Acórdão nº 336/06 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução18 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 336/2006

Processo n.º 901/05

2 Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. e B., identificados nos autos, foram julgados e condenados, por sentença proferida pelo 6º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Criminal de Lisboa, no processo comum (com tribunal singular) n.º 8086/02.7TDLSB, como co-autores de um crime de abuso de informação, p. e p. pelo art. 378.º, n.º 1, com referência ao n.º 4, do Código de Valores Mobiliários, nas penas de 180 dias de multa à taxa diária de trezentos euros, cada um deles, e o último recorrente, ainda também, pela prática de igual crime, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de trezentos euros, e, em cúmulo jurídico, na pena única de duzentos e sessenta dias de multa à referida taxa diária de trezentos euros”.

2 – Desta decisão, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, todavia, pelo acórdão, agora recorrido, de 20 de Abril de 2005, negou provimento aos seus recursos.

Ao contrário, o acórdão do TRL concedeu provimento ao recurso que o Ministério Público também interpusera, com o sentido de ver alterada a decisão da 1ª instância no que toca ao facto de não haver declarado perdidas a favor do Estado, nos termos do art. 111.º, n.º 2, do Código Penal (CP), as vantagens económicas ilegitimamente obtidas pelos arguidos através da prática dos respectivos crimes, pelos quais foram condenados.

3 – Dizendo-se inconformados com esta decisão da 2ª instância, os arguidos recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo, ambos, a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do art. 111.º do Código Penal, na interpretação segundo a qual o mesmo é “aplicável como consequência da prática dos factos integrantes do ‘crime de abuso de informação’, por que o[s] recorrente[s] foi [foram] condenado[s], previsto e punível, em 25 de Janeiro de 2000, ‘pelo art. 666.º, n.º 1, al. a), com referência aos nºs 4 e 5 do Código do Mercado dos Valores Imobiliários e (…) [após 1 de Março de 2000] pelo art. 378.º, n.º 1, com referência ao n.º 4, do Código de Valores Mobiliários’ ”.

O recorrente A. pediu, ainda, a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante dos art.ºs 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, numa acepção que definiu.

Todavia, pelo Acórdão n.º 81/06, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que indeferiu reclamação deduzida contra Despacho de delimitação do objecto do recurso proferido pelo relator, o Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento desta última questão de inconstitucionalidade, por haver entendido, em síntese, que o recorrente pretendia sindicar não a constitucionalidade de tal norma mas o mérito da decisão judicial em si mesma e que, mesmo a entender-se o contrário, sempre esse conhecimento se tornaria inútil por o acórdão recorrido se haver fundado em um outro fundamento autónomo, não controvertido pelo recorrente.

4 – Alegando, no Tribunal Constitucional, sobre o objecto do recurso delimitado nos termos acima precisados, concluíram os recorrentes do seguinte jeito a argumentação expendida:

Jamais, anteriormente ao recurso do Mº Pº para a Relação – tanto na acusação, como em julgamento, como na sentença – a questão da «perda das vantagens» do crime foi versada no processo.

Contra o disposto no art. 32º, 5, da Constituição da República Portuguesa, a omissão de audição dos arguidos sobre essa questão, frustrou-lhes o direito de se pronunciarem sobre os argumentos com que posteriormente vieram a ser confrontados.

A norma do art. 111º do Código Penal, na interpretação e aplicação que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. (datado de 20 de Abril de 2005), dela fez, é inconstitucional, por actuação dos princípios vazados no art. 32º, 5, da Constituição da República Portuguesa.

O direito penal económico prevê específicos crimes e consequências jurídicas deles, distintos dos que se encontram no Código Penal; é autónomo em relação ao direito penal (clássico, primário ou de justiça) patrimonial.

Para a determinação da pena aplicável e das medidas postuladas pelo ilícito previsto no art. 378º do Código dos Valores Mobiliários, apenas se pode recorrer à previsão vazada nesta norma; não a outra disciplina, designadamente à constante do art. 111º do Código Penal.

A decidir-se que a «perda de vantagens» a que se refere o art. 111º, 2, do Código Penal pode ser ordenada contra os agentes do facto iIícito-típico (autores e comparticipantes), ainda que as não tenham auferido, cria-se uma «providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança».

A definição das medidas de segurança e respectivos pressupostos é matéria «da exclusiva competência da Assembleia da República (...), salvo autorização ao Governo» [art. 165º, 1, c), da Constituição da República Portuguesa].

