Acórdão nº 224/05 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução27 de Abril de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 224/05 Processo n.º 68/05 1.ª Secção Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I

  1. A fls. 363 e seguintes, foi proferida decisão sumária que não tomou conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:

    “[...]

    Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, deve o seu objecto ser constituído por uma norma, a apreciar pelo Tribunal Constitucional sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional.

    Sucede, porém, que a recorrente pretende a apreciação de uma cláusula constante de um acordo colectivo de trabalho. Deverá tal cláusula ser qualificada como uma norma, para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional?

    A esta pergunta tem o Tribunal Constitucional dado resposta negativa.

    Na verdade, constitui orientação maioritária do Tribunal Constitucional a de que as normas das convenções colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade a cargo deste Tribunal, pois que não integram o conceito de norma utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição (e, consequentemente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional).

    Tal orientação foi nomeadamente perfilhada pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos n.ºs 172/93, de 10 de Fevereiro (publicado no Diário da República, II Série, n.º 141, de 18 de Junho de 1993, p. 6454), 250/97, de 18 de Marco, 637/98, de 4 de Novembro, 697/98, de 15 de Dezembro, 284/99, de 5 de Maio, 492/00, de 22 de Novembro, 10/03, de 15 de Janeiro e 92/03, de 14 de Fevereiro (estes disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

    No primeiro dos acórdãos referenciados – em que estava em causa a apreciação da inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da norma constante da cláusula 5ª do Anexo I ao Contrato Colectivo de Trabalho entre a Associação Portuguesa das Empresas Industriais de Produtos Químicos e outras e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Químicas e Farmacêuticas de Portugal e outros (in Boletim do Trabalho e Emprego, I Série, n.º 16, de 29 de Abril de 1983), quando interpretada no sentido de impedir que uma empresa, depois de entrar no Grupo A, possa alguma vez baixar de grupo, ainda que baixe a sua facturação anual, devendo, em consequência, continuar a remunerar sempre os seus trabalhadores de acordo com as tabelas em vigor para o referido Grupo A –, disse o Tribunal Constitucional o seguinte:

    [...]

    Com base na fundamentação transcrita, o Tribunal Constitucional decidiu, no mencionado acórdão n.º 172/93, não tomar conhecimento do recurso.

    É esta a jurisprudência que agora também se perfilha e para a qual se remete.

    Não pretendendo a recorrente a apreciação da conformidade constitucional de uma norma, no sentido em que este conceito é utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, conclui-se que não está preenchido um dos pressupostos processuais do presente recurso, não sendo consequentemente possível conhecer do respectivo objecto.

    [...].”.

  2. Notificada desta decisão, A. veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 389 e seguintes), em que concluiu do seguinte modo:

    “[...]

  3. Através da douta decisão sumária ora reclamada, que pelas razões constantes dos Acórdãos, deste mesmo Tribunal, com os n.º 172/93, 250/97, 637/98, 697/98 entre outros citados, entendeu não ser possível tomar conhecimento do recurso interposto pelo ora Reclamante, defende-se a ideia de que tudo o que respeita a acordos e convenções colectivas de trabalho não está sujeito a controlo de constitucionalidade.

  4. A posição acima expressa decorre do facto de o Tribunal Constitucional, ainda que por maioria, ter vindo a entender que «as normas das convenções colectivas de trabalho não estão sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade a cargo deste Tribunal, pois que não integram o conceito de norma utilizado na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e consequentemente na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional».

  5. Mais tem vindo a defender o Tribunal Constitucional e citando o Acórdão n.º 172/93, que «(...) como as normas das convenções colectivas de trabalho não provêm de entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de poderes públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do art. 280°, n.° 1, alínea b), da Constituição».

  6. Tal posição, igualmente expressa na decisão ora reclamada, não pode merecer, como é óbvio, a concordância da Recorrente e ora Reclamante.

  7. Na verdade, encontrando-nos no domínio do Direito do Trabalho, começaremos por dizer, com recurso aos Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, que se trata de um verdadeiro direito fundamental dos cidadãos, um direito positivo dos cidadãos perante o Estado (Constituição da República Portuguesa anotada, 1978, anotação ao art. 51°, II).

  8. Por outro lado, qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, como sucede, «in concreto», com o ACTV para o sector bancário, para além de fonte de direito de trabalho é, ao mesmo tempo, um acto normativo (neste sentido, Conselheiro Mário de Brito, in Separata ao BMJ, Direito do Trabalho, pág. 136), podendo também ele ver-se afectado de inconstitucionalidade quer em termos formais, quer em termos materiais.

