Acórdão nº 536/06 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Setembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução27 de Setembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 536/2006

Processo n.º 681/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria a A. (ora recorrida) requereu a falência de A. e mulher (ora recorrentes). Os requeridos deduziram oposição, tendo, para prova dos factos por si alegados no articulado de oposição, oferecido duas testemunhas. O Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, porém, tendo considerado irrelevante para a decisão a proferir a matéria de facto alegada pelos requeridos na oposição, optou por não marcar a audiência de julgamento e, considerando improcedente a excepção de caducidade arguida pelos oponentes, decidiu declarar desde logo a falência dos requeridos. Inconformados com o assim decidido os requeridos deduziram embargos à sentença que declarou a falência, embargos esses que vieram a ser julgados improcedentes no despacho saneador.

  2. Novamente inconformados os requeridos recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 28 de Junho de 2005, julgou a apelação totalmente improcedente.

  3. Ainda inconformados os requeridos recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 18 de Maio de 2005, decidiu negar provimento à revista, fundamentando assim a decisão:

    “É essencialmente uma a questão suscitada na revista e que consiste em saber se, em processo de falência, deduzida que seja oposição pelos requeridos e apresentado requerimento de prova, poderá o julgador dispensar a audiência de julgamento, caso entenda estarem já assentes os factos essenciais de que depende a decisão, embora se mantenham controvertidos outros factos irrelevantes para a decisão, ou quando os fundamentos da oposição se traduzam em meras questões de direito, não dependentes da produção de prova, embora haja factualidade alegada, ou se, mesmo perante este circunstancialismo se impõe a realização da audiência, sob pena de se violar o princípio do contraditório e o Art.º 9º do C.P.E.R.E.F.

    [...]

    Nos termos do Art° 123 n.º 1 do C.P.E.R.E.F., tendo ocorrido oposição ao requerimento de falência e não se verificando a situação prevista no n.º 3 do Artº 25, é logo marcada audiência de julgamento para um dos 5 dias subsequentes ao despacho que ordene o prosseguimento da acção, e segundo o Artº 124 do mesmo diploma legal, é nessa fase da audiência que o juiz deve fixar a base instrutória, produzir a prova e decidir desde logo a matéria de facto.

    Verifica-se aqui, claramente uma preocupação de celeridade processual aliás articulada com o disposto no Art.º 10 que atribui ao processo de recuperação de empresa e de falência o carácter de urgência, sendo essa celeridade processual que explica o regime simplificado que o Art° 123 nº1 consagrou para este tipo de acção, em relação ao qual, diferentemente do processo comum, se prevê apenas um articulado – oposição, seguindo-se sem mais termos a audiência.

    [...]

    De notar que, conforme resulta do Art° 124 é na fase da audiência que o juiz organiza a base instrutória. Quanto aos factos assentes (isto é provados) era omisso o referido preceito, no domínio do D.I. 315/98, mas era entendimento aceite que, tais factos não deviam ser levados à base instrutória, onde tecnicamente apenas cabem os factos controvertidos.

    Parece, assim, que no domínio do processo de falência, os factos assentes, seriam pura e simplesmente considerados na sentença de acordo com os princípios gerais de direito processual civil (cfr. p. ex. Arts. 646 nº e 659 n.º 3 do C.P.C.)

    Notar-se-á, no entanto, que hoje a questão está expressamente resolvida pelo novo C. de Insolvência e da Recup. de Empresas, como se vê do Art. 35 n.º 5, que manda o juiz, na fase da audiência, seleccionar os factos assentes, bem como os que devam constituir a base instrutória.

    Portanto, destinando-se a audiência a decidir sobre a matéria de facto, parece impor-se a conclusão de que ela pressupõe a necessidade da fixação da base instrutória.

    Isto é, pressupõe que existam factos controvertidos com interesse para a decisão, pois só estes são levados à base instrutória (Art° 511 nº1 do C.P.C.).

    Por isso mesmo é que, não havendo oposição, deve o juiz declarar logo a falência no despacho que ordene o prosseguimento da acção, como determina o Art° 122 do C.P.E.R.E.F.

    Ora, por identidade de razões, mesmo havendo oposição, se nesta apenas se suscitam questões de direito, parece claro que não se justifica designar dia para a audiência visto que não se torna necessário julgar qualquer matéria de facto.

    Da mesma forma ainda que haja matéria de facto controvertida, se estiverem assentes os factos essenciais para a decisão, também não faz sentido realizar-se a audiência de discussão e julgamento, para discutir matéria de facto irrelevante ou desnecessária para a decisão.

    Na verdade, em qualquer destes casos, a realização da audiência representará a prática de um acto inútil, logo, proibido por lei.

    Consequentemente, em qualquer das aludidas situações impõe-se que desde logo se conheça do mérito, por o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas a apreciação total do pedido ou de alguma excepção peremptória, como determina o Art° 510 n.º 1 do C.P.C., que traduz um princípio geral, sem dúvida aplicável ao caso, até por força do disposto no Art° 463 n.º 1 do C.P.C., visto que não contende com a preocupação de celeridade processual que inspira o regime especialmente simplificado dos Art°s 123 n.º 1 e 124 do C.P.E.R.E.F., antes o complementa e reforça, como é óbvio.

    [...]

    Concluímos, assim, que, nos casos em que o Tribunal entenda estarem assentes os factos essenciais para a decisão, deverá desde logo decidir-se do mérito, sem necessidade de designar e realizar a audiência de julgamento.

    E não se diga que, podendo o oponente apresentar prova documental e/ou testemunhal até ao início da audiência (Art.º 123 nº 2) ficaria prejudicado, de alguma forma, o direito de defesa.

    É que tais documentos ou testemunhas destinam-se a provar a factualidade alegada e não factos novos, de modo que estando já assentes os factos essenciais à decisão, tais meios de prova não teriam objecto útil, como é evidente.

    Por conseguinte a dispensa da audiência de julgamento perante o acima aludido circunstancialismo, de modo algum viola o princípio do contraditório, ou o direito de defesa do oponente, não representando, pois, a omissão de qualquer acto que a lei imponha, capaz de gerar nulidade.

    Mas é claro, haverá já violação do princípio do contraditório, bem como violação do direito de defesa, quando se tenha dispensado a audiência havendo, porém, factos controvertidos que sejam essenciais para a decisão ou para o conhecimento de alguma excepção arguida.

    Ora, no caso concreto, alegam os recorrentes desde logo, que não eram devidos a totalidade dos créditos reclamados pelo banco requerente. Todavia, e quanto a este aspecto, não têm razão os recorrentes, desde logo porque não se vê articulado na petição de embargos tal matéria, e é da decisão proferida nos embargos que se recorre.

    Portanto, se a questão não foi posta nos embargos, não pode agora ser objecto dos recursos que recaíram sobre a decisão neles proferida.

    Seja como for, como se vê da sentença que decretou a falência, que se encontra certificada nos autos, se é certo que os requeridos puseram em causa na sua oposição parte da dívida alegada em fundamento da pretendida falência, também é certo que aceitam estar em dívida um crédito no valor total de 3.943.590.18 €, há muito vencido e não pago, confessando que não dispõem de rendimentos ou património que permita pagar tal crédito que reconhecem existir a favor da C.G.D.

    Por conseguinte está demonstrada a situação prevista na alínea a) do n.º 1 do Art° 8 do C.P.E.R.E.F., que por si só justifica o requerimento da falência nos termos do n.º3 do preceito citado, independentemente de se provar ou não a parte...

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