Acórdão nº 159/05 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução29 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 159/2005 Processo n.º 697/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Abril de 2004, foi concedido provimento ao recurso interposto por A. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmara a sentença da 6ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, a qual havia julgado improcedente a acção declarativa intentada por aquela contra o Centro Nacional de Pensões e a Caixa Geral de Aposentações, em que pedia o reconhecimento “da sua qualidade de titular do direito às prestações por morte de B., falecido em 30/04/97, no estado de viúvo, com quem vivia em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos relativamente à data do seu óbito”. Consequentemente, o acórdão recorrido foi revogado e a acção julgada “integralmente procedente relativamente ao pedido formulado pela Autora, e, assim, reconhecida a esta a qualidade de titular do direito às prestações sociais por morte de B.”. Pode ler-se no referido aresto:

    (...)

    III - No Acórdão objecto da presente impugnação foi considerado como fundamento para a improcedência da apelação interposta, a falta de alegação, e subsequente prova, de factos que preenchessem os requisitos do art.º 2020°, n.º 1, conjugado com o art.º 2009°, als. a) a d), ambos do CC, vindo a recorrente, na presente revista, invocar que tal alegação e prova apenas colheria justificação, no caso de não ter intentado, previamente, acção contra a herança.

    Temos, portanto, que, perante a matéria de facto apurada pelas instâncias, é inquestionável que a situação em que coabitavam a A. e o falecido B., configura uma união de facto - Curso de Direito de Família dos Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, vol. I, pág. 84.

    Ora, à data da propositura da presente acção - 15/12/1999 -, encontrava-se em vigor a Lei n.º 135/99, de 28/08 (LUF), diploma este onde se contêm a regulamentação relativa à protecção jurídica das uniões de facto, com duração superior a dois anos - art.º 1°, n.º 1 -, e do qual consta a atribuição a cada um dos seus membros, entre outros direitos, do correspondente à protecção decorrente do regime geral da segurança social e da lei, em caso de morte do respectivo beneficiário - art. 3°, al. f) -, pelo que, embora no diploma regulamentador das prestações a atribuir por morte dos beneficiários abrangidos pelo regime de segurança social - DL n.º 322/90, de 18/10 - se estatua que as condições de atribuição das pensões são definidas à data da morte do beneficiário - art.º 15° -, entendemos ser de dar prevalência ao conteúdo do diploma emanado do órgão legislativo próprio da República, em detrimento do estatuído no diploma emanado do órgão executivo, no caso da ocorrência de colisão entre o conteúdos dos mesmos - art.ºs 112°, n.º 2, 161°, al. c) e 165°, n.º 1, al. b), da CRP e 1°, n.º 2, da LUF.

    Assim, e no que respeita ao regime de segurança social, tal direito desdobra-se na atribuição de uma pensão de sobrevivência e de um subsídio por morte - art.ºs 3°, n.º 1, e 8°, n.º 1, do DL n.º 322/90, de 18/10, e 41°, n.º 2, do DL n.º 142/73, de 31/03, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 191-A/79, de 25/06, (Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aplicável aos funcionários e agentes da Administração Pública) -, enquanto que, por outro lado, e no que diz respeito aos direitos conferidos pela lei aos membros das uniões de facto, tal referência se reporta ao direito de exigir alimentos à herança do falecido, nos termos do preceituado no art.º 2020°, n.º 1 do CC.

    Temos, portanto, que, em caso de decesso de um dos membros da união de facto, é conferido ao sobrevivo o direito de cumular as pensões sociais com a pensão de alimentos a cargo da herança, constituindo, todavia, directo e imediato pressuposto para a atribuição daquelas prestações sociais, que se tenha verificado o reconhecimento judicial da titularidade do direito às mesmas, mediante a propositura de acção declarativa contra a instituição competente para a sua atribuição, ou através da prolação da sentença judicial que fixe aquela indicada pensão de alimentos, uma vez que o documento indispensável à apreciação pelas instituições da segurança social do pedido do respectivo interessado reside, única e exclusivamente, na certidão da decisão final, independentemente da acção, de entre as indicadas, em que tal sentença haja sido proferida - art.ºs 6° da LUF, 3° e 5° do Dec. Reg. n.º 1/94, de 18/01.

    Ora, ainda que, verificando-se a inexistência ou insuficiência de bens da herança, a acção tenha obrigatoriamente de ser instaurada contra a instituição de segurança social, também, por outro lado, na acção de alimentos, e caso se verifique a ocorrência, nomeadamente no decurso da lide, daquelas indicadas situações, pode, igualmente, haver lugar ao reconhecimento do direito às prestações sociais a favor do respectivo demandante, desde que, para tal, aquela instituição intervenha na acção, então como associada da herança, nomeadamente através do recurso ao incidente processual da intervenção provocada - n.º 4 do citado art.º 6° da LUF e art.º 325° do CPC -, já que, a não se considerar a referida intervenção limitada àquelas apontadas situações de carência económica da herança, ficaria desprovida de justificação, face ao preceituado no art.º 5° do Dec. Reg. n.º 1/94, a necessidade da ocorrência, na acção de alimentos, daquele indicado litisconsórcio, pelo lado passivo, quanto à herança e à instituição de segurança social.

