publicados nos 2º e 4º vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., respectivamente).”

    E no mesmo Acórdão n.º 287/90, transcrito depois no Acórdão n.º 285/92, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992, salientou-se que, depois de se apurar se foram afectadas expectativas legitimamente fundadas, resta averiguar se essa afectação é inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa. A “ideia geral de inadmissibilidade” deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:

    “

    a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

    b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18º da Constituição desde a 1ª revisão).

    Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.”

    […]. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de um limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de aposentação afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto que não havia razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação da ordem jurídica (a imposição daquele limite naquele momento).

    Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um dado regime da aposentação antes de certo momento.

    Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação. Ora, o artigo 43º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (…). E, por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas...

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