Acórdão nº 90/05 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 90/2005

Processo n.º 1101/04

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e em que são recorridos o Ministério Público e a União Indiana, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Dezembro de 2004, que negou provimento aos recursos da extraditanda. Proferida decisão sumária, vem agora a recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

    2. Mediante decisão, de 14 de Julho de 2004, o Tribunal da Relação de Lisboa não admitiu a junção de documentos requerida pela extraditanda, tendo sido então interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão, de 2 de Dezembro de 2004, este Tribunal decidiu pela improcedência das conclusões deste recurso interlocutório, confirmando a decisão recorrida.

    3. Mediante decisão, de 14 de Julho de 2004, o Tribunal da Relação de Lisboa acordou em deferir o pedido de extradição formulado pela União Indiana, suprindo as nulidades declaradas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2004, e reproduzindo o conteúdo do acórdão desta Relação, anteriormente proferido nestes autos. Desta decisão, a extraditanda A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo esta instância decidido negar provimento ao recurso, por acórdão, de 2 de Dezembro de 2004.

    4. A extraditanda A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Dezembro de 2004. Convidada a aperfeiçoar o requerimento correspondente, ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 75º-A da LTC a então recorrente respondeu ao convite formulado.

    5. Em 18 de Janeiro de 2005, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, na qual se entendeu que não podia conhecer-se do objecto do recurso em causa. Atendendo ao objecto da presente reclamação, desta decisão importa reproduzir o seguinte:

      5.1. O "Supremo Tribunal nega provimento ao recurso interlocutório interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que não admitiu a junção de documentos requerida pela extraditanda, pelo que pretende a recorrente que seja declarada

      "a inconstitucionalidade da interpretação acolhida na decisão recorrida quanto aos normativos previstos nos arts. 165º e 340º do CPP (aplicáveis ao presente caso por força dos arts. 3º, nº 2, e 25º, nº 2 da Lei nº 144/99)". A interpretação dos "artigos 165º e 340º do CPP no sentido em que não é admissível a junção de documentos apresentados no decurso de um processo de extradição, quando é manifesta e está demonstrada pela extraditanda a sua relevância para a boa decisão da causa, é inconstitucional, porque violadora das garantias de defesa que assistem a qualquer arguido em processo criminal e que estão consagradas no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa".

      (...) Um dos requisitos do recurso de constitucionalidade é a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pela recorrente. E bem se compreende que assim seja: a 'exigência, de que a norma aplicada constitua o fundamento da decisão recorrida, resulta do facto de só nesse caso a decisão da questão de constitucionalidade poder reflectir-se utilmente no processo. Sendo a referência à norma questionada mero obter dictum, ou existindo na decisão recorrida outro fundamento, por si só, bastante para essa decisão, a intervenção do Tribunal Constitucional na apreciação da conformidade constitucional da norma impugnada não se reflectirá utilmente no processo, uma vez que sempre a decisão recorrida seria a mesma, ainda que a norma questionada seja declarada inconstitucional' (...).

      Ora, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça resulta de forma inequívoca que os artigos 165º e 340º do Código de Processo Penal não foram aplicados na decisão recorrida. Resulta de forma clara que a resposta à questão de saber se era ou não tempestiva a junção dos documentos requerida pela extraditanda foi encontrada à margem do disposto naqueles artigos, em virtude de as especificidades do processo de extradição não justificarem a aplicação subsidiária daquele Código, prevista nos artigos 3º, nº 2, e 25º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto. Decorre até do acórdão recorrido que este afastou expressamente a aplicabilidade das normas cuja constitucionalidade a recorrente pretende agora ver apreciada.

      Por um lado, afastou expressamente a aplicabilidade dos artigos 165º e 340º do Código de Processo Penal, ao remeter para acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do mesmo processo (Acórdão, de 25 de Março de 2004), transcrevendo o seguinte:

      'Do disposto no artigo 165.º do Código de Processo Penal resulta que o documento que importe à solução do caso deve ser junto «no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência». A estipulação daquele termo final constitui um corolário do chamado princípio da imediação da prova: se todas as provas em que assenta a convicção do Tribunal devem ser «produzidas e examinadas em audiência» necessário se toma concluir que só relevam as apresentadas até então. (art 355.º, n.º1, do C P P)

      Ora, a audiência que marca o termo final de apresentação de documentos há-de ser aquela em que seja produzida prova relevante à fixação da matéria de facto.