  9. Não admira, pois, que a esse propósito, tenha Carnelutti, afirmado que a convenção colectiva tem o corpo do contrato e a alma da lei.

  10. E a concepção do mundo laboral e da negociação colectiva que se intui através do recurso a estes Ilustres Juristas corresponde, ao fim e ao cabo, a uma parte de grande importância na vida das nossas sociedades, dada a sua íntima ligação às vertentes sociais, económicas, políticas, «et pour cause», jurídicas.

  11. Como afirma o Professor Monteiro Fernandes, in Temas Laborais, Almedina, 1984, pág. 117, «A negociação colectiva, como processo de produção normativa, reflecte, em cada momento, as preocupações sociais dominantes, em função dos dados da conjuntura económica», concluindo que «A convenção colectiva tem-se afirmado como a mais influente fonte do Direito do Trabalho» – sublinhado nosso.

  12. Dentro de todo o contexto sumariamente exposto, parece à ora Reclamante, com todo o respeito, que as razões invocadas para não conhecer do recurso interposto, perdem toda a razão de ser.

  13. E perdem toda a razão de ser sobretudo, por razões de natureza jurídico/constitucional e por razões ligadas ao leque de atribuições e competências do Tribunal Constitucional.

  14. Em primeiro lugar, da análise dos preceitos constitucionais em causa, não se alcança o entendimento avançado pela Ilustre Conselheira Relatora quando, é indiscutível, que o ACTV em discussão comporta um conjunto de normas jurídicas, como tal reconhecidas pelo Estado.

  15. Por outro lado, da leitura do art. 70° da Lei do Tribunal Constitucional, em particular, do seu n.º 1 alíneas a) e b), o vocábulo «norma» aí empregue, não autoriza qualquer interpretação limitativa, incompatível, aliás, com a ideia de fiscalização concreta de constitucionalidade.

  16. Importa não olvidar que a matéria suscitada no recurso interposto, prende-se com a Lei de Bases da Segurança Social e com o art. 63° n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

  17. Aliás, este preceito constitucional ao dispor que «Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o calculo das pensões de velhice e invalidez (...)» (sublinhado nosso), está a reconhecer expressamente a natureza e dignidade pública de ordenamentos jurídicos – como os instrumentos de regulamentação colectiva – que a decisão sumária ora reclamada não reconhece, para mais num domínio fundamental da vida dos cidadãos (a segurança social).

  18. Doutro modo, a aceitar a tese em discussão, não se compreende a possibilidade de recurso a órgãos de soberania, como os Tribunais, para dirimir conflitos desta natureza.

  19. Não pode, assim, o ora Reclamante aceitar o entendimento defendido pela Ilustre Conselheira Relatora dada a inexistência de qualquer correspondência com a letra da lei.

  20. O que importa apurar é se uma norma, num determinado caso concreto, ofende ou não o tecido constitucional.

  21. Se dúvidas existissem quanto a este entendimento, bastaria o recurso aos eminentes constitucionalistas atrás citados (Direito Constitucional, 5ª edição, Almedina, 1992, pág. 1061) onde, no âmbito da fiscalização concreta de inconstitucionalidade, depois de afirmarem que «Não há, porém, qualquer restrição quanto à natureza das normas impugnadas: podem ser normas materiais ou processuais, podem incidir sobre o mérito da causa ou apenas sobre meios probatórios ou pressupostos processuais, podem ou não lesar direitos fundamentais ou interesses legítimos das partes. Isto não significa que os problemas de inconstitucionalidade digam apenas respeito a actos normativos, pois não são impensáveis hipóteses de actos privados... directamente violadores da constituição...».

  22. Os citados ilustres constitucionalistas, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem ainda, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2° Vol., Coimbra Editora, 1985, pág. 471, que «(...) é possível estabelecer um elenco dos actos, cujo conteúdo, por ser constituído por normas, está sujeito a fiscalização da constitucionalidade» (negrito nosso), elencando especificamente para o efeito as convenções colectivas de trabalho.

  23. Igualmente acrescentam que «Embora a Constituição não seja explícita quanto ao valor jurídico dos contratos e acordos colectivos de trabalho e remeta para a lei a determinação da eficácia das respectivas normas (art. 56º n.º 4), é entendimento corrente de que eles são fonte de direito com valor pelo menos...

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