Acórdão nº 44/05 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução26 de Janeiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 44/2005 Processo n.º 950/04 1.ª Secção

Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional.

I – A CAUSA

1. A., aqui recorrente, foi pronunciado na comarca de Felgueiras (fls. 792/809 do vol. IV), em conjunto com outros doze arguidos, pela co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Culminou este despacho de pronúncia uma fase de instrução na qual, relativamente ao recorrente, fora indeferida (pelo Despacho de fls. 704/705 do vol. IV) a arguição da nulidade de determinadas intercepções telefónicas realizadas no decurso do inquérito, arguição esta fundada numa invocada não documentação nos autos do acompanhamento e controlo judicial dessas operações de escuta pelo Juiz de Instrução (v. fls. 598/613 do vol. III). Desta decisão, que considerou não violados os artigos 188º do Código de Processo Penal (CPP) e 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa (CRP), e que, por isso, manteve as escutas realizadas no inquérito como prova válida, interpôs A. o recurso documentado a fls. 767/788 do vol. IV, que foi admitido a fl. 789 e ao qual foi fixado o regime de subida a final.

Prosseguindo o processo foi o recorrente condenado (Acórdão de fls. 1401/1430 do vol. VII), pelo referido crime de tráfico de estupefacientes, na pena de oito anos e seis meses de prisão. No recurso que interpôs desta condenação formulou, no que respeita às escutas telefónicas, as seguintes conclusões (note-se que se transcrevem aqui as conclusões apresentadas após o aperfeiçoamento determinado pelo despacho de fls. 1824 do vol. IX):

“1. Neste recurso suscita-se a nulidade das escutas telefónicas efectuadas e constantes dos autos, bem como dos respectivos CD-Rom, por violação dos formalismos legais com que estas escutas terão sido realizadas.

  1. Resulta claro dos autos, no que concerne à plena observância do que se dispõe no artº 188º, nº 1 e 3 do CPP, verdadeira questão nos presentes autos, que não houve efectivo acompanhamento das escutas pelo MMº Juiz, pois não se encontra documentada a supra referida actividade de acompanhamento e controlo [...], em local algum se vendo despacho onde se patenteie que os CD Rom foram ouvidos, aferindo assim da legalidade da proposta da PJ de fls.. Apenas se constata [que o] despacho de fls. 94v., por conseguinte muito depois da realização da escuta e registo, nomeadamente das primeiras autorizadas, [...] ordena a transcrição nos termos em que as mesmas são sugeridas pela PJ e por promoção do M.P. [...].

  2. Resulta sim claro que o Mmº Juiz de Instrução apenas se limitou a ordenar a transcrição de acordo com a informação da Polícia Judiciária e com a promoção do Magistrado do Ministério Público, deixando a ponderação das mesmas para terceiros.

  3. O Mmº Juiz jamais ouviu o conteúdo das gravações, não as podendo valorar. Foi a Polícia Judiciária que escolheu o que entendeu como relevante e com valor probatório e tal afirmação resulta inequívoca do teor de fls. 85, 94, 94-verso, 104 e 106.

  4. Da inexistência dessa documentação, única forma susceptível de provar que os CD Rom foram efectivamente ouvidos, bem como a dilação entre a gravação e a apresentação ao Juiz das mesmas, nomeadamente das primeiras autorizadas, deriva a nulidade da forma como foram realizadas as escutas telefónicas em causa, nos termos conjugados das disposições dos artºs. 189º, 118º e 120º, todos do CPP.

    [...]

  5. Assim, porque os actos de escuta se encontram fulminados com nulidade, não se poderá ponderar na existência de indícios a prova através delas obtida porque ilegais nos termos do artº 126º, nº 3 e 1 do C.P.P..

  6. Tais preceitos estão em conformidade com o consagrado no art. 32º, nº 8, da CRP, segundo o qual “São nulas todas as provas obtidas mediante (---) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

  7. Uma vez que as transcrições das escutas telefónicas constantes dos autos foram efectuadas com violação do disposto no nº 3 do artº. 187º e sem obediência aos nºs. 1 e 3 do artigo 188º do C.P.P. e visto os artºs. 126, nº 1 e 2 e 189º do mesmo diploma e 32º da C.R.P. devem ser declaradas nulas, como meio de prova, as escutas constantes dos autos [...]”.

    [transcrição de fls. 1860/1861]

    1.1. Apreciando o recurso – o interlocutório e o da decisão final – consignou o Tribunal da Relação de Guimarães:

    “[...] A reconhecer-se que se trata de uma prova proibida [refere-se aqui a Relação à questão da nulidade das escutas, fundamento comum ao recurso interlocutório e ao da decisão final] levada em conta pelo tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, relevante para a decisão condenatória, necessariamente também terá de concluir-se que o acórdão incorreu em erro notório na apreciação da prova, vicio previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c), o qual, determinando o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º, prejudicará a apreciação das demais questões suscitadas. Deste modo, impõe-se que iniciemos por aí a apreciação do mérito dos recursos e, assim, estaremos também a apreciar o mérito do recurso interlocutório. [...]”

