Acórdão nº 63/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 63/05 Processo n.º 1048/04 1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. A. interpôs recurso da decisão da Juíza de Instrução Criminal de fls. 97 a 99 que validou a sua detenção, tendo na correspondente motivação (fls. 3 e seguintes) concluído do seguinte modo:

    “[...]

  2. Apesar de no mandado de detenção ao qual agora tem acesso estar escrito que lhe foi dado conhecimento do seu teor, em rigor e em claro incumprimento do preceituado no n.° 4 do artigo 27° da Constituição da República Portuguesa, o mesmo não foi sequer exibido ao arguido, nem tão pouco lhe foi entregue o respectivo triplicado, sendo certo que o original desse mandado constante dos autos não contém a sua assinatura.

  3. Na decisão recorrida, a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal que a proferiu considerou que a detenção do arguido foi efectuada fora de flagrante delito, validando-a da seguinte forma:

    [...]

  4. Porém, o invocado artigo 257° n.º 2 do CPP, referente, exactamente, à detenção efectuada fora de flagrante delito, por iniciativa das autoridades policiais, faz depender a sua validade, de três requisitos essenciais e cumulativos, não tendo aqueles previstos nas suas alíneas b) e c) sido cumpridos no presente caso.

  5. Com efeito, o mandado em apreço não concretiza, como se impõe, quais os fundados receios de fuga em que se baseou, para proceder à detenção do arguido, limitando-se a enunciar a alínea a) do artigo 204° do CPP e sendo certo que o arguido foi detido pacatamente num hotel conhecido no Porto.

  6. Por outro lado, omisso é igualmente esse mandado, no que concerne à justificação da necessidade de detenção urgente do arguido e da existência de perigo na demora, como causa de impedimento da obtenção de um mandado do juiz ou do Ministério Público ordenando a detenção, sendo certo que o arguido foi detido pelas 17h00, hora perfeitamente admissível para a obtenção da autorização judicial competente.

  7. Ora, em face dessas omissões e em flagrante incumprimento do disposto no artigo 257° n.° 2 do CPP no qual se baseia, a Mma Juíza de Instrução Criminal não podia ter validado a detenção do ora recorrente, antes se impondo a sua imediata restituição à liberdade, por força do artigo 261° do CPP, bem como a declaração da nulidade ou da inexistência da sua detenção.

  8. O vício da inexistência não está tipificado na nossa lei processual penal mas é uma categoria reconhecida pela Doutrina e pela Jurisprudência, como um vício que segue o regime das nulidades insanáveis mas que é ainda mais grave do que aqueles que a nossa lei prevê como nulidades [...].

  9. Nestes casos, o Julgador não pode ficar amarrado ao leque de vícios consignados do artigo 118° ao 120° do CPP, entendimento, este, perfilhado, aliás, por este Tribunal da Relação de Lisboa, quando, em cumprimento da declaração da inconstitucionalidade do n.° 4 do artigo 141° do CPP, se interpretado no sentido de não impor que o arguido seja confrontado no seu primeiro interrogatório judicial com os factos que lhe são imputados, tem vindo a decidir que tal interrogatório e actos subsequentes constituem nulidades insanáveis.

  10. No presente caso, o arguido foi privado da sua liberdade, a qual é tutelada na Constituição como um direito fundamental no seu artigo 27° n.º 1, facto que assume, por isso, máxima gravidade.

  11. Tal direito fundamental por força do número 3 do mesmo normativo, só pode sofrer restrições «nas condições que a lei determinar», sendo que tais condições são, no presente caso, aquelas previstas no artigo 257° do CPP, violado no presente caso.

  12. Por essa razão, entende-se que a detenção do arguido e a privação da sua liberdade daí decorrente, bem como todos os actos subsequentes à mesma, se encontram feridos de inexistência, seguindo o mesmo regime das nulidades insanáveis. Tal vício foi expressamente arguido pelo recorrente, supra, na sua motivação, por só agora terem os seus mandatários tido acesso ao processo e à sua defesa.

