Acórdão nº 147/05 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução16 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 147/2005 Processo n.º 503/04 3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3.ª Secção

do Tribunal Constitucional:

1. A. instaurou acção ordinária contra B., pedindo que fosse “decretada a cessação do contrato de arrendamento” comercial da loja n.º ---, do prédio com os números -- a --, sito na Rua ----------------- (antiga Rua do -----------), freguesia do -----------------, em Lisboa e que se condenasse a Ré a restituir o locado e a pagar à autora a quantia de Esc. 2.000.000$00, por prejuízos até então sofridos, acrescida de Esc. 200.000$00 mensais, até à restituição da loja.

Alegou a autora, em síntese, que a loja foi dada de arrendamento à ré, por escritura pública outorgada em 15 de Junho de 1959, que o artigo 1025º do Código Civil (aplicável de acordo com o respectivo artigo 12º) “estabeleceu o limite de 30 anos para a duração máxima da locação” e que o arrendamento pode cessar, nos termos do artigo 50º do Regime do Arrendamento Urbano, “por outras causas determinadas na lei”, para além do acordo das partes, da resolução, da caducidade ou da denúncia.

Por sentença da 3ª Secção da 1ª Vara Cível da Comarca de Lisboa de 24 de Fevereiro de 2003, de fls. 121, a acção foi julgada improcedente, com a seguinte justificação:

“Nos termos do artigo 1º do RAU «arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição».

Já no Código Civil de Seabra, de 1867, o arrendamento era um contrato temporário, que podia fazer-se pelo tempo que aprouvesse aos estipulantes (artº 1600º), com um prazo supletivo de seis meses (artº 1623º); e chegado ao seu termo presumia-se renovado «se o arrendatário se não se tiver despedido ou se o senhorio o não despedir» (artº 1624º).

Durante a 1ª Grande Guerra, a Lei n.º 828, de 28-9-1917, proibiu «aos senhorios (...) intentarem acções de despejo que se fundem em não convir-lhes a continuação do arrendamento, seja qual for o quantitativo das rendas» (artº 2º, n.º 5).

A Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, manteve a regra da renovação automática, permitiu a actualização das rendas fora de Lisboa e Porto e «congelou-as» nestas duas cidades. Este esquema foi mantido no Código Civil de 1966 (artº 1105º e artº 10º, este último do Decreto-Lei n.º 47.334, de 25 de Novembro de 1966).

Nos termos do artº 1025º do Código Civil de 1966 a locação não pode celebrar-se por mais de 30 anos. Todavia, como advertem P. de Lima e A. Varela (in Código Civil Anotado, 4.ª ed., vol. II, págs. 348 e 509), o limite máximo de 30 anos não pode aplicar-se à duração locatícia proveniente da renovação do contrato, por força do disposto no artº 68º do R.A.U., visto serem distintas as circunstâncias em que o contrato se inicia, na exclusiva disponibilidade das partes e as condições em que a relação se prorroga, por força da lei.

E quase sempre não é permitido ao senhorio denunciar o arrendamento (cfr. artºs 68º e 69º do R.A.U.).

Por outro lado, o artº 6º do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30/9, determina a não aplicação das normas do actual artº 118º do R.A.U. (que se refere a prazo para denúncia do contrato de arrendamento para comércio ou indústria) aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.

Assim, e não se enquadrando o caso em análise em nenhum dos casos dos artºs 68º, 69º, 118º do R.A.U., julgo improcedente a acção, absolvendo a ré dos pedidos.”

2. Inconformada, A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, chamando nomeadamente a atenção para que se não tratava de uma acção de denúncia do contrato de arrendamento, como erradamente tinha entendido a sentença da 1ª instância.

Assim, nas alegações então apresentadas, a autora acusou tal sentença de, “ao julgar assim, enferma[r] de ilegalidades e erros de julgamento, decorrentes desde logo de se erigir no equívoco de erradamente supor que se trata, no caso presente, de uma denúncia do contrato por conveniência do senhorio, quando na realidade se trata de cessação imperativa do contrato por determinação de ordem pública decorrente do artigo 1025º do Código Civil (...)”, cessação essa que, embora “conceptualmente” possa ser classificada como de caducidade, não se enquadra no âmbito dos artigos 1051º ou 1056º do Código Civil mas, diferentemente, entre as “outras causas determinadas na lei” para a extinção do contrato, nos termos do disposto no artigo 50º do Regime do Arrendamento Urbano.

Aliás, alegou ainda a autora, sendo exigível “escritura pública para a validade dos arrendamentos comerciais”, nos termos do disposto no “artigo 1029º do C. Civil e 7º-2-b) da anterior redacção do RAU", uma vez “que (...) se extinguira por força do artigo 1025º do C. Civil”, nunca o arrendamento se poderia ter renovado, “pelo que, ao julgar que o arrendamento se renovou, a douta sentença incorreu em erro de julgamento e violação dessas normas”.

A autora insistiu, assim, ao longo das referidas alegações – de acordo, naturalmente, com os termos em que propusera a acção – que “o caso dos autos não é um caso de denúncia, mas de extinção do arrendamento por limite do tempo máximo da sua duração, não sendo regulado pelo instituto da denúncia do arrendamento, mas imperativamente imposto pelo artigo 1025º do C. Civil (...)”.

