Acórdão nº 607/06 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução14 de Novembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 607/2006

Processo n.º 573/06

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. O juiz do Tribunal Judicial de Braga proferiu, a fls. 22, o seguinte despacho:

    “O arguido interpôs recurso da sentença, impugnando a decisão proferida sobre matéria de facto.

    Assim sendo, uma vez que incumbe ao Tribunal a transcrição da prova que tenha sido gravada, foi o arguido notificado para proceder ao pagamento do respectivo preparo, no prazo de cinco dias, nos termos do artigo 89º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais (fls. 91). Decorrido tal prazo, o arguido não procedeu ao pagamento do preparo devido.

    Pelo exposto, nos termos do artigo 45º, n.º 1, al. e) do Código das Custas Judiciais, o recurso subirá sem a transcrição das provas produzidas oralmente.

    […].”.

  2. Deste despacho recorreu A. para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo na motivação respectiva (fls. 2 e seguintes) concluído do seguinte modo:

    “1. O douto despacho impugnado considerou que a falta de pagamento pelo Arguido do preparo para as despesas decorrentes da transcrição da gravação das provas produzidas oralmente em audiência e necessárias para instruir o recurso penal tem como consequência que o acto da transcrição se não pratique e,

  3. em conformidade, ordenou a subida do recurso sem essa transcrição.

  4. Considerou, portanto, o Mmº Juiz a quo que o disposto nos arts. 89º, n.º 2 e 45°, n.º 1, al. e), do CCJ se aplica no âmbito do processo penal e, em concreto, aplicou esses preceitos ao caso vertente.

  5. Tal decisão é inaceitável, porque esses preceitos não se aplicam em processo penal, regulando-se a hipótese em apreço não por eles, mas pelo disposto no art° 147º, na al. b), última parte.

  6. A decisão ofende, assim estes preceitos legais e deve, por isso, ser revogada, ordenando-se que se proceda à transcrição à custa do Cofre Gerais dos Tribunais, sem prejuízo do oportuno reembolso, se for caso disso.

  7. A interpretação seguida pelo Mm° Juiz a quo do conjunto normativo integrado pelos arts 45°, n.º 1, al. e), e 89°, n.º 2, CCJ, de acordo com a qual tais preceitos se aplicam à falta de pagamento do preparo relativo às transcrições a efectuar, para efeitos de recurso em processo penal da prova produzia oralmente e implicam a consequência da não realização das transcrições, é inconstitucional, por ofensa do disposto nos arts 20°, n.º 1 e 4, 32°, n.ºs 1 e 5, e 202°, n.º 2, CRP.”.

  8. O Ministério Público respondeu (fls. 9 e seguintes), sustentando que o despacho recorrido devia ser revogado.

    O despacho foi mantido, por decisão de fls. 12 e seguintes.

    O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães emitiu o parecer de fls. 30 e seguinte, no qual se pronunciou no sentido da manutenção do despacho recorrido.

  9. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 27 de Abril de 2006, negou provimento ao recurso, pelos seguintes fundamentos (fls. 35 e seguintes):

    “[…]

    Como se referiu no relatório deste acórdão, está em causa saber se o art. 45 n.º 1 al. e) do CCJ se aplica, ou não, no âmbito do processo penal.

    Na motivação do recurso, refere-se o acórdão de fixação de jurisprudência do STJ 2/03, DR 1ª Série de 30-1-03.

    Porque o relator não sabe dizer mais, nem melhor, do que escreveu o sr. procurador geral adjunto no seu parecer, transcrevem-se as partes principais deste:

    O assento referenciado teve em vista a resolução da questão de saber, sempre que o recorrente impugnasse a matéria de facto em conformidade com o disposto no art. 412 n.ºs 3 e 4, a quem incumbia a transcrição ali referida: ao recorrente ou ao tribunal? E resolveu-a decidindo que incumbe ao tribunal.

    Mas o problema debatido no assento não dizia respeito ao pagamento de eventuais encargos com a transcrição.

    E uma coisa é a transcrição e outra diferente o encargo originado pela feitura da mesma. Quem tem o ónus de proceder ou mandar proceder à transcrição não tem, necessariamente, de suportar o encargo com a mesma. Pode ser o tribunal a proceder à transcrição e ser outrem (o recorrente, por exemplo) a custear o encargo com a mesma.

    Em segundo lugar, o quadro legislativo alterou-se após a prolação do dito assento do STJ.

    Na verdade, o Dec.-Lei 324/03 de 27-12 alterou profundamente o CCJ e, além do mais, também o CPP.

    A redacção do n.º 2 do art. 101 do CPP, introduzida por este Dec.-Lei 324/03 manda que os encargos com a transcrição sejam suportados nos termos fixados no CCJ.

    E o art. 89 n.º 2 do CCJ, também com a redacção do mesmo Dec.-Lei, resolve, expressa e claramente, a questão.

    Refere tal dispositivo que:

    2 – nos casos em que haja lugar a transcrição das provas produzidas oralmente, os custos com a mesma são suportados pelo recorrente, mediante o pagamento do respectivo preparo para despesas, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 43 a 46.

    Não havia dispositivo semelhante no CCJ na versão anterior (do Dec.-Lei 224-A/96 de 26-11).

    Embora os arts. 43 a 46 se insiram na parte cível, o art. 89 n.º 2 (sito no domínio das custas criminais) manda aplicar, expressamente, o seu regime ao domínio criminal. E manda aplicar tal regime, naturalmente, com as devidas adaptações. Não pode haver uma transposição pura e simples daquele regime dos arts. 43 a 46, dado que ali se prevêem, por exemplo, regras específicas outros processos.

    Resulta, assim, com clareza, do regime legal, que o encargo é suportado pelo recorrente

    .

    Só mais duas notas:

    Diz o recorrente que «os interesses públicos em jogo no processo penal não se compadecem com a solução adoptada pelo despacho em mérito, que faz depender a análise e a viabilidade do recurso – no fundo a administração da justiça – do pagamento de um acto cuja prática incumbe sempre ao tribunal…».

    Transcrevendo o ac. RL de 18-1-06, Proc. 11046/05, citado pelo sr. procurador geral adjunto, «o aludido normativo é perfeitamente compatível com a índole e a natureza do processo penal, não podendo ser visto como uma limitação desproporcionada ou intolerável do direito ao recurso e, consequentemente, também do próprio direito de defesa, porquanto os encargos com a transcrição da prova documentada constituemcustas-crime (art. 89 n.º 1 do CCJ) e, em caso de insuficiência económica, o respectivo sujeito processual poderá socorrer-se do instituto do apoio judiciário». Aliás, não há aqui qualquer especificidade do processo penal, relativamente a outros ramos do direito processual, nomeadamente o processo civil. Ambos são ramos do direito público e tratam do interesse público da...

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