      Tal não sucede de todo em todo no âmbito do processo de extradição e na fase de recurso.

      Por um lado, porque no julgamento que então tem lugar não há produção de prova.

      Por outro lado, porque o recurso é dirimido pelo Supremo Tribunal, o qual, como tribunal de revista, apenas conhece de direito (...)' (Itálico nosso).

      Por outro lado, o acórdão recorrido afastou expressamente a aplicabilidade dos artigos 165º e 340º do Código de Processo Penal, ao remeter para Decisão Sumária anteriormente proferida pelo Tribunal Constitucional (Decisão Sumária nº 166/2004), no âmbito do mesmo processo, transcrevendo a parte em que este Tribunal decide não conhecer do recurso por falta de

      'aplicação (dos referidos preceitos (...) do Código de Processo Penal) como ratio decidendi da decisão recorrida'.

      (...) Na verdade, é indiscutível que a ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Dezembro de 2004, foi a aplicação de normas específicas do regime jurídico da cooperação judiciária internacional em matéria penal e não as normas cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada – os artigos 165º e 340º do Código de Processo Penal. E 'é óbvio que não pode o Tribunal alargar a sua apreciação a normas diversas da aplicada (...) pelo tribunal a quo, ainda que eventualmente também aplicáveis à hipótese sub judice'(...)".

      5.2. "O mesmo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – a decisão recorrida – confirmou a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que defere o pedido de extradição formulado pela União Indiana, pretendendo agora a recorrente a declaração de inconstitucionalidade do artigo 19º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, pois

      'proibindo o artigo 19º da Lei 144/99 que se instaure no Estado requerido um processo criminal para julgamento de factos relativamente aos quais é formulado um pedido de extradição, ao autorizar que a mesma se processe para julgamento dos crimes supra mencionados [crimes de corrupção e associação criminosa], o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, revelou uma interpretação desse normativo inconstitucional, porque violadora do princípio non bis in idem - ao mesmo subjacente - e com consagração no artigo 29º nº 5 da Constituição da República Portuguesa'.

      Ora, também quanto a esta parte do recurso se impõe concluir que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não aplicou o artigo 19º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, na interpretação apontada pela recorrente. E por isso, não se pode dar como verificado o requisito 'da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida' (...).

      De resto, deve mesmo afirmar-se que o pedido de extradição foi deferido, restringindo-se o seu âmbito aos crimes de burla e de associação criminosa, não porque a decisão recorrida interpretou aquele artigo, no sentido de ser de deferir tal pedido quando se instaure no Estado requerido um processo criminal para julgamento de factos relativamente aos quais é formulado um pedido de extradição, tal como é sustentado pela recorrente; mas sim, pelo contrário, porque interpretou aquela norma no sentido de dever ser recusado o pedido quanto a factos que já tenham sido objecto de julgamento em Portugal. Dizendo de outra forma, o mencionado artigo 19º foi interpretado no sentido do pedido de extradição dever ser deferido apenas quanto a factos que não tenham sido julgados em Portugal. Resultando isso mesmo do texto da decisão recorrida, quando faz sua a fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação:

      '"O princípio «ne bis in idem» exprime a ideia de que «uma pessoa que foi objecto de uma sentença definitiva num processo penal não pode ser perseguida de novo com base no mesmo facto".

      Ora, da matéria fáctica dada como assente nos presentes Autos resulta que em Portugal foi imputada à extraditanda a prática de crime p.p. no art. 256° nº 1 e 3 do C.Penal, circunstância pela qual foi limitado o âmbito da extradição requerida aos crimes de burla e associação criminosa, imputações estas pelas quais a União Indiana pretende julgar a requerida.

      Inexiste, assim, qualquer base factual para poder fundar um juízo de violação do princípio «ne bis in idem»'.

      Esta posição do...

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