Acórdão nº 356/06 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução08 de Junho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 356/2006

Processo nº 1056/2005

  1. Secção

    Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

    Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

    I

    Relatório

    1. A. foi condenado, por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Mafra de 3 de Junho de 2002, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês, previsto no artigo 292º do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, e na sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados por um período de três meses, e pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 44º do Código da Estrada, na coima de 99,76 euros e na sanção acessória de inibição de conduzir por um período de três meses.

    O arguido havia apresentado contestação do pedido cível que não foi admitida. Da decisão de não admissão da contestação do pedido cível interpôs o arguido recurso, concluindo o seguinte:

  2. O arguido entende poder apresentar CONTESTAÇÃO do Pedido Cível formulado nos Autos, nos termos do art.° 78° do Código de Processo Penal, uma vez que a Seguradora Global pode vir a sofrer condenação que o afecte;

  3. Vindo a Seguradora Global a sofrer condenação, poderá esta vir mais tarde, em eventual direito de regresso contra o condutor do veículo, a fazer repercutir essa condenação no arguido, por este conduzir com TAS - e o arguido não teve hipótese de se defender na acção;

  4. É nesta acção que o arguido deve poder ter legitimidade passiva, por a decisão proferenda o poder vir a afectar (ex vi do art.° 377° do Código de Processo Penal);

  5. A intervenção do arguido no pedido cível é, para além de uma questão de lei e direito, uma questão constitucional, uma vez que o princípio da protecção global dos direitos do arguido assim o exige: art.° 32° da Constituição da República Portuguesa;

  6. E é também uma questão de Justiça, para a qual se convocam as normas jurídicas constantes dos art.°s 73º 1, 74º 3, 76° 2, 78°, 79°, 84°, 124° e 125° do Código de Processo Penal;

    O arguido interpôs recurso da decisão condenatória, concluindo o seguinte:

  7. Verificam-se todos os pressupostos processuais e demais condições de admissão deste recurso;

  8. Podendo a Seguradora Global vir mais tarde, em eventual direito de regresso, contra o condutor do veículo, a fazer repercutir a condenação ou o acordo transaccionado, por este conduzir com TAS - o arguido quer ter hipótese de se defender na acção; (atenta a carta enviada, como Doct. 1)

  9. A intervenção do arguido no pedido cível é, para além de uma questão de lei e direito, como se referiu amplamente no recurso da decisão interlocutória, uma questão constitucional, uma vez que o princípio da protecção global dos direitos do arguido assim o exige: art.° 32° n.° 1 da Constituição Portuguesa;

  10. Outra violação constitucional é a prática de retirarem ao arguido, cinco minutos após a leitura da sentença, as impressões digitais, ora os dedos sozinhos, ora todos à uma, por NEGAÇÃO INTOLERÁVEL DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA - art.° 32° n.° 2 da Constituição - e por ofensa à integridade pessoal do arguido - submetendo, quem é capaz de se identificar de outro modo, a um trato degradante.

  11. O arguido mantém que não causou perigo nem embaraço para os veículos que seguiam em sentido contrário, pelo que não vê como pode ser condenado por desrespeito ao art.° 44° do Código da Estrada;

    (contra-ordenação estradal)

  12. O arguido não compreende por que é que não pode beneficiar do regime da dispensa da inibição de condução, ou do regime da suspensão da execução da sanção de inibição de condução, com ou sem prestação de boa conduta, atendendo à sua personalidade, condições de vida, conduta anterior e posterior à contra-ordenação e às circunstâncias em que ocorreu o acidente (art.° 500 do Cód. Penal, ex vi do art.° 142° do Cód. da Estrada);

  13. A simples censura do facto e a ameaça da sanção acessória (inibição do direito de conduzir por três meses) realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

  14. A sentença, ao não suspender a aplicação da sanção acessória de inibição de condução, ultrapassa algo a medida da sua culpa, o que viola o princípio constitucional da culpa (art.° 27° da Constituição) e o princípio legal que lhe está subordinado (art.° 400 do Código Penal);

  15. Sendo a suspensão da sanção acessória de inibição de condução perfeitamente compatível com o desiderato da protecção dos bens jurídicos, que a aplicação das penas criminais visa, e com a ressocialização do delinquente (citado art.° 40° do Código Penal);

  16. Estabelecendo o princípio ne bis in idem que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, o arguido entende que a sua conduta está a ser duplamente valorada, em sede de código penal (sanção criminal multa) e em sede de Código da Estrada (sanção contra-ordenacional: inibição de condução por três meses) pelo que há violação constitucional;

  17. Em todas estas perspectivas, o recurso tem como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ( art.° 410° n.° 1 e 2 a) do Código de Processo Penal): o arguido não teve falta de cuidado ao virar à esquerda - art.° 44º do Código da Estrada - nem podia evitar o acidente, quando o motociclista se precipitou para cima do veículo por si conduzido; e, quanto ao crime por que foi condenado, entende que A LEI lhe permite beneficiar do regime da dispensa ou da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de condução, o que a sentença não considerou; nem devia ter sido levada em conta a sanção criminal juntamente com a sanção contra-ordenacional, por violação do princípio ne bis in idem.