Ao «ler» no art. 378º do Código dos Valores Mobiliários que o mesmo, além de prever a pena aplicável pelo ilícito previsto, admite a actuação da disciplina do art. 111º, 2, do Código Penal, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. (datado de 20 de Abril de 2005), não interpretou o citado preceito com um mínimo de correspondência com a letra da lei, exigível para o efeito, segundo o disposto no art. , 2, do Código Civil.

Assim e por virtude do princípio constante do art. 29º da Constituição, a norma do art. 111º, 2, do Código Penal, na interpretação e aplicação que dela fez o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls. (datado de 20 de Abril de 2005), é inconstitucional

.

5 – Por seu lado, o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, contra-alegou, dizendo em conclusão do seu discurso:

«1 – Não é inconstitucional a norma do artigo 111.º do Código Penal, quando interpretada no sentido de ser aplicável como consequência da condenação pela prática do crime [p. e p. pelo artigo 378.º, n.º - quis dizer-se] 4, do Código dos Valores Mobiliários, não assumindo, por outro lado, a perda das vantagens do crime natureza análoga à da medida de segurança.

2 – Deverá, assim, improceder o presente recurso».

6 – Na parte útil ao conhecimento da questão de inconstitucionalidade, o acórdão recorrido discorreu do seguinte modo:

a) Do crime de abuso de informação privilegiada

Contrariamente ao que possa pensar-se, este tipo de ilícito não é - mais um - "filho" da globalização - também - económica, que parece omnipresente nos dias de hoje, mas antes, como se disse, se mostrava já previsto entre nós nos artºs 449 e 524º do CSC de 1987 - sendo tido então, já também, como "um problema actual”[1].

O primeiro referido - no domínio das sociedades anónimas - previa, como sanção para o mesmo, o dever de "indemnizar os prejudicados - ou a sociedade se estes não pudessem ser identificados - pagando-lhes quantia equivalente ao montante da vantagem patrimonial realizada", qualificando-o o segundo, como crime punível com prisão e multa.

Universalmente punível hoje em dia no domínio de qualquer mercado bolsista, no âmbito do novel e cada vez mais insaciável direito penal económico, lembra-nos, avisadamente, o excelente estudo de Frederico de L. da Costa Pinto que "o seu desvalor intrínseco não é, no entanto, imediatamente apreensível, pois as condutas em causa apelam a valorações específicas e regras de funcionamento do mercado que são normalmente estranhas à experiência comum e ao quotidiano judicial”, adiantando desde logo que, "por outro lado, a sua danos idade real não é imediatamente visível, como acontece em geral com a criminalidade económica mais sofisticada...pelo facto de se tratar de práticas que surgem num "contexto lícito” (a negociação no mercado de valores mobiliários), ao contrário da generalidade dos crimes comuns que originam proveitos económicos e que se revelam ab initio num contexto "originariamente ilícito " (caso dos furtos, roubos, lenocínio, tráfico de estupefacientes, etc.)[2].

Daí que o bem jurídico tutelado pela incriminação, visando assegurar o regular funcionamento do mercado financeiro, seja complexo e diversificado, como o são a "igualdade entre os investidores, a confiança destes no mercado, o seu património, os pressupostos essenciais de um mercado eficiente ou a função negocial da informação e a justa distribuição do risco dos negócios", defendendo-se por isso que se trata de uma infracção "pluri-ofensiva"[3] .

Comprovando-o, aí está, como se disse, a sua expressa previsão constitucional – art. 201º da CRP.

Diz ainda mais Hurtado Pozo: “O ilícito em causa não se destina a proteger apenas um bem jurídico. Simultaneamente e ainda que a um nível diferente, protege também a própria empresa contra a violação do dever de lealdade das pessoas que recebem a informação em razão das funções que desempenham dentro dela, já que necessariamente também conduzem a consequências negativas sobre a sua reputação. Para além disso, quando a pessoa informada compra barato as acções daquela de que é accionista e as vende logo a seguir, necessariamente, por maior preço, enriquece-se tanto à custa da mesma empresa como em detrimento dos accionistas que não se encontravam igualmente informados. Daí que, ao prejuízo causado à reputação da empresa se junta também um prejuízo patrimonial em detrimento da mesma".

Constituem assim elementos típicos do ilícito quer "as qualidades típicas dos agentes", a posse e o conhecimento da informação privilegiada, a "relação entre a posse da informação e as condutas proibidas" – art. 378º nºs 1 a 4, em tudo igual ao anterior art. 666º nºs 1, 3 e 4 - e o elemento subjectivo, que tem de ser doloso – art. 13º do CP.

Estes poderão ser levados a cabo com a finalidade da - o caso dos autos -aquisição de acções a menor preço se obter uma vantagem económica, a mais valia - aqui certa - quer também com a sua venda, prevenindo uma baixa...

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