Acórdão nº 534/06 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução27 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 534/2006

Processo nº 754/2006.

  1. Secção.

Relator: Conselheiro Bravo Serra.

1. Em 12 de Setembro de 2006 o relator proferiu a seguinte decisão: –

1. Por acórdão lavrado pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 9 de Março de 2006 foi decidido ordenar a execução de um mandado de detenção europeu emitido pelo Tribunal da Relação de Antuérpia, Reino da Bélgica, na sequência de ter sido o aí arguido, o cidadão italiano A., condenado na pena de cinco anos de prisão pelo cometimento de crimes de furto com arrombamento, escalamento ou chaves falsas e de participação em organização criminosa.

Desse acórdão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 5 de Abril de 2006, concedeu provimento ao recurso, determinando a anulação de todo o processado a partir da junção aos autos do mandado de detenção europeu, determinando que se procedesse à audição do detido sobre o objecto do mesmo mandado.

Na sequência do assim decidido, efectuou-se, no Tribunal da Relação de Lisboa, a audição do detido e, a dado passo, por despacho proferido em 23 de Maio de 2006 pela Desembargadora Relatora daquele Tribunal, foi determinada a restituição daquele à liberdade, impondo-se-lhe a prestação de termo de identidade e de residência, a apresentação diária no posto policial da sua residência, a prestação de caução do montante de € 10.000 e a obrigação de não se ausentar de Portugal.

Tendo, por acórdão de 11 de Junho de 2006, o indicado Tribunal de 2ª instância ordenado a execução do mandado de detenção europeu, de tal acórdão recorreu novamente o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na motivação adrede produzida, as seguintes «conclusões»: –

‘1º

Salvo sempre o devido respeito, ao determinar a execução do MDE emitido após a detenção e interrogatório do recorrente, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelos artigos 1º e 7.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto; 2.º,20.º, nº 4, 32.º,8.º, 16.º, 17.º, 18.º,202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; bem como artigo 9.º, nº 3, último parágrafo e 27.º, ambos da Decisão Quadro n 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, salvo sempre o devido respeito.

  1. O processo respeitante à execução de um MDE reveste igualmente a natureza de um processo equitativo e efectivo, razão porque nunca poderá, dentro deste mesmo processo, ser desrespeitada a regra da especialidade – a qual este mesmo se destina preservar e a concretizar.

  2. O recorrente suscita e pede seja reconhecida, por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade material dos artigos 1º e 7.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, quando interpretados e aplicados no sentido de que ‘... a não renúncia ao beneficio da regra da especialidade não impede que, já após a detenção e audição do extraditando, seja permitida a execução de um MDE diverso, emitido posteriormente …’

  3. Tal interpretação e aplicação revelam-se violadoras do quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP, 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  4. Porque na falta de qualquer correspondência verbal que as autorize, salvo sempre o devido respeito, o Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º, da CRP, não permite a violação da legalidade democrática – como referem, ainda, os seus artigos 202 [.]º, nº 2 e 203.º bem como pauta-se pelo respeito aos direitos fundamentais do extraditando, dentre os quais o direito a um processo equitativo e efectivo, que destina-se, igualmente, a promover o respeito e observância, da regra da especialidade.

  5. Ao invés de determinar a execução do MDE emitido posteriormente, deveria o douto acórdão recorrido ter determinado o arquivamento dos presentes autos, uma vez que não restaram atendidos os doutos despachos de fls. 36 e 46, verso, que solicitaram a apresentação do original do MDE que motivou a detenção do recorrente.

  6. O arquivamento dos autos impunha-se, nos termos do disposto pelo artigo 45.º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, de aplicação subsidiária, bem como face ao disposto pelo artigo 1.º, nº 2, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, que determina a aplicação do artigo 9.º, nº 3, último parágrafo, da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho.

  7. O MDE que teve a sua execução determinada pelo douto acórdão recorrido padece de caducidade, uma vez que a douta decisão de 19.05.2005, cuja pena se visava executar, deixou de existir no próprio ordenamento jurídico do Estado-Membro de emissão.

  8. Se realmente foi posteriormente ordenada a detenção do recorrente, no passado mês de Março de 2006, nenhuma decisão neste sentido foi comunicada nos presentes autos, não tendo sido emitido, nem requerida, a execução de qualquer MDE, em seu cumprimento, junto às Autoridades Portuguesas.