    Assim, e embora tenha ficado provado, na situação em análise, que, na acção instaurada contra a herança do falecido B. foi declarada a inexistência, na mesma, de bens susceptíveis de permitir a prestação à ora recorrente de uma pensão de alimentos, naquela não se verificou a intervenção das ora recorridas, na qualidade processual de demandadas, pelo que, consequentemente, inexiste qualquer situação de caso julgado material, susceptível de permitir a invocação, nos presentes autos, da relevância, sob o ponto de vista jurídico, da prova dos factos, objecto da decisão antecedentemente proferida – art.ºs 497°, 498° e 673° do CPC e n.º 4 do art.º 6° da LUF - não podendo, portanto, merecer acolhimento deste Supremo, a pela recorrente alegada prova já efectuada na acção anteriormente instaurada, relativamente aos requisitos a que alude o art.º 2020° do CC.

    IV - Todavia, e apesar do explanado, sempre não está vedado a este Supremo Tribunal proceder ao enquadramento jurídico da matéria de facto tida como provada pelas instâncias, quando se tenha verificado uma decisão incorrecta, sob o ponto de vista do direito aplicável- art.ºs 664°, 713°, n.º 2, 726° e 729°, n.º 1, do CPC.

    Assim, e na situação que nos vem presente, a acção foi instaurada contra as instituições a quem incumbe a atribuição das prestações sociais a conceder, em consequência do óbito de um beneficiário da segurança social, ao membro sobrevivo de uma união de facto.

    Ora, para a atribuição de tais prestações, torna-se necessária a prova, traduzida em sentença judicial, que declare que o respectivo requerente preenche as condições previstas no art.º 2020° do CC, no que respeita à titularidade das mesmas - art.ºs 6°, n.º 1 da LUF, 8° do DL n.º 322/90, e 3° e 5° do Dec. Reg. n.º 1/94.

    Com efeito, aquele apontado normativo da codificação substantiva civil dispõe, no seu n.º 1, que:

    “Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter, nos termos das alíneas a) a d) do art.º 2009°.”

    Porém, comparando estes requisitos com os exigíveis no diploma regulamentador da atribuição das prestações por morte do regime da segurança social, ao membro sobrevivo da união de facto, constata-se que, em nosso entender, os mesmos apenas se podem confinar à prova relativa ao estado civil do beneficiário falecido e à existência de uma relação parafamiliar de união de facto, que perdure há mais de dois anos - art.º 2° do Dec. Reg. n.º 1/94 -, não impendendo, portanto, sobre o respectivo interessado o ónus da prova, quer da sua necessidade de alimentos - art.º 2004° do CC -, quer da impossibilidade para os pagar por parte da herança ou dos familiares indicados nas als. a) a d) do art.º 2009° daquela codificação.

    Temos, assim, que, apenas nas acções em que seja peticionada à herança uma pensão de alimentos, se terão de provar aqueles últimos indicados requisitos.

    Na verdade, decorrente da publicação da Lei n.º 135/99 (LUF), foi estabelecida, em matéria de protecção social do companheiro, uma total equiparação da união de facto ao casamento, através da aplicação, a ambas aquelas situações, dos mesmos princípios já existentes relativamente à protecção do cônjuge - art.º 3°, als. b), c), f), g) e h).

    Por outro lado, tal tendência de equiparação dos casais que vivessem naquelas duas indicadas situações, relativamente às prestações concedidas em razão da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, decorria já do preceituado no DL n.º 322/90 - art.ºs 1°, 3°, 7° e 8° -, bem como do Dec. Reg. n.º 1/94, em cujo preâmbulo se pode ler, a dado passo:

    “II Em matéria de pensões de sobrevivência, o acolhimento do princípio da relevância das uniões de facto de alguma forma equiparáveis, para efeitos sociais, à sociedade conjugal tem por objectivo a harmonização dos regimes internos de protecção social, bem como a adequação a recomendações formuladas no âmbito das instâncias internacionais.”

    Ora, no que se reporta às prestações decorrentes do decesso dos beneficiários do regime geral da segurança social - pensão de sobrevivência e subsídio por morte -, a sua atribuição ao cônjuge do falecido não está dependente das necessidades económicas do mesmo, nem da existência de familiares cuja situação económica seja susceptível de lhe poderem...

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