Acórdão nº 423/06 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução11 de Julho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 423/2006

Processo n.º 746/04

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira

    Acordam no Tribunal Constitucional

    1. A. foi julgado na Relação de Lisboa mediante acusação deduzida pelo Ministério Público e condenado, em acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2003, pela prática em autoria material de um crime de desobediência previsto e punível pelas disposições conjugadas do artigo 158º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada, com referência ao artigo 348º n.º 1 alínea a) e artigo 69º n.º 1 alínea c) ambos do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 25 euros, no total de 1500 euros, e na pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir veículos automóveis.

    Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão de 3 de Junho de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu rejeitar o recurso "na vertente em que o mesmo visava a reapreciação da matéria de facto, para além dos vícios a que alude o artigo 410º n.º 2 do Código de Processo Penal", e em negar-lhe provimento, no restante, assim mantendo a condenação aplicada da Relação de Lisboa.

    Deste acórdão recorre o arguido para o Tribunal Constitucional em requerimento do seguinte teor:

    A., advogado, arguido no processo supra referido, notificado do acórdão final de 3 Junho 2004, vem do mesmo interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, limitado às questões de constitucionalidade levantadas no decurso do processo, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

    1. Nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nas alegações escritas apresentadas já neste e em requerimento avulso sobre a competência hierárquica dos venerandos Tribunais, o ora recorrente suscitou questões de constitucionalidade de algumas normas, como adiante se exporá, que não obtiveram provimento, mas que abrem a via do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional que estabelece que «Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

    2. No requerimento sobre a questão da competência do Tribunal da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente escreveu que «Uma interpretação normativa da regra consignada no citado n.º2 do artigo 15.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, de modo a abranger situações como a do recorrente, que se encontra desligado efectivamente do serviço, cria uma excepção ao princípio do juiz natural de tal modo gritante, que viola o princípio da igualdade perante a lei inscrito no também referido n. º 2 do artigo 13º da Constituição»,

    3. Com a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 15º do Estatuto dos Magistrados Judiciais feito no douto acórdão o recorrente considera que foi violado o princípio da igualdade do cidadão perante a lei, consignado no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, visto que se não justifica a existência de foro especial para magistrados fora do serviço efectivo, sendo até que no momento da prolação do acórdão fina1 já se encontrava apenas aposentado, por deliberação de 25.05.2004 do Conselho Superior da Magistratura, que só lhe foi comunicado depois da data do acórdão,

    4. O recorrente pretende ainda ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 158.º do Código da Estrada na redacção do artigo 4.º do Decreto-Lei n. 265-A/2001 de 28 de Setembro, emitido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição, sem indicação de autorização legislativa, em violação do princípio de reserva de lei penal da Assembleia da República, prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea c) da Constituição, que o douto acórdão considerou existir, mas o decreto-lei omite.

    5. Igualmente deve ser apreciada a inconstitucionalidade da norma da alínea c) do artigo 69º do Código Penal Português, na medida em que considera que foi aplicada em violação do regime do n.º 4 do artigo 30º da Constituição, que proíbe a atribuição de efeitos automáticos a condenações penais, sem ponderação autónoma dos factos, questões igualmente suscitadas nas alegações de recurso e escritas.

    6. Como se sublinhou nas alegações finais escritas, da conjugação das normas decorrentes dos artigos 394.º, 398.º, 283.º, n.º 5 e 286.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, tal como foram aplicadas na fase da acusação e do seu recebimento judicial, resultam violados os princípios da lealdade processual, igualdade de armas, direito e garantias de defesa na modalidade do acesso à justiça, tendo sido denegada a faculdade de abertura de instrução em devido tempo, para cujo efeito o arguido nunca foi notificado, pelo que também se pretende ver apreciada a constitucionalidade daquelas normas, como aplicadas no processo, com aceitação do S.T.J.