    [transcrito de fls. 1947 do vol. IX]

    Assente isto – que a questão da nulidade das escutas tinha que ver com a apreciação do recurso interlocutório e do recurso da decisão final –, consignou, mais adiante, o Tribunal da Relação, relativamente à questão da nulidade de tais escutas telefónicas:

    “[...] as irregularidades ou vícios das escutas telefónicas que os recorrentes apontam nada têm que ver com a inobservância dos [...] pressupostos dos artigos 126º e 187º, do CPP, e 32º, nº 8, e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, ainda que nas conclusões tenham, genericamente, referido a violação desses mesmos preceitos legais. As escutas telefónicas foram fundadamente autorizadas por um juiz de instrução (cfr. despachos de fls. 7 e 15/16) e apresentavam-se, como se veio posteriormente a verificar através dos resultados conseguidos (v.g. detenções e apreensões), como um meio adequado, necessário e proporcionado à investigação de uma actividade relacionada com o tráfico de estupefacientes. Constituíram, pois, uma intromissão lícita e legítima nas telecomunicações. Assim sendo, nenhuma razão tinham os recorrentes para invocarem a violação dos referidos preceitos legais.

    Na perspectiva dos recorrentes, que é errada, não houve um efectivo acompanhamento e controlo jurisdicional das escutas telefónicas, pois em local algum vêem despacho onde se patenteie que os CD Rom foram ouvidos. Apenas constatam o despacho de fls. 94 v., muito depois da realização da escuta e do registo, a ordenar a transcrição, nos termos em que as mesmas são sugeridas pela PJ, não tendo o juiz apreciado e valorado de fundo qual a matéria relevante para a investigação contida nas escutas.

    Dizemos que a perspectiva dos recorrentes é errada, porquanto, por um lado, os procedimentos seguidos após a realização das escutas telefónicas respeitam as exigências do artigo 188º, e, por outro lado, os recorrentes não indicam em que medida os tais procedimentos tenham lesado quaisquer direitos de defesa dos visados, designadamente os inerentes ao exercício do contraditório. Da conjugação do nº 1 (parte final) e nº 2 (primeira parte), desse preceito legal, resulta que o órgão de polícia criminal que proceder à investigação tome previamente conhecimento do conteúdo da comunicação interceptada e indique ao Juiz as passagens das gravações consideradas relevantes para a prova. A circunstância de o Juiz aceitar a sugestão apresentada pelo órgão de investigação não significa que não tenha ouvido os suportes técnicos ou que esteja a demitir-se da função que lhe cabe de valorar e seleccionar a prova recolhida, desde que seja ele a ordenar a transcrição do que considera relevante e a destruição do que é irrelevante. Veja-se que as escutas foram realizadas em estrita conformidade com o que fora autorizado nos despachos judiciais (v.g. entidade executante, números de telefone a interceptar, modo e tempo da intercepção) e foi o Juiz que posteriormente avaliou o interesse das passagens relevantes a transcrever e mandou destruir o que era irrelevante, ainda que de encontro às sugestões da PJ e do MºPº. É certo que no caso das intercepções das comunicações efectuadas de e para o nº [...], as gravações iniciaram-se em 23.10.01 e terminaram em 31.10.01 (data em que foi detido o utilizador do cartão, o arguido [...] cfr. fls. 28 e 85) e o auto a que se reporta o nº 1, do artigo 188º, só foi apresentado ao juiz a 23 de Novembro do mesmo ano. Porém, se as entidades encarregadas da investigação, para poderem indicar as passagens consideradas relevantes para a prova, tinham que previamente ouvir as gravações e não sendo esta uma tarefa fácil, é óbvio que não era de exigir que a apresentação do auto se fizesse no dia seguinte. Consequentemente, os argumentos aduzidos pelos recorrentes, tendentes a demonstrar a falta de acompanhamento e de controlo das escutas telefónicas em conformidade com as exigências impostas no artigo 188º, não procedem [A.] nulidade traduzida da eventual violação do disposto no artigo 188º do CPP, sempre se encontraria sanada, visto que, respeitando a acto praticado durante o inquérito, deveria ter sido arguida, mas não foi, nos prazos previstos na alínea c) ,do nº 3, do artigo 120º do CPP (excepto quanto ao recorrente A., que arguiu tempestivamente a nulidade). [...]”

    [transcrição de fls. 1951/1954 do vol. IX]

    Em função destas considerações entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães não verificada a nulidade das intercepções telefónicas, fixando a pena do recorrente – desta feita abordando outros fundamentos do recurso – em sete anos e meio de prisão.

    Inconformado com este Acórdão do Tribunal da Relação, interpôs o recorrente – a fl. 1193 do vol. X – novo recurso, agora para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), insistindo, entre outros...

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