Por acórdão de 9 de Julho de 2003, de fls. 160 e seguintes, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, afirmando, após ter concluído que “aquele limite máximo de trinta nos, valendo para a estipulação do prazo do contrato, não abrange as renovações impostas por lei”, o seguinte:

“Não se discute que a não aplicação do limite temporal previsto no artº 1025º do CC à duração da relação locatícia – nesse sentido interpretando as normas do direito do arrendamento que impõem ao senhorio a renovação do contrato no termo do prazo –, se configura como limitação ao direito de propriedade, sendo como é elemento essencial deste direito a livre disponibilidade da própria propriedade.

Todavia, convém lembrar que, tal como acontece com os demais, também o direito de propriedade comporta limites, sobretudo quando em colisão com outros direitos fundamentais e igualmente merecedores de protecção jurídica.

Por isso, enquanto legítimo definidor e prossecutor dum projecto económico-social comum, com tradução na Lei Constitucional, cabe ao Estado intervir de forma a harmonizar todos os interesses com vista à realização desse projecto.

Nesse enquadramento, é lícito entender que estando em causa interesses gerais da comunidade e tão caros a esta como são os interesses económicos e sociais que subjazem a todas as relações locatícias, o Estado, no exercício da actividade legislativa, possa consagrar limitações ao direito de propriedade privada, na regulamentação que lhe cabe no âmbito do direito do arrendamento, nomeadamente, dentro de um objectivo de protecção do arrendatário, como parte institucionalmente mais fraca, assegurando, por essa forma, o equilíbrio de interesses em conflito, no sentido do favorecimento deste, pela sua não colocação, sem violação contratual, no sempre difícil mercado da locação, sobrando, como contrapartida, para o senhorio a actualização ordinária ou extraordinária da respectiva renda.

Nesta perspectiva não nos parece, salvo o devido respeito, que o entendimento defendido viole as normas e princípios do direito constitucional que a recorrente, de forma enunciativa, refere.”

3. Ainda inconformada, A. interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Frisando, mais uma vez, que “o caso dos autos não é de denúncia”, nem, aliás, como acrescenta, de resolução do contrato, e que o arrendamento em discussão se extinguiu por decurso do prazo de 30 anos previsto no artigo 1025º do Código Civil, escreveu então a autora:

“Note-se, determinantemente, que a incidência do artigo 1025º do C. Civil é diferente da denúncia por conveniência do senhorio. O caso de extinção por decurso da duração máxima estabelecida pelo falado artigo 1025º não é de denúncia, sendo uma modalidade sui generis de extinção do arrendamento por imposição legal de ordem pública. Esse fundamento tem, aliás, encaixe no artigo 50º do RAU, conjugando-se com ele, quando aí se enumera como causa de extinção do arrendamento ‘ou por outras causas determinadas na lei’. Mas não seria necessário que (...) tivesse enquadramento no RAU, porque se trata, no caso do artigo 1025º, de uma norma marcadamente estruturante e de ordem pública de força superior, espécie de ‘grundnorm’ da duração do arrendamento, a que se subordinam as demais normas limitadoras ou condicionantes dessa duração, o que, no sistema normativo vigente, se traduz em as normas determinantes da renovação dos contratos e de proibição do despejo operarem plenamente até ao limite de 30 anos, momento em que o arrendamento se extingue, não por denúncia, mas por imperativo de ordem pública decorrente do artigo 1025º do C. Civil, sendo despropositado chamar à liça o artigo 68º do RAU ou outras normas sobre o instituto da denúncia ou da resolução”.

E veio ainda sustentar que “as normas dos artigos 50º, 64º e 68º do RAU e 1025º do Código Civil interpretadas no sentido de que o arrendamento se prorroga ou renova automática e indefinidamente contra a vontade do senhorio, mesmo para além do somatório de 30 anos de duração do arrendamento resultante das sucessivas prorrogações ou renovações, são ilegais e inconstitucionais, por violação dos princípios do Estado de Direito, designadamente dos da igualdade, proibição de arbítrio, proporcionalidade, e do conteúdo do direito de propriedade, violando, designadamente, as normas e princípios dos artigos 2º, 3º-2, 13º , 16º, 17º, 18º-2 e 3, 62º da CRP e 14º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (‘Convenção Europeia dos Direitos do Homem’) e do artigo 1º do seu Protocolo Adicional sobre a protecção da propriedade”.

Por acórdão de 2 de Março de 2004, de fls. 203, o Supremo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
  • Acórdão nº 5408/11.3TBVFX.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Abril de 2016
    • Portugal
    • 12 Abril 2016
    ...Nesta mesma linha e com base na referida concepção, que espelha o quadro constitucional instituído, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2005 (consultado na “internet” em www.tribunalconstitucional.pt) refere que : “Igualmente se sabe que a celebração de contratos de arrendamento, pe......
  • Acórdão nº 299/08 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2008
    • Portugal
    • 29 Mayo 2008
    ...contrato de arrendamento urbano para o comércio, para além do prazo de trinta anos e contra a vontade do locador, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2005 (publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Junho de 2005, e também disponível em www.tribunalconstitucional.pt), con......
2 sentencias
  • Acórdão nº 5408/11.3TBVFX.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Abril de 2016
    • Portugal
    • 12 Abril 2016
    ...Nesta mesma linha e com base na referida concepção, que espelha o quadro constitucional instituído, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2005 (consultado na “internet” em www.tribunalconstitucional.pt) refere que : “Igualmente se sabe que a celebração de contratos de arrendamento, pe......
  • Acórdão nº 299/08 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2008
    • Portugal
    • 29 Mayo 2008
    ...contrato de arrendamento urbano para o comércio, para além do prazo de trinta anos e contra a vontade do locador, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2005 (publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Junho de 2005, e também disponível em www.tribunalconstitucional.pt), con......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT