Acórdão nº 148/05 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2005
Magistrado Responsável | Cons. Vitor Gomes |
Data da Resolução | 16 de Março de 2005 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 148/05 Processo n.º 143/03 3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A., B. e C. intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízos Cíveis), uma acção contra D. pedindo que fosse reconhecida a caducidade de um contrato de arrendamento comercial com fundamento no facto de terem decorrido mais de 30 anos sobre o seu início, o que entendem como prazo máximo legalmente estabelecido para a duração de um contrato desta natureza, nos termos dos artigos 1025.º e 1051.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil.
Da sentença que julgou a acção improcedente, interpuseram as autoras recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 5 de Dezembro de 2002 (fls. 183 e segs.), lhe negou provimento.
Deste acórdão vem o presente recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), em cujas alegações as recorrentes sustentam, em síntese conclusiva, o seguinte:
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As autoras pediam em 1ª instância que fosse reconhecida a caducidade de um contrato de arrendamento comercial, com fundamento no facto de o mesmo ter atingido o prazo máximo legalmente estabelecido para a respectiva duração, ou seja, pelo facto de terem decorrido (mais de) trinta anos sobre o início do mesmo.
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Para suportar o seu pedido, as autoras invocaram o disposto nos arts. 1025° e 1051°, n°1, alínea a) do Código Civil de 1966.
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Sucede que, os tribunais a quo entenderam, por um lado, que o regime legal em questão era afastado pelo princípio geral contido no art. 1054° do Código Civil, e por outro lado, que o mesmo regime não comportava o sentido e o alcance que lhe eram dados pelas autoras, julgando-o, nessa medida, inaplicável aos factos sub judice.
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No entanto, e com todo o devido respeito, a solução interpretativa sustentada nas doutas decisões recorridas, contraria o verdadeiro espirito e a razão lógica dos preceitos legais em questão, ignora a sua localização e função sistemáticas e, assim, os fins que aqueles pretendem atingir, dela resultando, na prática, um sacrifício injustificável de valores fundamentais do ordenamento jurídico actualmente vigente.
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Ora, uma correcta apreensão do sentido e do alcance das normas vocacionadas para resolver o caso sub judice, e a determinação do respectivo campo de aplicação, designadamente as dos arts. 1025° e 1054° do CC, exigem uma utilização rigorosa de todos os elementos de interpretação da lei.
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Começando a partir dos textos, em conformidade com os critérios enunciados no art. 9° do Código Civil, por tentar reconstituir o pensamento legislativo, e tendo sempre em conta as circunstâncias históricas em que o art. 1025° foi elaborado, podemos seguramente afirmar que a razão de ser desta norma e a intenção legislativa que lhe subjaz radicam na necessidade de se fixar um limite temporal efectivo para a vigência dos contratos de arrendamento, por forma a impedir eficazmente a sua perpetuidade, e assim, assegurar a plena realização da função económica e social da propriedade, bem como o núcleo essencial deste direito fundamental.
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E na realidade, a leitura que a grande maioria da doutrina faz das motivações históricas do art. 1025° não deixa qualquer espaço para dúvidas de que foram razões de natureza económica e social a ditar a limitação temporal expressamente ali estabelecida, impondo-a como princípio de ordem pública, e fazendo-a actuar como uma verdadeira garantia do direito de propriedade, e de outros princípios constitucionalmente garantidos.
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A verdade é que o espirito e razões de ser desta norma são bem evidenciadas quando o legislador sublinha: ...;quando estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo...".
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Com maior ou menor felicidade, certo é que a expressa, proibição do contrato de arrendamento perpétuo revela bem que, não estamos apenas perante uma simples limitação à liberdade de estipulação inicial do respectivo prazo de duração, ou perante uma simples proibição da estipulação expressa de um prazo infinito.
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O legislador não quis apenas restringir a liberdade contratual, mas impedir sim, a todo o custo, a perpetuidade do vinculo contratual, fixando para o efeito um limite máximo, um termo final inderrogável, para a respectiva vigência, em ordem a salvaguardar valores e princípios de ordem pública, constitucionalmente garantidos.
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Acresce que, considerando o espírito e unidade intrínseca do instituto jurídico do arrendamento, e do ordenamento jurídico visto na sua globalidade, podemos constatar que:
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Ao distinguir expressamente na letra do art. 1051°, alínea a), do CC, o decurso do prazo estipulado do decurso do prazo estabelecido por lei, o legislador referia-se, quanto à segunda hipótese, precisamente ao prazo máximo de duração estabelecido no art. 1025° da mesma lei.
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Resulta, por sua vez, claramente dos arts. 66°, 113° e 114° do RAU a aplicabilidade, com o sentido que se defende, do disposto nos arts. 1025° e 1051°, alínea a), parte final, do CC.
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E, decididamente, que também não é por acaso que o período de trinta anos referido na alínea b), do n° 1, do art. 107° do RAU, coincide precisamente com o prazo de duração máxima do arrendamento fixado pelo art. 1025° do CC!!
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Note-se que tal ressalva, de natureza eminentemente excepcional, é a prova incontrariável de que o legislador, em 1990, reconhecendo e respeitando o verdadeiro sentido e alcance do art. 1025° do CC, pretendeu deliberadamente impedir os efeitos práticos da sua aplicabilidade no domínio do arrendamento habitacional.
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E precisamente porque arrendamentos habitacionais e arrendamentos comerciais correspondem a relações e realidades jurídica, económica e socialmente muito distintas, é que a regra contida no art. 107°, n° 1, alínea b) do RAU não foi transposta para o domínio das formas de cessação do arrendamento comercial.
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Na realidade, a existência de todo um conjunto de regimes especiais e excepcionais no âmbito do regime legal do arrendamento urbano, acaba por evidenciar também alguns dos seus princípios fundamentais, como sejam o princípio geral da temporariedade do arrendamento e o princípio correlativo da sua caducidade efectiva.
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Mesmo no domínio do arrendamento habitacional, as disposições legais especialmente destinadas a retardar os efeitos da caducidade gerada pelas situações previstas pelo art. 1051°, revestem uma natureza claramente excepcional, e obedecem a razões económicas e sociais muito particulares, (por exemplo, as disposições do RAU referentes à transmissão do direito ao arrendamento em caso de morte do locatário).
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O nosso ordenamento jurídico é avesso à perpetuidade de vínculos contratuais, maxime, quando estes têm por objecto o gozo de coisas, e as razões de ser desta asserção são sobejamente reconhecidas pela doutrina nacional e internacional, pelo menos, em estados verdadeiramente liberais, democráticos, e justos.
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Repare-se, por exemplo, que o contrato de usufruto tem como limite temporal a vida do seu titular, e que se constituído a favor de uma pessoa colectiva, só poderá vigorar pelo prazo máximo de trinta anos.
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por sua vez, e ao contrário do que entendem os tribunais a quo, não é o disposto nos arts. 1054° do CC, e 68º e seguintes do RAU, que obsta à solução interpretativa que aqui se sustenta.
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Pois se recorrermos novamente aos elementos de interpretação definidos no art. 9°, chegaremos à conclusão de que o art. 1054° tem o seu campo de aplicação delimitado pelos arts. 1025° e 1051°, alínea a), parte final, do CC.
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Quer isto dizer que, o alegado princípio da prorrogação forçada actua única e exclusivamente dentro do limite temporal dos trinta anos imposto pelo art.1025°, ou seja, que o contrato de arrendamento comercial vai-se renovando sucessivamente nos termos do art. 1054° do CC, até completar trinta anos de vigência, momento em que caduca definitivamente.
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E tanto assim é, que o art. 1056° prevê expressamente um regime especialmente destinado a regular a situação do contrato de arrendamento caduco, ali se prevendo não a prorrogação forçada do contrato de acordo com o regime legal da denúncia, mas sim o direito do senhorio a manifestar a sua oposição à dita renovação!
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E na realidade, no âmbito do arrendamento comercial, aquele regime é respeitado e desenvolvido pelas regras dos arts. 113° e 114° do RAU, nas quais não se prevê qualquer limitação ao invocado direito de oposição, mas apenas se institui uma moratória bastante razoável para a restituição efectiva do locado, e a compensação de determinadas benfeitorias realizadas pelo inquilino.
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Com efeito, a regra inserida no art. 1054° do CC, e as limitações ao direito de denúncia estabelecidas, quer no regime revogado dos arts. 1096° e seguintes do CC e na Lei n° 55/79, como no actual RAU, têm uma natureza excepcional, explicada por razões históricas e políticas muito peculiares, e pontuais.
aa) E repita-se que as limitações legalmente impostas, quer ao exercício do direito de denúncia pelo senhorio, como aos efeitos da caducidade gerada pelas situações previstas pelas alíneas b) a f) do art. 1051° do CC, assumem uma natureza claramente excepcional, justificada apenas pela tutela do direito à habitação, e nesta medida, intransponíveis para o domínio do arrendamento comercial.
bb) De sublinhar também que, a prova de que a regra da prorrogação forçada não constitui qualquer princípio geral e absoluto, derrogatório daquele que se enuncia no art. 1025°, resulta ainda do confronto e análise dos regimes previstos para as diferentes situações geradoras da caducidade do arrendamento.
cc) À excepção da hipótese prevista na parte inicial da alínea a), do art. 1051° do CC - decurso do prazo estipulado -, nenhuma das situações previstas nas restantes alíneas fica submetida a qualquer regra de prorrogação forçada!
dd) Repare-se que nas referidas alíneas estão em causa situações em que a precariedade do arrendamento, e as...
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Acórdão nº 9414/2006-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Dezembro de 2006
...outra aplicação lícita do prédio. -Cuja prossecução é imposta ao Estado, mas que não deixa de vincular os particulares, cfr. Ac. do TC, n.º 148/05, de 16.3.05, in -Cfr. Ac. do TC, acima referido. -Cfr. Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7 ª edição, pag. 708. -Cfr., entre outros, o Ac do STJ ......
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