  13. Uma interpretação do artigo 257° do CPP, que imponha que a reacção à forma como foi detido o arguido, impendia sobre a defensora que o assistiu em primeiro interrogatório, a qual em rigor não reagiu a qualquer uma das decisões contra o mesmo proferidas, será claramente inconstitucional, por violar as garantias de defesa que assistem ao arguido em processo criminal, consagradas de forma não taxativa no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que também se suscita, para os devidos efeitos.

  14. De qualquer forma, o suscitado vício de inexistência, por seguir o regime das nulidades insanáveis, é invocável a todo o tempo, sendo tempestiva a sua arguição actual (cfr. artigo 119° do CPP).

  15. Acresce que através da presente via de recurso da decisão que validou a detenção do arguido, verificada em claro incumprimento do artigo 257° do CPP, a inexistência da detenção do arguido e a invalidade de todos os actos pela mesma afectados, deverão ser igualmente declaradas.

  16. O vício grave de inexistência que enfermou a detenção do recorrente, afectou, em consequência, todos os actos subsequentes à mesma, designadamente a revista e a apreensão de objectos ao arguido, bem como o seu interrogatório judicial e a decisão que lhe aplicou a prisão preventiva.

  17. A declaração da inexistência da detenção do arguido exige a sua imediata devolução à liberdade, por força da invalidade dessa detenção, bem como de todos os actos que se lhe seguiram, nos termos do artigo 122° n.° 1 do CPP.

  18. Não tendo reconhecido tais vícios, antes validando a detenção do recorrente, a Mma Juíza de Instrução Criminal, na sua decisão, violou os artigos 257° n.° 2 e 122° n.º 1 do CPP, bem como o artigo 27° n.° 1 e n.° 3 da Constituição da República Portuguesa.

  19. Mais revelou, a Mma Juíza, na sua decisão, uma interpretação do artigo 257° n.° 2 do CPP inconstitucional, porque violadora dos artigos 27° n.º 1 e 27° n.º 3 da Lei Fundamental os quais apenas toleram a restrição à liberdade individual nos termos previstos na lei. E no presente caso, a lei – o artigo 257° n.° 2 do CPP – não foi manifestamente cumprida. Inconstitucionalidade que também desde já se suscita.

    [...].”

    O Ministério Público respondeu (fls. 52 e seguintes) e emitiu parecer (fls. 101 v.º), sempre no sentido da negação de provimento ao recurso. Na resposta a este parecer (fls. 106 e seguintes), concluiu assim o ora recorrente:

    “[...]

  20. Discorda-se totalmente da posição agora manifestada pelo Ministério Público na sua resposta, ao defender que o órgão de polícia criminal que procede a uma detenção fora de flagrante delito, desprovida de mandado judicial, não está obrigado a justificar no mandado que elabora, de forma expressa e evidente, as razões que o impediram de aguardar pela intervenção de uma autoridade judiciária.

  21. Com efeito, o Ministério Público defende a fls. 7 da sua resposta que, pelo facto [de a] lei não exigir a menção dos fundamentos do receio de fuga, mas tão só a existência desse receio, a mesma não tem de ser efectuada.

  22. Ora, em sentido inverso, ao recorrente afigura-se óbvio que ao fazer menção expressa a três requisitos, numa redacção da qual ressalta a excepcionalidade de uma detenção sem autorização judicial, de alguém que não está a praticar qualquer crime (detenção fora de flagrante delito), o legislador pretendeu impor tal justificação ainda que de forma breve, de molde a permitir ao detido compreender por que razão está a ser detido sem uma autorização judicial.

  23. Por essa razão, ao considerar tal justificação no próprio mandado de detenção desnecessária, o Ministério Público revelou uma interpretação do artigo 257° n.° 2 do CPP inconstitucional por violação do artigo 27° n.ºs 1, 2 e 3 da CRP, o qual, por impor que as restrições à liberdade só se podem operar nas condições previstas na lei, exige, naturalmente, que tais condições sejam justificadas no mandado que as deverá confirmar e descrever. Por essa razão, a inconstitucionalidade de tal interpretação desde já se suscita e argui para os devidos efeitos legais, no caso [de a] mesma vir a ser acolhida por este tribunal ad...

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