    7. Finalmente uma questão nova se apresenta agora com a prolação do douto acórdão. Diz respeito à interpretação do n.º 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal feita pelo acórdão. No mínimo, era de contar com um convite do Supremo, para efeitos da supressão do vício relacionado com os pontos de facto incorrectamente julgados, como se entendeu que deve ser feito no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 529/2003, Processo n.º 667/2003, de 31 de Outubro de 2003, publicado no Diário da República - II Série, n.º 290, de 17 de Dezembro de 2003. Uma interpretação tão radical no sentido negativo, em oposição à própria tese do Ministério Público, permite agora suscitar a questão da inconstitucionalidade daquela norma, por violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a qual agora se levanta e pretende ver apreciada igualmente no presente recurso.

      Termos em que se requer a admissão do presente recurso, com oportuna remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, para aí seguirem os ulteriores termos.

      O recurso foi admitido. Neste Tribunal, o relator convidou o recorrente a esclarecer o seguinte:

      Nos recursos previstos na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o Tribunal Constitucional tem uniformemente entendido que, atento o princípio do pedido, é ao recorrente que cabe o ónus de enunciar a norma acusada de inconstitucional, por forma a que o Tribunal dela possa conhecer nos precisos limites com que foi aplicada. Nesta fase, interessará, assim, conhecer com rigor, não tanto as razões nas quais o douto recorrente alicerça o fundamento do seu recurso, mas exactamente a formulação normativa aplicada no acórdão recorrido e aqui questionada.

      Convido, portanto, o recorrente, nos termos do artigo 75º-A da LTC, a indicar com precisão qual foi a interpretação normativa dos artigos 15º n. 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 69º alínea c) do Código Penal, e 412º n. 3 do Código de Processo Penal que o acórdão recorrido aplicou; e convido, ainda, o mesmo recorrente a esclarecer – no mesmo prazo de 10 dias – se suscitou ou não, perante o Tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade relativa ao aludido 412º n. 3 do Código de Processo Penal.

      O recorrente veio então dizer o seguinte:

      A., advogado, recorrente no processo supra referido, notificado do douto despacho de aperfeiçoamento, de 30 de Setembro de 2004, vem responder ao convite efectuado com base no regime do artigo 75.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional nos termos que seguem:

      Enquadramento da Questão:

      1. O recorrente é convidado a indicar com precisão qual foi a interpretação normativa dos artigos 15.º, n.º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 69.º, alínea c) do Código Penal Português e 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, que o douto acórdão recorrido aplicou e

      2. Se suscitou perante o Tribunal recorrido a questão da inconstitucionalidade relativa ao aludido artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

      O recorrente interpreta o douto despacho nos seguintes termos:

      - É seu ónus indicar a formulação normativa aplicada no douto acórdão recorrido, que questiona no recurso perante o Tribunal Constitucional, aceitando este Alto Tribunal que relativamente aos artigos 15.º, n.º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 69.º, alínea c) do Código Penal a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos termos legais, havendo dúvidas se o foi também quanto ao artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

      Sobre a Formulação Normativa

    8. No douto acórdão recorrido o Venerando Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou a norma resultante do n.º 2 do artigo 15.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais no sentido de que a mesma se aplica aos magistrados jubilados, gozando estes de foro especial, desde que a jubilação não resulte de afastamento em procedimento disciplinar, foro que visa ainda a defesa dos interesses da função.

    9. Pelo contrário, o recorrente entendeu e entende que ao magistrado jubilado não se aplica o regime jurídico daquele n.º 2 do artigo 15.º, independentemente da jubilação resultar de procedimento disciplinar ou de normal afastamento por idade ou tempo de serviço, sob pena de violação do princípio da igualdade perante a lei.

    10. No que concerne à alínea c) n.º 1 do artigo 69,º do Código Penal Português, o Supremo Tribunal de Justiça, interpretou e aplicou esta norma como um efeito automático da punição principal por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito do álcool.

    11. Quando, no modesto entender do recorrente, a mesma prevê uma segunda punição autónoma – condenação na proibição de conduzir – que não pode constituir mero efeito automático da punição pela conduta principal, efeito proibido constitucionalmente.

    12. No que concerne à formulação normativa do n. °3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça (folhas 16 a 19 do douto acórdão) aplicou este dispositivo legal no sentido de que a falta de indicação nas conclusões da motivação de recurso das menções contidas nas...

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