  9. E o recorrente suscita e pede seja reconhecida, por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade material dos artigos 1.º e 2.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, quando interpretados e aplicados no sentido de que ‘... uma decisão judiciária emitida por um Estado membro para cumprimento de pena, que deixou de vigorar na sua própria ordem interna, pode, ainda, mesmo posteriormente, justificar o decreto de execução de um MDE, com base nesta emitido...’, por violação do quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  10. Na falta de qualquer correspondência verbal que as autorize, salvo sempre o devido respeito, o Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º, da CRP, não permite a violação da legalidade democrática – como referem, ainda, os seus artigos 202[.]º, nº 2 e 203.º.

  11. Por não haver previsão legal para que um MDE, que padece de manifesta caducidade, possa vir ainda a ser executado, a existência de uma decisão anterior não dispensa a observância do direito ao processo equitativo e efectivo de execução do MDE.

  12. Processo que não resta observado, quando a execução deste vem determinada, para o cumprimento de uma pena imposta por douta decisão que deixou de existir, na própria ordem jurídica do Estado-Membro de emissão.

  13. Razão porque deveria o douto acórdão ter determinado o arquivamento dos autos, por inutilidade superveniente, nos termos do artigo 287.º, ‘e’, do CPC, aplicável por força do quanto disposto pelos artigos 4.º, do CPP e 34.º, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.

  14. Ao não determinar o referido arquivamento, o douto acórdão recorrido violou o disposto pelos artigos 1.º, 2.º e 34., da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto e artigos 2.º, 20.º, nº 4,32.º,8.º, 16.º, 17.º, 18.º,202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4º do CPP e 287.º, ‘e’, do CPC, salvo sempre o devido respeito.

  15. Mas ainda que assim não fosse, o que se admite por argumento, salvo sempre o devido respeito, o MDE que teve a sua execução decretada pelo douto acórdão recorrido, não atende as exigências dos artigos 1.º, nº 2 e 3.º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, uma vez que não efectua qualquer ‘... descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada...’.

  16. E o recorrente suscita e pede seja reconhecida a inconstitucionalidade material do artigo 3º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, quando interpretado e aplicado no sentido de que ‘... o uso de expressões genéricas como ‘furto com arrombamento, escalamento com chaves falsas, consciente e voluntariamente, fazendo parte de uma organização criminosa com o objectivo de delitos passíveis de uma pena de prisão de três ou mais anos’, são suficientes para prestar atendimento à exigência de descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada...’, por violação do quanto disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18.º, 202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  17. Na falta de qualquer correspondência verbal que as autorize, salvo sempre o devido respeito, o Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º, da CRP, não permite a violação da legalidade democrática – como referem, ainda, os seus artigos 202[.]º, nº 2 e 203.º.

  18. Restando violado o direito a um processo equitativo e efectivo, uma vez que a não descrição da infracção, por si só, não apenas impede o recorrente de exercer o contraditório, na sua plenitude, assim como o respeito pela regra da especialidade, como impede, desde logo, o próprio Estado-Membro de execução de verificar a observância do quanto disposto pelos artigos 2.º, nº 2 e nº 3, 7.º, 11.º, ‘a’, ‘b’, 12.º, ‘a’, ‘d’, todos da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.

  19. Ao determinar a execução do referido MDE, o douto acórdão recorrido violou o quanto disposto pelo artigo 1.º, nº 2 e 3.º, ‘e’, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, assim como o disposto pelos artigos 2.º, 20.º, nº 4, 32.º, 8.º, 16.º, 17.º, 18. °, 202.º, nº 2, 203.º, todos da CRP; 8.º e 10.º, da Declaração Universal dos Direitos de Homem e 6.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, salvo sempre o devido respeito.

  20. Razão porque deve ser revogado, indeferindo-se a pretendida execução, por falta de atendimento dos requisitos legais do MDE, que na sua ausência, não pode valer juridicamente como tal.

  21. Ao determinar a execução do referido MDE, o douto acórdão recorrido violou o artigo 13.º,a, da Lei nº 25/2003, de 23 de Agosto, uma vez que o recorrente não foi notificado do...

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