  18. Por imposição do art.° 412° N.° 5 do Código de Processo Penal, o arguido declara que mantém interesse no recurso retido, relativamente à questão da Contestação do Pedido Cível, apresentada por si;

  19. Dado que nas actuais alegações de recurso, este é também o requerimento de interposição de recurso (motivado) e há referência a matéria de direito, requer o arguido que, havendo lugar a alegações, estas se produzam por escrito (art.° 411º N.° 4 do Código de Processo Penal).

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de Novembro de 2005, entendeu o seguinte:

    Colhidos os vistos e realizada a Conferência cumpre apreciar e decidir.

    As questões objecto do recurso são:

    Primeiro o recurso retido relativamente à questão da Contestação do Pedido Cível, apresentada pelo recorrente.

    Depois, relativamente à decisão final:

    1. intervenção do arguido no pedido cível;

    2. insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

    3. violação do princípio da inocência pela recolha de impressões digitais;

    4. violação do princípio ne bis in idem;

    5. da pena aplicada.

      O recurso retido, relativamente à questão da Contestação do Pedido Cível, apresentada pelo recorrente.

      Recorre o arguido do despacho que não admitiu a contestação por si apresentada ao pedido cível deduzido pelo lesado, nos autos constituído Assistente.

      Com efeito o despacho de fls. 200 indefere liminarmente a contestação ao pedido cível por «manifesta ilegitimidade».

      Vejamos.

      O pedido cível é formulado pelo Assistente contra a Companhia Seguradora e não contra o recorrente.

      Diz-nos o art. 78, nº 1, do CPP que a pessoa contra quem for deduzido pedido de indemnização cível é notificado para, querendo, contestar. Significa este preceito que apenas contra quem for deduzido o pedido é que, querendo, pode contestá-lo.

      O facto de o arguido não poder contestar tal pedido não o prejudica pois mesmo na falta de contestação não existe confissão de factos, isto é, não se está perante as regras de processo civil, não sendo possível haver, por via do pedido cível, condenação do arguido. Assim, bem andou o Mmo. Juiz no seu despacho de fls. 200 em indeferir a contestação do arguido ao pedido cível.

      Improcede, portanto, o recurso retido.

      Quanto ao recurso principal.

    6. intervenção do arguido no pedido cível.

      O que se deixou escrito sobre o recurso retido vale quanto a este primeiro ponto: o arguido não pode ser prejudicado por via da acção cível instaurada contra a Companhia Seguradora. E, como tal, não poderá haver violação do «princípio da protecção global dos direitos do arguido» ou violação do art.° 32° n.° 1 da Constituição Portuguesa. Improcede, como tal, neste particular a pretensão do recorrente.

    7. insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

      A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum (cfr. art. 410.°, n.° 2, al. a) do CPP).

      Importa, assim, neste ponto, conhecer o teor da decisão recorrida:

      (…)

      1. No dia 26.02.2000, pelas 18H30, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula n° ..-..-.., pela EN n° 9, nesta Comarca de Mafra, seguindo no sentido Mafra-Sintra.

      2. Quando chegou ao Km 26,400, após ter atravessado a ponte de Cheleiros, na localidade com o mesmo nome, o arguido constatou que, no sentido em que seguia, a via se encontrava vedada ao trânsito, devido à realização de obras.

      3. No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, B. conduzia o motociclo com a matrícula ..-..-.. no sentido Sintra-Mafra.

      4. Em consequência dessas obras, o trânsito que circulava no sentido Mafra-Sintra era obrigado a efectuar uma mudança de direcção à esquerda, a fim de passar a circular na “Estrada Velha” que naquele local entronca com a E.N n° 9.

      5. Com o objectivo de realizar essa mudança de direcção, o arguido virou o volante para o seu lado esquerdo, sem se certificar devidamente se vinha algum veículo em sentido contrário, dando a sua direita ao centro de intersecção da “Estrada Velha”, para onde pretendia seguir, com a E.N 9.

      6. Desse modo, o arguido saiu da hemifaixa de rodagem em que circulava, atravessando a sua viatura na hemifaixa de rodagem da E.N nº 9 afecta ao trânsito entre Sintra-Mafra, não tendo reparado que nesse sentido circulava o motociclo com a matrícula ..-..-..

      7. De imediato, deu-se o embate entre o motociclo com a matrícula n°...

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